O modelo consumista ocidental é cada vez mais questionado. O desafio está em encontrar formas de manter a economia saudável, ao mesmo tempo que se propõe o combate aos excessos
Cleóbulo de Lindos, um dos grandes sábios da Grécia Antiga, ao tentar resumir toda a sua sabedoria em uma frase, disse: “Ótima é a medida”. E o sociólogo italiano Domenico de Masi a definiu primorosamente em seu livro A Felicidade: o justo meio-termo entre os inconvenientes do demais e os inconvenientes do pouco, entre a dolorosa falta do necessário e a desagradável opulência do supérfluo.
Se o termo “menos” na filosofia de Cleóbulo significava, assim como seu inverso “mais”, um caminho para alcançar a justa medida, o advérbio soa como uma ameaça atroz à paz mundial no contexto do modelo atual de crescimento econômico orientado ao consumo.
Afinal, menos consumo a curto prazo é igual à redução do Produto Interno Bruto (PIB), que, por sua vez, é igual à perda de empregos e, consequentemente, queda na qualidade de vida.
Mas esse PIB não mede a vida que vale a pena, já dizia Bob Kennedy em memorável discurso proferido em março de 1968 na Universidade de Kansas. A histórica crítica do então candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos ocorreu antes mesmo da fundação do paradigmático Clube de Roma [1], grupo que passou a reunir industriais, cientistas, diplomatas e lideranças da sociedade civil para discutir suas preocupações com o consumo ilimitado de recursos.
[1] Criado em abril de 1968 na capital italiana, o Clube de Roma encomendou um estudo a um grupo de cientistas do instituto de tecnologia de Massachusetts (Mit, na sigla em inglês), que foi publicado em 1972 com o título The Limits to Growth – lançado no brasil no ano seguinte pela editora Perspectiva com o título Limites do Crescimento
Hoje, já se sabe que tanto os recursos naturais quanto o fôlego do planeta para absorver a poluição são finitos. Entretanto, a possibilidade de transferência desse modelo político e econômico de crescimento vigente no mundo ocidental para os países orientais torna o cenário um bocado mais preocupante.
Chandran Nair, economista asiático fundador do Global Institute for Tomorrow (Gift), com sede em Hong Kong, sugere uma reflexão: imaginar um mundo em que a Ásia, que em 2050 deverá ter em torno de 6 bilhões de habitantes, alcance o mesmo padrão de desenvolvimento do Japão ou dos Estados Unidos – o que é muito justo –, porém, adotando as mesmas políticas econômicas ocidentais de ênfase no consumo. “Os nossos melhores cérebros estudam economia nos Estados Unidos e na Inglaterra, os berços do consumismo”, ressalta Chandran Nair, sugerindo que a formação intelectual desses futuros profissionais poderá incorporar o modelo consumista.
Mas, diante de alguns números, não é difícil prever o que pode acontecer se a Ásia seguir o roteiro ocidental. Por exemplo, a Índia registra hoje menos de 50 automóveis por mil habitantes e a China, 150 por mil. No Ocidente, os países mais ricos estão chegando aos 800 veículos para cada grupo de mil pessoas. O resultado será provavelmente o tal “engarrafamento global” já antevisto por ninguém menos que Bill Ford, bisneto de Henry, o criador da linha de montagem para a produção em massa de automóveis. “Não é possível conceber um mundo com dois carros na garagem de cada família”, tem declarado o empresário, ultimamente.
Como se vê, o debate deste lado de cá do mundo sobre o consumismo desenfreado começa a atrair personagens do próprio establishment. E, no setor automotivo, Bill Ford não está sozinho. A PSA Peugeot Citroën fundou em 2000 na França o IVM – Institut pour la Ville en Mouvement (Instituto Cidade em Movimento), que desenvolve estudos para melhorar a mobilidade urbana e tornar as ruas mais amigáveis às pessoas, mesmo que, para isso, seja necessário propor a redução do número de carros em circulação (mais em ville-en-mouvement.com).
Outro exemplo importante de empresa que incorporou ao negócio o movimento de reação contra o desperdício e o consumismo inconsequente é o da marca americana de roupas Patagônia (mais em “Empresa pede que consumidor não gaste”).
A primeira mensagem que o cliente recebe ao entrar em uma loja ou no website da empresa é se está de fato precisando adquirir roupas, ou se não se trata de uma compra por impulso. Seus produtos são muito duráveis e as lojas oferecem serviços de reparo e manutenção para que durem ainda mais. A empresa também compra e vende roupas usadas da marca, entre outros serviços.
Esses bons exemplos, para o professor da Faculdade de Economia e Administração da USP Ricardo Abramovay, já são indícios de que ganha corpo a hipótese de que algo está muito errado na forma como nós, ocidentais, nos relacionamos com os bens materiais. Economistas de correntes diversas já escrevem sobre isso. Mas a forma como o problema vem sendo exposto, segundo ele, induz ao ceticismo e à ideia de que, embora necessária, a mudança no padrão de consumo é um objetivo praticamente inatingível. Alega-se que o aumento da renda [2], combinado com a natureza insaciável do ser humano e com a garantia das liberdades, fará as pessoas consumirem cada vez mais.
[2] De fato, a renda aumenta globalmente: em 2010, para uma população mundial de quase 7 bilhões, havia 2 bilhões de pessoas com renda entre 10 e 100 dólares ao dia. em 2030, 5 bilhões de pessoas estarão nessa faixa de renda, em paridade de poder de compra, para uma população de 8 bilhões de pessoas
“Cada vez menos eu me convenço de que isso é verdade”, rebate Abramovay. Para ele, faltam análises sobre como se compõe socialmente o consumo e, também, sobre a real capacidade de os bens consumidos propiciarem bem-estar. Muito mais do que dizer às pessoas o que elas devem ou não consumir, o professor crê que é preciso se voltar para as estruturas que mobilizam as aspirações de consumo das pessoas, como a propaganda.
Ele frisa que a publicidade tem um papel preponderante em tudo isso. Embora os gastos com publicidade não sejam tão astronômicos, a sua influência nos comportamentos sociais é altíssima. “A verdade é que a publicidade é inteiramente irresponsável; seu compromisso é apenas com o aumento das vendas. A propaganda estimula o consumo generalizado de bens que notoriamente propiciam mal-estar para a sociedade”, protesta.
Dois exemplos emblemáticos são as propagandas de automóveis e de fast-food. Em seu último livro, Muito Além da Economia Verde, Abramovay lembra que automóvel e alimento são produtos cujo consumo precisa ser analisado sob dois pontos de vista, o do “mais” e o do “menos”, para atingir a justa medida.
“No caso dos automóveis, precisamos de mais mobilidade e de menos automóvel em circulação; no dos alimentos, a situação é escandalosa até nos Estados Unidos, onde 17% das crianças de 2 a 4 anos são obesas e 16% estão subalimentadas.”
Ainda sobre propaganda, existe uma proposta, liderada pelo Instituto Akatu, organização não governamental que atua na área do consumo consciente, para que haja um acordo global pelo qual 5% daquilo que hoje se gasta com publicidade seja voltado para o “consumo sustentável”. Não como propaganda de governo, que é pouco crível. A proposta é reunir o talento dos melhores publicitários e usá-lo institucionalmente em prol do consumo consciente.
MAIS PRODUÇÃO IMATERIAL
Sempre que se pensa em consumo vem à mente feijão, carros, computador, sapatos e outros bens materiais. Mas Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) nas áreas de economia e administração e consultor de várias agências das Nações Unidas, afirma que o grande consumo já está se deslocando para outros setores.
Segundo ele, nos Estados Unidos, por exemplo, a produção industrial emprega hoje menos de 10% da mão de obra. E o maior setor econômico do país atualmente é a saúde, com 17% do PIB e crescendo rapidamente. “Se olharmos um pouco mais para a frente, não será a produção de bens físicos que estará no centro dos processos produtivos, e sim o investimento nas pessoas: saúde, educação, lazer, esporte, cultura, informação, segurança”, diz.
Um pouco menos de automóveis e de viadutos e um pouco mais de políticas sociais seria uma forma inteligente de reorientar o consumo em países em desenvolvimento. Ainda que atrasado, o Brasil precisa retrilhar o caminho do desenvolvimento com foco agora nas questões sociais. “Enquanto o Japão começou seu projeto de modernização em 1868 e em 1900 já não tinha analfabetos, nós ficamos refletindo sobre o aumento do bolo e deixamos o social para o futuro”, reflete Dowbor.
A seu ver, essa é a grande questão de fundo quando se trata de consumo. O Brasil passa por um importante processo de desconcentração de renda que não é acompanhado pela superação de outras formas de desigualdade, como nas áreas da educação e saúde e no uso do espaço urbano. “Precisamos aumentar o consumo, sim, mas de outra forma, e para outras pessoas”, enfatiza o professor da PUC-SP.
Um passo nessa direção foi a sanção pela Presidência da República ao projeto que cria o Vale Cultura – ainda a ser regulamentado – no valor de R$ 50 mensais para trabalhadores com rendimentos de até cinco salários mínimos. Com esse adicional, os trabalhadores de mais baixa renda poderão consumir produtos culturais, como livros, DVDs, CDs e ingressos para museus e espetáculos artísticos.
Do ponto de vista da economia da cultura, na opinião da economista Ana Carla Fonseca Reis, especialista em economia criativa e diretora da empresa Garimpo de Soluções, Economia, Cultura e Desenvolvimento, o Vale Cultura é uma boa notícia, independentemente de pressupostos – como o percentual de empresas que venham a aderir ao programa –, pois será dinheiro extra injetado no campo cultural, pelo menos nos grandes centros urbanos.
Entretanto, o sucesso da medida dependerá de quais sejam os produtos e serviços culturais passíveis de compra. Incluiriam revistas sobre celebridades e DVDs sobre reality shows? “Tive uma discussão exatamente sobre esse risco no Ministério da Cultura há uns quatro anos e a resposta que obtive à época foi a de que não pretendiam restringir o uso por receio de incorrer em dirigismo.” Nesse caso, segundo Ana Carla, a depender da forma de regulamentação do Vale Cultura, este será mais ou menos eficaz no que diz respeito à adesão das empresas e ao cumprimento de uma política verdadeiramente cultural.
Modelos de compartilhamento de bens e recursos começam a desmaterializar ou, mais precisamente, a otimizar o uso de bens na economia, freando um pouco o nível de consumo em países desenvolvidos.
O uso partilhado de carros, por exemplo, já deixa de ser um modelo alternativo de negócios, como quando foi lançado pela zipcar.com, para integrar estratégias empresariais dominantes: a Hertz Rent a Car lançou a Hertz On Demand Car Sharing, adotando o mesmo modelo da americana zipcar.com, que já foi espalhado por vários países. O compartilhamento de carros é uma espécie de aluguel diário ou por hora, feito on-line, e que exige um código de ética, isto é, depois de usar o carro os clientes o devolvem limpo e abastecido, sem que haja qualquer controle explícito por parte da empresa, para que outro cliente possa usá-lo.
É um típico exemplo casado de economia verde com economia da informação em rede. Uma pesquisa acadêmica realizada pela Universidade na Califórnia, em Berkeley, revelou que a utilização partilhada de automóveis combinada com o uso crescente do transporte público retira das estradas de 4 a 13 carros para cada veículo compartilhado. Mais detalhes sobre a zipcar.com e a Hertz on Demand podem ser encontrados no estudo Green Game-Changers do WWF, além de outros casos de compartilhamento, como a prestação de serviço de iluminação para escritórios The Pay Per Lux, da Philips.
Embora sejam pontuais e apareçam com mais frequência apenas em países desenvolvidos, essas ações indicam uma tendência que talvez ganhe escala e alcance os países em desenvolvimento e, com sorte, a Ásia. Segundo Chandran Nair, a hiperpopulosa Ásia é que terá a grande responsabilidade de surpreender e fazer a diferença.
Em linha com alguns dos temas abordados, ele afirma que, diante da limitação de recursos naturais, os caminhos só poderão ser dois: o compartilhamento desses recursos e a revisão de seus respectivos preços. E, diante da necessidade futura de empregos em massa, Nair sugere que se comece por redefinir “produtividade”, dando-lhe um sentido bem ao avesso do que prega a economia clássica desde a Revolução Industrial. Produtividade deve passar a significar “o aproveitamento na produção do maior número de pessoas utilizando o mínimo possível de recursos naturais”. Nair pode não ter reparado, mas temperou essa sua definição com uma pitada de Cleóbulo de Lindos.[:en]O modelo consumista ocidental é cada vez mais questionado. O desafio está em encontrar formas de manter a economia saudável, ao mesmo tempo que se propõe o combate aos excessos
Cleóbulo de Lindos, um dos grandes sábios da Grécia Antiga, ao tentar resumir toda a sua sabedoria em uma frase, disse: “Ótima é a medida”. E o sociólogo italiano Domenico de Masi a definiu primorosamente em seu livro A Felicidade: o justo meio-termo entre os inconvenientes do demais e os inconvenientes do pouco, entre a dolorosa falta do necessário e a desagradável opulência do supérfluo.
Se o termo “menos” na filosofia de Cleóbulo significava, assim como seu inverso “mais”, um caminho para alcançar a justa medida, o advérbio soa como uma ameaça atroz à paz mundial no contexto do modelo atual de crescimento econômico orientado ao consumo.
Afinal, menos consumo a curto prazo é igual à redução do Produto Interno Bruto (PIB), que, por sua vez, é igual à perda de empregos e, consequentemente, queda na qualidade de vida.
Mas esse PIB não mede a vida que vale a pena, já dizia Bob Kennedy em memorável discurso proferido em março de 1968 na Universidade de Kansas. A histórica crítica do então candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos ocorreu antes mesmo da fundação do paradigmático Clube de Roma [1], grupo que passou a reunir industriais, cientistas, diplomatas e lideranças da sociedade civil para discutir suas preocupações com o consumo ilimitado de recursos.
[1] Criado em abril de 1968 na capital italiana, o Clube de Roma encomendou um estudo a um grupo de cientistas do instituto de tecnologia de Massachusetts (Mit, na sigla em inglês), que foi publicado em 1972 com o título The Limits to Growth – lançado no brasil no ano seguinte pela editora Perspectiva com o título Limites do Crescimento
Hoje, já se sabe que tanto os recursos naturais quanto o fôlego do planeta para absorver a poluição são finitos. Entretanto, a possibilidade de transferência desse modelo político e econômico de crescimento vigente no mundo ocidental para os países orientais torna o cenário um bocado mais preocupante.
Chandran Nair, economista asiático fundador do Global Institute for Tomorrow (Gift), com sede em Hong Kong, sugere uma reflexão: imaginar um mundo em que a Ásia, que em 2050 deverá ter em torno de 6 bilhões de habitantes, alcance o mesmo padrão de desenvolvimento do Japão ou dos Estados Unidos – o que é muito justo –, porém, adotando as mesmas políticas econômicas ocidentais de ênfase no consumo. “Os nossos melhores cérebros estudam economia nos Estados Unidos e na Inglaterra, os berços do consumismo”, ressalta Chandran Nair, sugerindo que a formação intelectual desses futuros profissionais poderá incorporar o modelo consumista.
Mas, diante de alguns números, não é difícil prever o que pode acontecer se a Ásia seguir o roteiro ocidental. Por exemplo, a Índia registra hoje menos de 50 automóveis por mil habitantes e a China, 150 por mil. No Ocidente, os países mais ricos estão chegando aos 800 veículos para cada grupo de mil pessoas. O resultado será provavelmente o tal “engarrafamento global” já antevisto por ninguém menos que Bill Ford, bisneto de Henry, o criador da linha de montagem para a produção em massa de automóveis. “Não é possível conceber um mundo com dois carros na garagem de cada família”, tem declarado o empresário, ultimamente.
Como se vê, o debate deste lado de cá do mundo sobre o consumismo desenfreado começa a atrair personagens do próprio establishment. E, no setor automotivo, Bill Ford não está sozinho. A PSA Peugeot Citroën fundou em 2000 na França o IVM – Institut pour la Ville en Mouvement (Instituto Cidade em Movimento), que desenvolve estudos para melhorar a mobilidade urbana e tornar as ruas mais amigáveis às pessoas, mesmo que, para isso, seja necessário propor a redução do número de carros em circulação (mais em ville-en-mouvement.com).
Outro exemplo importante de empresa que incorporou ao negócio o movimento de reação contra o desperdício e o consumismo inconsequente é o da marca americana de roupas Patagônia (mais em “Empresa pede que consumidor não gaste”).
A primeira mensagem que o cliente recebe ao entrar em uma loja ou no website da empresa é se está de fato precisando adquirir roupas, ou se não se trata de uma compra por impulso. Seus produtos são muito duráveis e as lojas oferecem serviços de reparo e manutenção para que durem ainda mais. A empresa também compra e vende roupas usadas da marca, entre outros serviços.
Esses bons exemplos, para o professor da Faculdade de Economia e Administração da USP Ricardo Abramovay, já são indícios de que ganha corpo a hipótese de que algo está muito errado na forma como nós, ocidentais, nos relacionamos com os bens materiais. Economistas de correntes diversas já escrevem sobre isso. Mas a forma como o problema vem sendo exposto, segundo ele, induz ao ceticismo e à ideia de que, embora necessária, a mudança no padrão de consumo é um objetivo praticamente inatingível. Alega-se que o aumento da renda [2], combinado com a natureza insaciável do ser humano e com a garantia das liberdades, fará as pessoas consumirem cada vez mais.
[2] De fato, a renda aumenta globalmente: em 2010, para uma população mundial de quase 7 bilhões, havia 2 bilhões de pessoas com renda entre 10 e 100 dólares ao dia. em 2030, 5 bilhões de pessoas estarão nessa faixa de renda, em paridade de poder de compra, para uma população de 8 bilhões de pessoas
“Cada vez menos eu me convenço de que isso é verdade”, rebate Abramovay. Para ele, faltam análises sobre como se compõe socialmente o consumo e, também, sobre a real capacidade de os bens consumidos propiciarem bem-estar. Muito mais do que dizer às pessoas o que elas devem ou não consumir, o professor crê que é preciso se voltar para as estruturas que mobilizam as aspirações de consumo das pessoas, como a propaganda.
Ele frisa que a publicidade tem um papel preponderante em tudo isso. Embora os gastos com publicidade não sejam tão astronômicos, a sua influência nos comportamentos sociais é altíssima. “A verdade é que a publicidade é inteiramente irresponsável; seu compromisso é apenas com o aumento das vendas. A propaganda estimula o consumo generalizado de bens que notoriamente propiciam mal-estar para a sociedade”, protesta.
Dois exemplos emblemáticos são as propagandas de automóveis e de fast-food. Em seu último livro, Muito Além da Economia Verde, Abramovay lembra que automóvel e alimento são produtos cujo consumo precisa ser analisado sob dois pontos de vista, o do “mais” e o do “menos”, para atingir a justa medida.
“No caso dos automóveis, precisamos de mais mobilidade e de menos automóvel em circulação; no dos alimentos, a situação é escandalosa até nos Estados Unidos, onde 17% das crianças de 2 a 4 anos são obesas e 16% estão subalimentadas.”
Ainda sobre propaganda, existe uma proposta, liderada pelo Instituto Akatu, organização não governamental que atua na área do consumo consciente, para que haja um acordo global pelo qual 5% daquilo que hoje se gasta com publicidade seja voltado para o “consumo sustentável”. Não como propaganda de governo, que é pouco crível. A proposta é reunir o talento dos melhores publicitários e usá-lo institucionalmente em prol do consumo consciente.
MAIS PRODUÇÃO IMATERIAL
Sempre que se pensa em consumo vem à mente feijão, carros, computador, sapatos e outros bens materiais. Mas Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) nas áreas de economia e administração e consultor de várias agências das Nações Unidas, afirma que o grande consumo já está se deslocando para outros setores.
Segundo ele, nos Estados Unidos, por exemplo, a produção industrial emprega hoje menos de 10% da mão de obra. E o maior setor econômico do país atualmente é a saúde, com 17% do PIB e crescendo rapidamente. “Se olharmos um pouco mais para a frente, não será a produção de bens físicos que estará no centro dos processos produtivos, e sim o investimento nas pessoas: saúde, educação, lazer, esporte, cultura, informação, segurança”, diz.
Um pouco menos de automóveis e de viadutos e um pouco mais de políticas sociais seria uma forma inteligente de reorientar o consumo em países em desenvolvimento. Ainda que atrasado, o Brasil precisa retrilhar o caminho do desenvolvimento com foco agora nas questões sociais. “Enquanto o Japão começou seu projeto de modernização em 1868 e em 1900 já não tinha analfabetos, nós ficamos refletindo sobre o aumento do bolo e deixamos o social para o futuro”, reflete Dowbor.
A seu ver, essa é a grande questão de fundo quando se trata de consumo. O Brasil passa por um importante processo de desconcentração de renda que não é acompanhado pela superação de outras formas de desigualdade, como nas áreas da educação e saúde e no uso do espaço urbano. “Precisamos aumentar o consumo, sim, mas de outra forma, e para outras pessoas”, enfatiza o professor da PUC-SP.
Um passo nessa direção foi a sanção pela Presidência da República ao projeto que cria o Vale Cultura – ainda a ser regulamentado – no valor de R$ 50 mensais para trabalhadores com rendimentos de até cinco salários mínimos. Com esse adicional, os trabalhadores de mais baixa renda poderão consumir produtos culturais, como livros, DVDs, CDs e ingressos para museus e espetáculos artísticos.
Do ponto de vista da economia da cultura, na opinião da economista Ana Carla Fonseca Reis, especialista em economia criativa e diretora da empresa Garimpo de Soluções, Economia, Cultura e Desenvolvimento, o Vale Cultura é uma boa notícia, independentemente de pressupostos – como o percentual de empresas que venham a aderir ao programa –, pois será dinheiro extra injetado no campo cultural, pelo menos nos grandes centros urbanos.
Entretanto, o sucesso da medida dependerá de quais sejam os produtos e serviços culturais passíveis de compra. Incluiriam revistas sobre celebridades e DVDs sobre reality shows? “Tive uma discussão exatamente sobre esse risco no Ministério da Cultura há uns quatro anos e a resposta que obtive à época foi a de que não pretendiam restringir o uso por receio de incorrer em dirigismo.” Nesse caso, segundo Ana Carla, a depender da forma de regulamentação do Vale Cultura, este será mais ou menos eficaz no que diz respeito à adesão das empresas e ao cumprimento de uma política verdadeiramente cultural.
Modelos de compartilhamento de bens e recursos começam a desmaterializar ou, mais precisamente, a otimizar o uso de bens na economia, freando um pouco o nível de consumo em países desenvolvidos.
O uso partilhado de carros, por exemplo, já deixa de ser um modelo alternativo de negócios, como quando foi lançado pela zipcar.com, para integrar estratégias empresariais dominantes: a Hertz Rent a Car lançou a Hertz On Demand Car Sharing, adotando o mesmo modelo da americana zipcar.com, que já foi espalhado por vários países. O compartilhamento de carros é uma espécie de aluguel diário ou por hora, feito on-line, e que exige um código de ética, isto é, depois de usar o carro os clientes o devolvem limpo e abastecido, sem que haja qualquer controle explícito por parte da empresa, para que outro cliente possa usá-lo.
É um típico exemplo casado de economia verde com economia da informação em rede. Uma pesquisa acadêmica realizada pela Universidade na Califórnia, em Berkeley, revelou que a utilização partilhada de automóveis combinada com o uso crescente do transporte público retira das estradas de 4 a 13 carros para cada veículo compartilhado. Mais detalhes sobre a zipcar.com e a Hertz on Demand podem ser encontrados no estudo Green Game-Changers do WWF, além de outros casos de compartilhamento, como a prestação de serviço de iluminação para escritórios The Pay Per Lux, da Philips.
Embora sejam pontuais e apareçam com mais frequência apenas em países desenvolvidos, essas ações indicam uma tendência que talvez ganhe escala e alcance os países em desenvolvimento e, com sorte, a Ásia. Segundo Chandran Nair, a hiperpopulosa Ásia é que terá a grande responsabilidade de surpreender e fazer a diferença.
Em linha com alguns dos temas abordados, ele afirma que, diante da limitação de recursos naturais, os caminhos só poderão ser dois: o compartilhamento desses recursos e a revisão de seus respectivos preços. E, diante da necessidade futura de empregos em massa, Nair sugere que se comece por redefinir “produtividade”, dando-lhe um sentido bem ao avesso do que prega a economia clássica desde a Revolução Industrial. Produtividade deve passar a significar “o aproveitamento na produção do maior número de pessoas utilizando o mínimo possível de recursos naturais”. Nair pode não ter reparado, mas temperou essa sua definição com uma pitada de Cleóbulo de Lindos.