Hoje a gente se revolta diferente. Liga a webcam, acende um cigarro elétrico, substitui o status para busy e toca a rebeldia no Guitar Hero
Conhecemos o Brasil de outros carnavais. Quando o português chegou debaixo de uma bruta chuva, vestiu o índio. Fosse uma manhã ensolarada de fevereiro, Joãosinho Trinta entregaria ao gringo uma fantasia repleta de plumas e paetês. Sairiam versejando entre as árvores do litoral: os tamborins que em Lisboa gorjeiam, nem se comparam com os que ressoam cá.
Terra à vista, seios à mostra, bumbum de fora. Pero Vaz de Caminha, no Twitter, teria postado em no máximo 140 caravelas, “nunca antes no enredo deste País um presidente machucou o pé durante os dias de folia”.
Dilma fissurou o dedão ao descer as escadas da Base Naval de Aratu, na Bahia. Se a articulação à direita sofreu, pelo menos em nada comprometeu a esquerda. Fidelidade partidária é isso aí. Mas carnaval também se torna caso de saúde púbica. No circuito de trios elétricos de Salvador, um americano sem jeito nos quadris destravou a cintura na base da cachaça e foi hospitalizado, depois de enfiar o pé na jaca.
Uma radiografia do País mostrou que o bloco do Renan, finalmente, saiu. Na internet, uma petição reúne mais de 1,6 milhão de pessoas pedindo a renúncia do presidente do Senado. Competiu com o número de foliões do Cordão da Bola Preta. Se der resultado, está valendo.
Hoje a gente se revolta diferente. Manifestação virtual não precisa de megafone, carro de som. Liga a webcam, acende um cigarro elétrico, substitui o status para busy e toca a rebeldia no Guitar Hero. Os mais românticos são capazes até de encontrar sua alma gêmea no meio da multidão virtual. Procura no Google, com o ar-condicionado ligado. Pensa que isso é difícil de conseguir na China, ou no Irã.
É a Primavera Árabe no Brasil, em pleno verão. A fantasia pega na 25 de Março ou na Rua da Alfândega. Bateu aquela fome ao meio-dia? Pede esfiha do Habib’s no delivery. Os slogans de protesto vão ecoar no YouTube. E agora eu fiquei doce igual caramelo,/ tô tirando onda de Camaro amarelo. Já foi Brasília amarela.
Desde 1960, Brasília é multicolorida. As faces do Congresso Nacional, de modo geral, é que jamais ruborizam, por mais cores que lhes tenha emprestado um certo Fernando de Alagoas – nada a ver com as belezas naturais do de Noronha. Caras pintadas, pálidas, de pau continuam a desfilar. Abram alas, embaixo do bigode do Sarney corre um pagode em homenagem ao Maranhão. Além disso, mulher, tem outra coisa. Até uma deputada sambou em certa ocasião, diante de toda a rede de televisão.
Um grupo de políticos abriu conta na Suíça, sabia do dinheiro na cueca, desviou a verba pública, pagou pela aprovação de seus projetos. Acadêmicos do Mensalão, quesito corrupção, nota: dez. A comissão de frente foi recebida por todos os lados. Ah, se essa gente fosse sincera, Aurora.
Este ano, a ala das baianas veio fantasiada de sogra que pegou carona até a Europa, em jatinho fretado pelo governador com recursos do contribuinte. A rainha da bateria se destacou pela roupa de sanguessuga, brilhante e sofisticada, em alusão à venda de ambulâncias superfaturadas para prefeituras. Um passista da comunidade vestiu-se de Anaconda, vestimenta feita de material reciclado e venda de sentenças judiciais. Chamaram atenção, ainda, as alas das escutas telefônicas, do passaporte diplomático concedido de maneira ilegal e do jeitinho brasileiro.
O bloco dos Anões do Orçamento fez piruetas para divertir o povo em ruas próximas à Marquês de Sapucaí. Riu melhor quem riu por último, pois o recesso de carnaval no Congresso durou duas semanas. A monarquia caiu em 1889, embora os parlamentares brasileiros insistam em volta e meia entregar todo poder ao Rei Momo.
Alegorias do país que luta para ficar entre as cinco maiores economias do mundo e promove um avanço considerável de sua classe média, ao mesmo tempo que tem sérios problemas em quesitos como o da educação. Uma nação que se constrói com pessoas morrendo na fila dos hospitais devido ao atendimento precário.
Não é um apelo contra o carnaval, a festa faz parte da cultura brasileira. Na sextafeira que antecedeu sua edição de 2013, fecharam-se 82 ruas do Rio de Janeiro para evitar nós no trânsito, sendo 42 apenas no entorno do Sambódromo. As demais tiveram o tráfego oficialmente interrompido por onde houvesse blocos passando. Foram 492 autorizados pelo governo municipal a desfilar.
O grave não é estacionar o trabalho durante quatro dias ao ano. O problema é carnavalizar, no pior dos sentidos, os outros 361.
*Eduardo Shor é jornalista