No dia 7 de abril, comemorou-se o Dia Mundial da Saúde. O dia foi instituído em 1948 pela Organização das Nações Unidas para lembrar que a saúde é um direito humano, a que todos os cidadãos do planeta devem ter acesso.
A seguir, um texto de Nelson Gouveia para PÁGINA22. Ele é livre docente da Faculdade de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo e coordenador do Grupo Temático de Saúde e Ambiente Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Saúde e Desenvolvimento: as questões dos grandes empreendimentos
A Saúde, em seu sentido mais amplo, deveria ser o objetivo mais importante de toda e qualquer iniciativa que busque o desenvolvimento. Entretanto, observa-se que grande parte das políticas brasileiras recentes que visam acelerar o crescimento do país parecem se preocupar muito mais com aspectos de ordem econômica do que com os sociais. Governos recentes, por exemplo, tem feito investimentos expressivos em infraestrutura, como a construção de grandes portos e obras viárias, e na geração de energia, principalmente a hidrelétrica. A justificativa para isso tem sido a necessidade de atuar nos “gargalos” de nossa economia. Porém, os grandes empreendimentos decorrentes dessas políticas vêm gerando enormes impactos socioambientais e na saúde das populações, os quais não vêm sendo adequadamente considerados.
Observe-se o caso da construção de hidroelétricas como Xingó, e mais recentemente Belo Monte, dois empreendimentos bem conhecidos, dada a sua vasta divulgação na mídia. Nessas duas localidades as condições de saúde não poderiam deixar de ser impactadas pelo enorme afluxo de trabalhadores, pela maior circulação de veículos e equipamentos, pelo desmatamento, pela des-territorialização de populações, pela necessidade de seu re-assentamento e pela precariedade dos serviços básicos existentes para lidar com novas realidades. Assim, a introdução de novas doenças, inclusive as sexualmente transmissíveis; o aumento da prevalência de esquistossomose, malária, encefalites, febres hemorrágicas, gastroenterites, parasitoses intestinais; o sofrimento psíquico e estresse social – especialmente em idosos; além do comprometimento da segurança alimentar, são exemplos de impactos observados.
O rápido crescimento da população de trabalhadores implica também em enorme pressão sobre as políticas públicas locais, especialmente sobre o sistema de saúde, que geralmente não está preparado para suportar este aumento de demanda, tecnicamente, do ponto de vista da quantidade e qualidade dos recursos humanos, ou até do ponto de vista de seu financiamento exclusivamente público. Há que se destacar ainda a complexidade das novas necessidades de saúde dos diferentes grupos populacionais, tanto aqueles submetidos às novas situações de risco, quanto para os trabalhadores que apresentam condições e exposições particulares, sob as quais incidem normas de serviços de saúde e leis de proteção diversas. Ou seja, empreendimentos dessa natureza impactam por definitivo os ambientes físicos e as dinâmicas sociais do local onde são implantados, causando enormes danos socioambientais que raramente são mitigados, atingindo principalmente populações indígenas e outros grupos étnicos de alta vulnerabilidade.
Ao comemorar o Dia Mundial da Saúde, é importante lembrar a necessidade de colocar a saúde no centro das preocupações de todas as políticas. Deve-se buscar aprofundar o entendimento das implicações na saúde humana decorrentes da deterioração dos ecossistemas para, assim, qualificar e aumentar a transparência do processo de tomada de decisões que envolve o licenciamento ambiental desses grandes empreendimentos.
É importante que o setor saúde seja consultado não apenas para avaliar o gerenciamento das consequências sanitárias de um determinado impacto, mas também ser voz ativa frente as diferentes opções que buscam o crescimento econômico. Deve-se almejar também que a formulação e implementação de políticas de desenvolvimento sejam orientadas pelas ideias de prudência e responsabilidade, com suas ações pautadas no Princípio da Precaução, que tem o papel fundamental de mediar conflitos entre a Ciência (e suas incertezas) e o Direito (o direito a saúde e ao ambiente saudável). Incorporar o Princípio da Precaução, assim como o da responsabilidade socioambiental, é requisito fundamental a ser considerado, no sentido de promover, proteger, prevenir e minimizar danos à saúde e ao meio ambiente. Nessa direção, o conceito de Justiça Ambiental também deve ser um componente a ser introduzido nas avaliações de grandes empreendimentos, de modo a permitir acesso igualitário aos recursos naturais e aos benefícios do desenvolvimento, assim como a participação nos processos de tomada de decisão, inclusive incorporando a perspectiva dos atingidos no licenciamento ambiental e na avaliação de alternativas tecnológicas e locacionais.
Reconhece-se que o Brasil necessita de investimentos em infraestrutura e na produção de energia para continuar trilhando o caminho do desenvolvimento econômico e social, com geração de empregos e renda. Porém, é preciso haver uma reflexão sobre qual modelo de desenvolvimento nos é mais apropriado, um desenvolvimento predatório para com o meio-ambiente e que leva a deterioração da saúde da população ou um desenvolvimento que busca ser sustentável e promover a inclusão social?
Para tomarmos o rumo certo do desenvolvimento sustentável, é fundamental qualificar a participação do setor saúde nos fóruns de discussão e decisão onde as questões econômicas e sociais estão sendo tratadas. Assim, será possível caminhar em busca de um desenvolvimento cuja lógica deixe de ser simplesmente econômica e incorpore outras dimensões, que dizem respeito à própria sobrevivência da espécie humana na face da terra.