Para aprofundar o debate sobre o Investimento Social Privado (ISP), tema da edição número 73 de PÁGINA22 – sobretudo em relação aos questionamentos levantados na reportagem “Terceiro ato”, sobre a forma como as empresas operam o ISP no País –, procuramos o secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), Andre Degenszajn, que nos concedeu a seguinte entrevista.
Como o Gife qualifica o debate sobre um eventual conflito entre interesses público e privado, particularmente quanto à utilização, em alguns casos, de incentivos e isenções fiscais oferecidos pelo governo?
O tema das isenções, incentivos e imunidades é muito sensível. Há um senso comum de que existe uma apropriação indevida do recurso público por um interesse privado. É um preconceito que omite a própria lógica do incentivo e bloqueia o olhar sobre os projetos que estão sendo feitos e seus resultados.
As isenções partem de um reconhecimento de que existe um potencial no ente privado de fazer avançar certas áreas que o governo decidiu priorizar. A preocupação deveria ser muito mais em avaliar o impacto que esses incentivos têm conseguido do que questionar uma legitimidade logo de saída. Os incentivos fiscais têm potencial para fomentar ainda mais recursos para agendas de interesse social. A posição do Gife é de que é legítimo utilizar incentivos nessas ações.
E quanto ao alinhamento das ações sociais ao tema do negócio da empresa?
O Gife tem institutos independentes e familiares que não estão envolvidos nessa dicotomia. Assumindo que esse recorte é empresarial, durante certo tempo existiu uma visão de que os investimentos sociais deveriam ser absolutamente dissociados da empresa. Mas o alinhamento mostrou um potencial de impacto muito maior no resultado das ações sociais.
Se a empresa é beneficiada, por que não fazer a ação social diretamente? Criar uma personalidade jurídica diferenciada, com outros tipos de encargos tributários, não pode gerar um problema de governança?
Temos muitas empresas que investem diretamente. Mas nos institutos esses ganhos não são evidentes, a não ser em áreas com incentivos específicos, como na cultura [Lei Rouanet]. Se pegarmos todo o volume de recursos investidos pela rede Gife, só 15% são feitos em regime de incentivo fiscal. A maior parte dos investimentos é para a área de educação, que não conta com incentivos. Ou seja, não existe uma situação que se paute pela busca de incentivos, ou, se existir, é periférica. Se fosse assim, todos investiriam em cultura, com incentivos que podem chegar a 70%. A lógica do ISP não está colada na existência dos incentivos.
O ISP também beneficia a reputação e a imagem da empresa.
Toda empresa, ao associar a sua marca a ações sociais, tem um ganho de imagem e reputação. Mas há quem defenda a não criação de institutos para evitar uma percepção pública de que tudo que é bom está no instituto e tudo que é ruim está na empresa. Nesse caso, seria melhor que o ISP fosse feito diretamente pela empresa, para que os impactos do negócio não se dissociassem da ação social. Acreditamos que muitas companhias recuem da decisão de montar um instituto para gerar essa maior sinergia entre o investimento social e os seus interesses.
Existe uma preferência das empresas por temas de consenso, como educação, esportes. O Gife pode influenciar nessa escolha de modelo de ação social, de modo que algumas áreas, como direitos humanos e reforma agrária etc., não fiquem descobertas de atenção?
Em 2010, o Gife publicou uma visão de seus 10 anos postulando que deveríamos caminhar para um setor mais relevante e legítimo e, dentro desse eixo, era preciso um setor não tão concentrado no investimento empresarial, mas também com investidores independentes, familiares e comunitários.
Essa diversidade está associada a uma capacidade de maior abrangência de temas. O investimento empresarial não vai se vincular a certos temas pela natureza do investimento. É pouco provável que uma organização trabalhe com temas controversos, como a legalização do aborto, embora absolutamente legítimos. É uma rota de potencial conflito, mas pode haver exceção. O último Censo Gife mostrou que a área que mais cresceu foi a de defesa de direitos. De alguma forma essas agendas estão entrando mais no campo de investimento social. Mas não é papel do Gife orientar modelos de investimentos. Cuidamos para que o ISP seja coerente, sustentável a longo prazo e estrategicamente planejado.
Mais sobre o assunto na publicação
O Papel dos Institutos e Fundações na Atuação Socialmente Responsável da Empresa
[:en]Para aprofundar o debate sobre o Investimento Social Privado (ISP), tema da edição número 73 de PÁGINA22 – sobretudo em relação aos questionamentos levantados na reportagem “Terceiro ato”, sobre a forma como as empresas operam o ISP no País –, procuramos o secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), Andre Degenszajn, que nos concedeu a seguinte entrevista.
Como o Gife qualifica o debate sobre um eventual conflito entre interesses público e privado, particularmente quanto à utilização, em alguns casos, de incentivos e isenções fiscais oferecidos pelo governo?
O tema das isenções, incentivos e imunidades é muito sensível. Há um senso comum de que existe uma apropriação indevida do recurso público por um interesse privado. É um preconceito que omite a própria lógica do incentivo e bloqueia o olhar sobre os projetos que estão sendo feitos e seus resultados.
As isenções partem de um reconhecimento de que existe um potencial no ente privado de fazer avançar certas áreas que o governo decidiu priorizar. A preocupação deveria ser muito mais em avaliar o impacto que esses incentivos têm conseguido do que questionar uma legitimidade logo de saída. Os incentivos fiscais têm potencial para fomentar ainda mais recursos para agendas de interesse social. A posição do Gife é de que é legítimo utilizar incentivos nessas ações.
E quanto ao alinhamento das ações sociais ao tema do negócio da empresa?
O Gife tem institutos independentes e familiares que não estão envolvidos nessa dicotomia. Assumindo que esse recorte é empresarial, durante certo tempo existiu uma visão de que os investimentos sociais deveriam ser absolutamente dissociados da empresa. Mas o alinhamento mostrou um potencial de impacto muito maior no resultado das ações sociais.
Se a empresa é beneficiada, por que não fazer a ação social diretamente? Criar uma personalidade jurídica diferenciada, com outros tipos de encargos tributários, não pode gerar um problema de governança?
Temos muitas empresas que investem diretamente. Mas nos institutos esses ganhos não são evidentes, a não ser em áreas com incentivos específicos, como na cultura [Lei Rouanet]. Se pegarmos todo o volume de recursos investidos pela rede Gife, só 15% são feitos em regime de incentivo fiscal. A maior parte dos investimentos é para a área de educação, que não conta com incentivos. Ou seja, não existe uma situação que se paute pela busca de incentivos, ou, se existir, é periférica. Se fosse assim, todos investiriam em cultura, com incentivos que podem chegar a 70%. A lógica do ISP não está colada na existência dos incentivos.
O ISP também beneficia a reputação e a imagem da empresa.
Toda empresa, ao associar a sua marca a ações sociais, tem um ganho de imagem e reputação. Mas há quem defenda a não criação de institutos para evitar uma percepção pública de que tudo que é bom está no instituto e tudo que é ruim está na empresa. Nesse caso, seria melhor que o ISP fosse feito diretamente pela empresa, para que os impactos do negócio não se dissociassem da ação social. Acreditamos que muitas companhias recuem da decisão de montar um instituto para gerar essa maior sinergia entre o investimento social e os seus interesses.
Existe uma preferência das empresas por temas de consenso, como educação, esportes. O Gife pode influenciar nessa escolha de modelo de ação social, de modo que algumas áreas, como direitos humanos e reforma agrária etc., não fiquem descobertas de atenção?
Em 2010, o Gife publicou uma visão de seus 10 anos postulando que deveríamos caminhar para um setor mais relevante e legítimo e, dentro desse eixo, era preciso um setor não tão concentrado no investimento empresarial, mas também com investidores independentes, familiares e comunitários.
Essa diversidade está associada a uma capacidade de maior abrangência de temas. O investimento empresarial não vai se vincular a certos temas pela natureza do investimento. É pouco provável que uma organização trabalhe com temas controversos, como a legalização do aborto, embora absolutamente legítimos. É uma rota de potencial conflito, mas pode haver exceção. O último Censo Gife mostrou que a área que mais cresceu foi a de defesa de direitos. De alguma forma essas agendas estão entrando mais no campo de investimento social. Mas não é papel do Gife orientar modelos de investimentos. Cuidamos para que o ISP seja coerente, sustentável a longo prazo e estrategicamente planejado.
Mais sobre o assunto na publicação
O Papel dos Institutos e Fundações na Atuação Socialmente Responsável da Empresa