Seguradoras e resseguradoras mapeiam áreas mais vulneráveis a eventos climáticos, buscam aumentar base de clientes e intensificam cobrança sobre governos
Há menos de dois anos, durante um encontro sobre seguros para jornalistas brasileiros, o presidente da Allianz Risk Transfer da Holanda (divisão dedicada a oferecer seguros e resseguros sob medida para clientes corporativos), John Arpel, mencionou duas frases que dizem muito sobre a forma como seguradoras e resseguradoras pretendem lidar com as cada vez mais frequentes catástrofes naturais. “Quanto maior o risco, maior a recompensa” foi a primeira delas. “As perdas de poucos são cobertas pelos prêmios de muitos”, a segunda. O tsunami no Japão, os tornados nos Estados Unidos e as enchentes no Brasil deixam claro: riscos não faltam. Quanto ao segundo ponto, conquistar mais clientes para cobrir as despesas de quem aciona o seguro, há muito espaço para avançar.
Os terremotos na Itália em maio de 2012, ainda que não relacionados à mudança climática, são uma mostra de como a penetração dos seguros, mesmo em países onde desastres naturais são inerentes à sua condição, ainda é baixa.
O incidente, causado pela proximidade da Itália às placas tectônicas que unem África e Eurásia, gerou um prejuízo de US$ 16 bilhões, dos quais só 10% foram amortizados pelas seguradoras. Em comparação, dos US$ 70 bilhões em perdas geradas pela tempestade tropical Sandy, que atingiu Nova York, o total de US$ 35 bilhões foi pago por prêmios de seguros privados (de US$ 20 bilhões a US$ 25 bilhões) e públicos (quantia restante).
O Brasil, assim como a Itália, é visto pelo setor como alvo. Para esses mercados, a estratégia é oferecer aos governos e à iniciativa privada linhas que, acionadas, transfiram o ônus financeiro das catástrofes às seguradoras. O mundo em seguro e resseguro divulgou em 2011 um estudo específico sobre as enchentes brasileiras. Nele, alertou para o salto de 75% no número de incidentes desse tipo na última década, chegando a quase 35 entre 2000 e 2009, e para os custos econômicos para Estado e empresas decorrentes das enchentes, como a de Santa Catarina, que acarretou perdas estimadas em US$ 400 milhões.
A Swiss Re não é a única a jogar apontando os riscos e “estendendo a mão”. A Munich Re, maior companhia de resseguros [1] do mundo, publicou em 2011 o documento Mapa-Múndi dos Desastres Naturais. Nele, indica as zonas de ocorrência de ciclones e terremotos, assim como as áreas com prováveis aumentos de secas, enchentes e elevação do nível do mar. O HSBC, cujo portfólio também inclui seguros para pessoas e empresas, lançou em 2009 um abrangente levantamento no qual avalia a vulnerabilidade climática dos países do G20 até 2020 – com um capítulo especial sobre o Brasil.
[1] adquirido pela seguradora e acionado quando esta é amplamente demandada pelos clientes
“Algumas resseguradoras desenvolveram ferramentas para mapear as áreas do planeta com maior incidência de catástrofes naturais. Além disso, uma espécie de atlas das inundações está sendo desenvolvido pela National Water Agency [agência americana de água]. Tudo isso certamente vai apoiar o setor a rever o acúmulo de riscos”, diz o presidente da Allianz Seguros no Brasil, Edward Lange.
Se, de um lado, as seguradoras fazem campanha para os “desavisados”, de outro, endurecem o tom com autoridades de países onde seguros são amplamente vendidos – e acionados. Em janeiro, uma reportagem do The Wall Street Journal mostrou a Munich Re criticando o governo americano pela “insuficiente” infraestrutura na zona costeira do país voltada para a proteção das cidades contra desastres naturais – em uma clara alusão à tempestade tropical Sandy.
Mesmo no Brasil, as seguradoras já estão “chiando” pelo aumento crescente dos prêmios pagos em função de problemas climáticos. Durante a última temporada de chuvas (entre novembro de 2012 e fevereiro deste ano) no estado de São Paulo, a Mapfre viu o volume de automóveis classificados como “perda total” aumentar em 15% em relação ao período anterior, chegando a 700 carros.
Difícil é entrever o limiar entre ganhar mais clientes e ter perdas “administráveis”. Lange, da Allianz, explica que apólices relacionadas a catástrofes são precificadas com base em um modelo de catástrofe: um software que simula eventos naturais para milhares de anos à frente. Assim, as seguradoras conseguem determinar a máxima perda possível entre 2 e 10 mil anos. Isso elimina a possibilidade de um balanço no vermelho? Não. Mas, nas palavras de Lange, “fica mais difícil errar”. Baseado nesse modelo, Arpel, da Allianz Risk Transfer da Holanda, diz que a maioria das seguradoras tem capital para perdas de até 100 anos.
Por enquanto, o setor parece estar longe de níveis perigosos de solvência. O furacão Katrina, que em 2005 arrasou a cidade americana de New Orleans, rendeu às seguradoras a pior perda por catástrofe da última década: US$ 41 bilhões. No ano anterior, porém, o setor tinha um patrimônio líquido de US$ 400 bilhões em excedente de segurados (capital dos acionistas).
Ou seja: apesar de o Katrina ter consumido uma quantia monumental das seguradoras, o prejuízo equivaleu a apenas 10% do total. “As taxas de prêmio [cobradas dos clientes] foram ajustadas após o evento para recompor o excedente”, diz Arpel. “Em geral, não há risco ruim. Se o cliente estiver disposto a pagar o devido preço, sem dúvida haverá capacidade [leia-se recursos] à disposição.”