Núcleo da USP propõe formas de tornar a mineração responsável com foco em pequenos garimpos
A pequena mineração, apesar do nome, tem um papel significativo no total de recursos minerais extraídos no Brasil. Dependendo do tipo de minério, chega a representar 80% da produção. Portanto, é uma realidade que não pode ser ignorada, defende o professor Giorgio Francesco Cesare De Tomi, do Laboratório de Planejamento e Gestão de Sistemas Georreferenciados (Lapol), do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
De Tomi é idealizador do Núcleo de Apoio à Pesquisa para a Pequena Mineração Responsável, que desde 2012 volta as atenções para os problemas e desafios do pequeno minerador. E é na Região Amazônica que se concentra o principal foco, com maior ocorrência do garimpo de ouro de aluvião, aquele retirado dos leitos dos rios com uma bateia (recipiente de fundo cônico feito de madeira ou metal). No Brasil, esse é o tipo de trabalho que corresponde à principal fonte de cerca de 450 mil garimpeiros.
O pequeno garimpo não ocupa necessariamente áreas pequenas. “Alguns ocupam áreas enormes. O que caracteriza pequenos mineradores é falta de recursos, de gestão e de governança. Eles operam na informalidade”, explica o professor da USP. “O governo tenta executar algumas medidas de apoio, mas é muito difícil. Para fiscalizar uma ou duas minas da Vale é tranquilo. Mas como você vistoria milhares de pequenas operações?”.
Há uma diferença relevante entre os que operam de forma informal e os que são ilegais. Alguns garimpos, apesar de formais, operam ilegalmente. Esses não são público-alvo do Núcleo. Ser informal é não ter a parte técnica bem desenvolvida. “O trabalho não é visto como negócio, é uma aventura, não tem processos. Imagina como é trabalhar assim?”, ressalta De Tomi. A ideia é desenvolver o trabalho de pequenos garimpeiros que não sabem como se legalizar.
A informalidade isenta os trabalhadores da necessidade de reportar e interagir com órgãos fiscalizadores. Estão à parte tanto econômica, quanto socialmente. “Precisamos entender que eles fazem parte da sociedade e têm que contribuir como todo mundo. Muitas vezes, o pequeno minerador é considerado incompetente e gente que estraga o meio ambiente. Mas o que a sociedade está fazendo para ajudá-lo? É um dilema que eles sofrem todos os dias. Por isso temos que ajudar a organizar o setor”.
O trabalho do Núcleo ajuda a implantar elementos de gestão como pesquisa geológica para saber qual a melhor parte da jazida para lavrar e usa princípios de planejamento para que a redução de impactos no meio ambiente faça parte do negócio. Por ser vista como um campo de muitas oportunidades, não é difícil encontrar gente disposta a investir. “Temos parceiros, empresários que querem ingressar na mineração e topam o desafio”.
TECNOLOGIAS LIMPAS
Um dos maiores problemas a enfrentar é o uso do mercúrio, ainda muito difundido entre pequenos mineradores. “O mercúrio ‘chupa’ só o ouro, então você fica com aquele amálgama de mercúrio e ouro, queima o mercúrio e fica só com ouro. O mercúrio evapora, mas como é pesado logo volta para o chão, até que algum microorganismo começa a agir com ele e forma um composto orgânico de mercúrio, o metil-mercúrio, que é perigoso e mata”, explica Giorgio Francesco Cesare De Tomi.
Ao entrar em contato com rios e mares, o metil-mercúrio polui as águas e é captado por peixes. No sul do Equador, existem garimpos centenários que operam na informalidade e jogam seus rejeitos de mercúrio em águas que vão desembocar no norte do Peru, em uma região de pesca e turismo. De um problema de mineração, virou um conflito político binacional. Atualmente, um dos projetos do Núcleo de Apoio à Pesquisa para a Pequena Mineração Responsável, o “R-Nivel”, é desenvolvido nesta região.
Vale lembrar também do conhecido Mal de Minamata, caso de contaminação de milhares de pessoas por mercúrio nesta região litorânea do Japão. Na década de 30, uma indústria química despejava no mar resíduos sem tratamento, entre eles mercúrio. Vinte anos depois, os efeitos começaram a ser sentidos na população local, com problemas recorrentes de coordenação motora, distúrbios sensoriais e má formação de bebês.
Uma das alternativas apresentadas por De Tomi é a substituição do mercúrio por cianeto, que tem um comportamento parecido e consegue se combinar com o ouro. “Ele é poluente se for jogado puro no meio ambiente. Mas se for neutralizado – o que é fácil de se fazer – não tem problema. Como tudo, tem que ser usado com responsabilidade”.
PROJETOS ATIVOS
Além do projeto no Equador, o Núcleo de Mineração Responsável também está trabalhando em Rondônia, com a Coogarima (Cooperativa dos Garimpeiros do Rio Madeira). O trabalho dos garimpeiros foi alterado após o aumento do nível das águas com a construção das hidroelétricas de Santo Antônio e Jirau. “Estamos fazendo planejamento de lavras e gestão da operação para mitigação desses impactos”.
No Pará, os pesquisadores trabalham em conjunto com a Coorperativa dos Garimpeiros dos Minérios de Serra Pelada (Coomispe). Outro trabalho é o projeto do Centro de Treinamento de Garimpeiros (CTmina), desenhado em parceria com a Universidade da Colúmbia Britânica (UBC), do Canadá, e a Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração (Seicom/PA). O Centro prevê salas de aula, instalações de apoio e informação e laboratório que permite a avaliação rápida da capacidade de extração de uma área, com estudo de amostras – hoje, este é um processo caro e demorado.
Também inclui uma usina piloto de tecnologia limpa e recuperação de minério. Segundo De Tomi, uma usina grande com estrutura recupera até 90% do ouro. O pequeno garimpeiro recupera até 20%, em geral 10%. “Por isso é importante levar a tecnologia, oferecer cursos. É a melhor forma de convencer o garimpeiro, afinal, ele vai ganhar 4 vezes mais”.
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