Na era da internet, abrir mão dos direitos autorais em prol da circulação de informação é a alternativa para veículos de comunicação ganharem força
“Roube nossas histórias”, lê-se no alto do site da Agência Pública de Reportagem e Jornalismo Investigativo, também chamada simplesmente de “Pública”. Criada por jornalistas brasileiros independentes, como qualquer outra agência, tem como negócio a produção de matérias jornalísticas. Seu diferencial, no entanto, é não cobrar dos veículos que reproduzem seu conteúdo.
Tudo o que a Pública cria possui o selo do Creative Commons, uma licença autoral aberta (também chamada copyleft) que, no oposto do que prevê o copyright (ou “todos os direitos reservados”), permite a utilização de uma obra gratuitamente [1]. É a mesma licença que a PÁGINA22 tem, nas versões impressa e digital.
O conceito do copyleft nasceu na década de 1970 para o uso de softwares livres quando a indústria da informática ainda engatinhava. Com a chegada e o crescimento da internet e das tecnologias digitais, nunca foi tão fácil acessar e compartilhar informações disponíveis nas redes. Isso abriu espaço para que o copyleft fosse uma opção de desburocratizar o acesso ao que circula nesse meio, de músicas a livros, reportagens e vídeos.
“A regra é que a informação quer ser livre”, afirma Natalia Viana, uma das jornalistas fundadoras da Pública. Livre também é a natureza do jornalismo, diz. Por isso, muitos veículos estão aderindo à licença aberta. “O jornalismo tem a vocação natural para se espalhar e as pessoas têm interesse em ler. Em tempos de internet, pensar que é possível controlar para onde vai a informação é um pensamento equivocado.”
A maioria dos veículos que aderem ao copyleft não está dentro das grandes corporações. São menores, independentes ou sem fins lucrativos. Além da Pública, outros exemplos brasileiros são a ONG Repórter Brasil, a Agência Carta Maior, o Le Monde Diplomatique e a revista Fórum. Fora do País, aos poucos o selo do copyleft chega também a grandes nomes como a revista Wired, que na edição italiana liberou todo o seu conteúdo para reprodução, e a emissora de tevê Al Jazeera [2], do Catar.
[1]Há vários tipos de licença dentro do Creative Commons. Algumas permitem a reprodução, mas sem nenhuma alteração, outras liberam a livre adaptação. A maioria exige citação de fonte com o link do original digital e que a reprodução seja feita sem fins lucrativos.
[2] Em 2009, quando o exército de Israel restringia a divulgação de informações jornalísticas para fora da Faixa de Gaza, o canal abriu mão da licença de suas produções para que outros canais pudessem usá-las e divulgá-las mundo afora.
Não restringir o reúso de suas produções faz parte de uma postura de defesa à liberdade de expressão e democratização dos meios de informação. É comum que esses veículos tenham parceiros para troca, complementação e tradução de reportagens. “Cabe a nós da imprensa alternativa fomentar, colaborar, investir e fazer produção comum para que outros veículos surjam”, posiciona-se Joaquim Ernesto Palhares, diretor-presidente da Carta Maior, que tem 16 veículos parceiros de vários países.
A Pública tem mais de 60 mídias republicadoras e 33 parceiras de conteúdo. Para Natalia Viana, esses grupos são possíveis porque a lógica do jornalismo de veículos independentes deve ser colaborativa.
“O jornalismo comercial é o da competição. É preciso limitar o acesso para vender. Isso não faz sentido para a Pública e outros meios sem ns lucrativos. Por exemplo, se há repórteres investigando o trabalho da Polícia Militar nas manifestações em São Paulo [ocorridas em junho], há informações que se completam e precisam ser encontradas por todos eles. Não são dados concorrentes, são complementares para o trabalho”, diz.
E como manter um veículo que produz e abastece outros? Quem está sob copyleft nem sempre se atrela à publicidade tradicional, na qual é importante saber a quantidade e o perl dos leitores. Os investimentos vêm de fundações (caso da Pública, que recebe da Fundação Ford e da Open Society Foundations), de organizações da sociedade civil e até de assinaturas de leitores para cobrir parte dos custos (como o Le Monde Diplomatique).
NEM TUDO É PERFEITO
O site da Carta Maior tem em média 1 milhão de visitantes por mês. Seu Facebook, quase 5 mil seguidores e o Twitter, 52 mil. Para manter essa rede ativa, usa-se verba de publicidade pública. É por isso que tem seus textos com licença aberta, ainda que Palhares não se mostre um grande entusiasta da proposta. “A adoção de copyleft é como a vida: nem tudo é perfeito. Um dos problemas é justamente facilitar demais a cópia. As pessoas criam um site qualquer e saem a copiar todo mundo. Às vezes dão crédito, às vezes não”, diz. Ainda assim, mantém-se com copyleft, porque não pode cobrar da sociedade por um conteúdo feito com o dinheiro dela própria.
“Se nosso site não fosse feito com dinheiro público, eu pediria algum valor a quem nos replica. Temos produção própria, pagamos os trabalhadores e colaboradores que escrevem textos exclusivos. Os sites usam isso tudo, ficam com o bônus e com as visitações para buscar publicidade. Eu é que arco com as despesas”, desabafa. Outro olhar cético ao copyleft é dado por Denis Russo Burgierman, diretor de redação da revista Superinteressante, da Editora Abril. Ele aprova seu uso em muitos casos, mas considera exagero pensar que o jornalista deveria abrir mão do conteúdo que cria. “A propriedade intelectual faz sentido em algumas situações. Sempre vai existir, porque uma das formas de bancarmos nossa vida é vendendo produto editorial. Eu escrevo livros protegidos por direitos autorais e, para vendê-los, preciso ser dono”, afirma.
De dentro de uma das maiores empresas de comunicação do País, ele diz que lá dificilmente haverá adesão ao Creative Commons. “Na Editora Abril, o modelo de negócio é investir em qualidade de conteúdo e vender os pacotes desses conteúdos nas bancas. Não faz sentido abrir mão do que produzimos.” Para não ficar atrás em uma sociedade conectada, a Superinteressante libera os textos no site três meses após a publicação em papel. “Isso permite que se termine um ciclo comercial”, diz Russo.[:en]
Na era da internet, abrir mão dos direitos autorais em prol da circulação de informação é a alternativa para veículos de comunicação ganharem força
“Roube nossas histórias”, lê-se no alto do site da Agência Pública de Reportagem e Jornalismo Investigativo, também chamada simplesmente de “Pública”. Criada por jornalistas brasileiros independentes, como qualquer outra agência, tem como negócio a produção de matérias jornalísticas. Seu diferencial, no entanto, é não cobrar dos veículos que reproduzem seu conteúdo.
Tudo o que a Pública cria possui o selo do Creative Commons, uma licença autoral aberta (também chamada copyleft) que, no oposto do que prevê o copyright (ou “todos os direitos reservados”), permite a utilização de uma obra gratuitamente [1]. É a mesma licença que a PÁGINA22 tem, nas versões impressa e digital.
O conceito do copyleft nasceu na década de 1970 para o uso de softwares livres quando a indústria da informática ainda engatinhava. Com a chegada e o crescimento da internet e das tecnologias digitais, nunca foi tão fácil acessar e compartilhar informações disponíveis nas redes. Isso abriu espaço para que o copyleft fosse uma opção de desburocratizar o acesso ao que circula nesse meio, de músicas a livros, reportagens e vídeos.
“A regra é que a informação quer ser livre”, afirma Natalia Viana, uma das jornalistas fundadoras da Pública. Livre também é a natureza do jornalismo, diz. Por isso, muitos veículos estão aderindo à licença aberta. “O jornalismo tem a vocação natural para se espalhar e as pessoas têm interesse em ler. Em tempos de internet, pensar que é possível controlar para onde vai a informação é um pensamento equivocado.”
A maioria dos veículos que aderem ao copyleft não está dentro das grandes corporações. São menores, independentes ou sem fins lucrativos. Além da Pública, outros exemplos brasileiros são a ONG Repórter Brasil, a Agência Carta Maior, o Le Monde Diplomatique e a revista Fórum. Fora do País, aos poucos o selo do copyleft chega também a grandes nomes como a revista Wired, que na edição italiana liberou todo o seu conteúdo para reprodução, e a emissora de tevê Al Jazeera [2], do Catar.
[1]Há vários tipos de licença dentro do Creative Commons. Algumas permitem a reprodução, mas sem nenhuma alteração, outras liberam a livre adaptação. A maioria exige citação de fonte com o link do original digital e que a reprodução seja feita sem fins lucrativos.
[2] Em 2009, quando o exército de Israel restringia a divulgação de informações jornalísticas para fora da Faixa de Gaza, o canal abriu mão da licença de suas produções para que outros canais pudessem usá-las e divulgá-las mundo afora.
Não restringir o reúso de suas produções faz parte de uma postura de defesa à liberdade de expressão e democratização dos meios de informação. É comum que esses veículos tenham parceiros para troca, complementação e tradução de reportagens. “Cabe a nós da imprensa alternativa fomentar, colaborar, investir e fazer produção comum para que outros veículos surjam”, posiciona-se Joaquim Ernesto Palhares, diretor-presidente da Carta Maior, que tem 16 veículos parceiros de vários países.
A Pública tem mais de 60 mídias republicadoras e 33 parceiras de conteúdo. Para Natalia Viana, esses grupos são possíveis porque a lógica do jornalismo de veículos independentes deve ser colaborativa.
“O jornalismo comercial é o da competição. É preciso limitar o acesso para vender. Isso não faz sentido para a Pública e outros meios sem ns lucrativos. Por exemplo, se há repórteres investigando o trabalho da Polícia Militar nas manifestações em São Paulo [ocorridas em junho], há informações que se completam e precisam ser encontradas por todos eles. Não são dados concorrentes, são complementares para o trabalho”, diz.
E como manter um veículo que produz e abastece outros? Quem está sob copyleft nem sempre se atrela à publicidade tradicional, na qual é importante saber a quantidade e o perl dos leitores. Os investimentos vêm de fundações (caso da Pública, que recebe da Fundação Ford e da Open Society Foundations), de organizações da sociedade civil e até de assinaturas de leitores para cobrir parte dos custos (como o Le Monde Diplomatique).
NEM TUDO É PERFEITO
O site da Carta Maior tem em média 1 milhão de visitantes por mês. Seu Facebook, quase 5 mil seguidores e o Twitter, 52 mil. Para manter essa rede ativa, usa-se verba de publicidade pública. É por isso que tem seus textos com licença aberta, ainda que Palhares não se mostre um grande entusiasta da proposta. “A adoção de copyleft é como a vida: nem tudo é perfeito. Um dos problemas é justamente facilitar demais a cópia. As pessoas criam um site qualquer e saem a copiar todo mundo. Às vezes dão crédito, às vezes não”, diz. Ainda assim, mantém-se com copyleft, porque não pode cobrar da sociedade por um conteúdo feito com o dinheiro dela própria.
“Se nosso site não fosse feito com dinheiro público, eu pediria algum valor a quem nos replica. Temos produção própria, pagamos os trabalhadores e colaboradores que escrevem textos exclusivos. Os sites usam isso tudo, ficam com o bônus e com as visitações para buscar publicidade. Eu é que arco com as despesas”, desabafa. Outro olhar cético ao copyleft é dado por Denis Russo Burgierman, diretor de redação da revista Superinteressante, da Editora Abril. Ele aprova seu uso em muitos casos, mas considera exagero pensar que o jornalista deveria abrir mão do conteúdo que cria. “A propriedade intelectual faz sentido em algumas situações. Sempre vai existir, porque uma das formas de bancarmos nossa vida é vendendo produto editorial. Eu escrevo livros protegidos por direitos autorais e, para vendê-los, preciso ser dono”, afirma.
De dentro de uma das maiores empresas de comunicação do País, ele diz que lá dificilmente haverá adesão ao Creative Commons. “Na Editora Abril, o modelo de negócio é investir em qualidade de conteúdo e vender os pacotes desses conteúdos nas bancas. Não faz sentido abrir mão do que produzimos.” Para não ficar atrás em uma sociedade conectada, a Superinteressante libera os textos no site três meses após a publicação em papel. “Isso permite que se termine um ciclo comercial”, diz Russo.