Olha isso!
Quando o imundo gato alaranjado apareceu no pátio daquela prisão em Michigan, nos EUA, Troy Chapman agachou-se para acariciá-lo. Era o primeiro animal de estimação que ele pôde acariciar nos mais de 20 anos de cumprimento de sua sentença por homicídio, de um total de 60 a 90 anos. Naquele dia, Troy passou pelo menos 20 minutos com o bichano e, nos dias seguintes, viu muitos outros prisioneiros fazendo o mesmo, formando fila durante os horários de banho de sol.
Ser bondoso e carinhoso, em uma prisão, é sinal de fraqueza, de vulnerabilidade. É baixar a guarda em uma instituição onde, muito mais do que na de escoteiros, é preciso estar sempre alerta, mostrar o quanto se é “durão”. Não é de se espantar, portanto, que muitos saiam dessas instituições ainda piores do que entraram. Mas, para Troy, aquele gato mostrou o quanto de humanidade ainda havia em muitos deles, o quanto estavam dispostos a cuidar de alguém, o quanto precisavam de alguém que precisasse deles (veja seu relato aqui).
Após apontar os mecanismos psicológicos que nos levam a mentir e a trapacear (“Pequenos delitos”, ed. 68), a cometer delitos (“Ações exemplares”, ed. 73) e até mesmo a torturar (“Eichmann na Paulista”, ed. 76), achei por bem apontar também caminhos para aflorar nos seres humanos sua própria humanidade.
O caso daquela prisão de Michigan não é único, tendo virado política pública em alguns presídios. Em Ohio, também nos EUA, um programa cede a prisioneiros (selecionados com base em seu comportamento na prisão e ausência de histórico de maus-tratos) filhotes de cachorro, que ficam com eles 24 horas por dia, inclusive dormindo em sua cela, até completarem 1 ano de idade, quando vão para uma família adotiva. Eles têm a responsabilidade de cuidar dos filhotes e de treiná-los. A má conduta do prisioneiro retira-lhe a guarda do animal.
Os resultados são animadores: 97% dos prisioneiros do programa demonstram ao final maior capacidade de empatia e menos casos de depressão, 87% melhoram suas habilidades comunicativas, e há uma melhora generalizada na conduta dos participantes dentro do presídio. E 95% deles, ao final, conseguem uma certificação de cuidador de animais. Se voltam a delinquir depois que saem da prisão, ainda é uma questão em aberto, embora isso também dependa de muitos outros fatores — por exemplo, a relutância dos setores formais em contratar pessoas com antecedentes criminais.
Pode a compaixão ser “ensinada” a adultos? Alguns pesquisadores acreditam que sim. Em artigo recente da Psychological Science, descrevem um experimento no qual voluntários foram submetidos à prática budista de meditação compassiva, medindo a diferença entre antes e depois da intervenção, por meio de ressonância magnética funcional (fMRI). O grupo de tratamento demonstrou maior empatia com o sofrimento de estranhos e maior altruísmo que o grupo de controle, e as maiores diferenças estavam associadas a mudanças nas atividades de algumas regiões do cérebro, em especial aquelas envolvidas com a empatia, com a cognição social e com a regulação das emoções.
Seja para criarmos políticas de ressocialização de fato, seja para resolvermos os grandes desafios mundiais, essencialmente dilemas coletivos, precisamos colocar em prática o que sabemos ser capaz de influenciar positivamente o comportamento pró-social.
*FABIO F. STORINO É DOUTOR EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO[:en]Olha isso!
Quando o imundo gato alaranjado apareceu no pátio daquela prisão em Michigan, nos EUA, Troy Chapman agachou-se para acariciá-lo. Era o primeiro animal de estimação que ele pôde acariciar nos mais de 20 anos de cumprimento de sua sentença por homicídio, de um total de 60 a 90 anos. Naquele dia, Troy passou pelo menos 20 minutos com o bichano e, nos dias seguintes, viu muitos outros prisioneiros fazendo o mesmo, formando fila durante os horários de banho de sol.
Ser bondoso e carinhoso, em uma prisão, é sinal de fraqueza, de vulnerabilidade. É baixar a guarda em uma instituição onde, muito mais do que na de escoteiros, é preciso estar sempre alerta, mostrar o quanto se é “durão”. Não é de se espantar, portanto, que muitos saiam dessas instituições ainda piores do que entraram. Mas, para Troy, aquele gato mostrou o quanto de humanidade ainda havia em muitos deles, o quanto estavam dispostos a cuidar de alguém, o quanto precisavam de alguém que precisasse deles (veja seu relato aqui).
Após apontar os mecanismos psicológicos que nos levam a mentir e a trapacear (“Pequenos delitos”, ed. 68), a cometer delitos (“Ações exemplares”, ed. 73) e até mesmo a torturar (“Eichmann na Paulista”, ed. 76), achei por bem apontar também caminhos para aflorar nos seres humanos sua própria humanidade.
O caso daquela prisão de Michigan não é único, tendo virado política pública em alguns presídios. Em Ohio, também nos EUA, um programa cede a prisioneiros (selecionados com base em seu comportamento na prisão e ausência de histórico de maus-tratos) filhotes de cachorro, que ficam com eles 24 horas por dia, inclusive dormindo em sua cela, até completarem 1 ano de idade, quando vão para uma família adotiva. Eles têm a responsabilidade de cuidar dos filhotes e de treiná-los. A má conduta do prisioneiro retira-lhe a guarda do animal.
Os resultados são animadores: 97% dos prisioneiros do programa demonstram ao final maior capacidade de empatia e menos casos de depressão, 87% melhoram suas habilidades comunicativas, e há uma melhora generalizada na conduta dos participantes dentro do presídio. E 95% deles, ao final, conseguem uma certificação de cuidador de animais. Se voltam a delinquir depois que saem da prisão, ainda é uma questão em aberto, embora isso também dependa de muitos outros fatores — por exemplo, a relutância dos setores formais em contratar pessoas com antecedentes criminais.
Pode a compaixão ser “ensinada” a adultos? Alguns pesquisadores acreditam que sim. Em artigo recente da Psychological Science, descrevem um experimento no qual voluntários foram submetidos à prática budista de meditação compassiva, medindo a diferença entre antes e depois da intervenção, por meio de ressonância magnética funcional (fMRI). O grupo de tratamento demonstrou maior empatia com o sofrimento de estranhos e maior altruísmo que o grupo de controle, e as maiores diferenças estavam associadas a mudanças nas atividades de algumas regiões do cérebro, em especial aquelas envolvidas com a empatia, com a cognição social e com a regulação das emoções.
Seja para criarmos políticas de ressocialização de fato, seja para resolvermos os grandes desafios mundiais, essencialmente dilemas coletivos, precisamos colocar em prática o que sabemos ser capaz de influenciar positivamente o comportamento pró-social.
*FABIO F. STORINO É DOUTOR EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO