A juventude nem sempre foi entendida como sujeito de direitos. Acredite ou não, esse é um entendimento recente.
O que aconteceu na semana passada, com a aprovação no dia 5 de agosto da Lei nº 12.852, foi o resultado de um longo caminho percorrido, que começou com o próprio reconhecimento da “existência” da juventude.
Foi apenas em 1985, quando ONU estabeleceu o Ano Internacional da Juventude, que se deu início a um processo mais amplo e estruturado, e com alcance mundial, de reconhecimento da juventude como um grupo com características e necessidades específicas. Antes, o olhar mais próximo para a juventude era o olhar para crianças e adolescentes que, apesar de importante, não representava e nem representa a complexidade do jovem.
A partir disso é que se começou a falar em todo o mundo sobre o chamado “bônus (boom) demográfico”, o grande aumento da população jovem – maior do que o dos outros extratos demográficos – que se estabelecia mundialmente, ainda que em estágios diferentes em cada região e país. É por isso que se diz que foi na década de 90 que o Brasil realmente começou a se preocupar com a juventude. De fato, foi apenas nessa época que se criou o Ministério Extraordinário da Juventude, conhecido como o Ministério de um Homem Só, e houve a pulverização dos organismos estaduais e municipais de juventude.
Porém, vale lembrar, a título de resgate histórico, que as primeiras ações em relação à juventude no Brasil aconteceram durante o Estado Novo, com a criação da Organização Nacional da Juventude dentro do Ministério do Exército em 1938 e do Movimento Nacional de Juventude em 1940, como tentativas de construção de uma Política de Juventude.
Desde então, o caminho que o Brasil seguiu foi o de estabelecer políticas de juventude de qualificação, o que é apenas uma das facetas de uma política que pretenda realmente contemplar e compreender os jovens.
Pode-se atribuir esse reducionismo, como colocado anteriormente, à complexidade da juventude. Isso porque ela é considerada uma etapa situacional, ou seja, ela depende essencialmente de fatores sociais, culturais e econômicos, o que acaba gerando uma “disputa de significados”. Assim, além de ser enxergada como uma etapa preparatória (a visão inicial, como vimos), ela ainda carrega a recorrente visão polarizada que veio em seguida: jovem “problema” (núcleo de problemas sociais) e “jovem “solução” (ator chave para o desenvolvimento). O jovem como sujeito de direitos que temos hoje foi uma evolução desses olhares.
Esse novo olhar foi construído principalmente pela sociedade civil, que, após a criação da Secretaria Nacional de Juventude em 2005, continuou ativamente agindo pela causa. Foram os próprio jovens que geraram nos governantes a necessidade de se garantir direitos efetivos.
Assim, em 2010, houve a primeira conquista: a incorporação da palavra “juventude” à Constituição Federal Brasileira pela Emenda Constitucional nº 65, que abriu caminho para o grande passo que se deu com o Estatuto da Juventude.
O Estatuto da Juventude dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e as diretrizes das políticas públicas de juventude e cria ainda o Sistema Nacional de Juventude – SINAJUVE. Um salto para toda uma geração que necessita de políticas claras e que, com seus direitos garantidos, pode colaborar com a construção de um novo Brasil, mais justo e sustentável.
Uma Carta que reforça os direitos de mais de 50 milhões de brasileiros
Esses direitos perpassam educação, trabalho, saúde, cultura, esporte, território e meio ambiente e garantem participação social, representação e livre associativismo. Perpassam também diversidade e igualdade, reconhecendo as inúmeras etnias, orientações sexuais e religiosas de jovens que necessitam ser efetivamente integrados à sociedade. Uma Carta que tem como fim garantir que os jovens tenham condições reais de exercer com liberdade, equidade e segurança seu papel na sociedade, sendo integrados a ela como pessoas ativas, responsáveis e dignas de ocupar uma posição central nos processos políticos e sociais.
Uma nova jornada, que é traduzida nos seguintes princípios:
I – promoção da autonomia e emancipação dos jovens;
II – valorização e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio de suas representações;
III – promoção da criatividade e da participação no desenvolvimento do País;
IV – reconhecimento do jovem como sujeito de direitos universais, geracionais e singulares;
V – promoção do bem-estar, da experimentação e do desenvolvimento integral do jovem;
VI – respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude;
VII – promoção da vida segura, da cultura da paz, da solidariedade e da não discriminação; e
VIII – valorização do diálogo e convívio do jovem com as demais gerações.
Definitivamente, um grande salto. Independente das possíveis críticas sobre o conteúdo e espaço para mudanças, como por exemplo, a discussão sobre a meia-entrada, é inegável o valor desse Estatuto. Mas ainda há muito a fazer. É preciso realmente instituir e efetivar esses direitos com políticas públicas construídas e articuladas com a sociedade. É preciso que o Estatuto saia do papel e ganhe vida. Só assim serão superados os grandes absurdos que enfrentamos, tais como a falta de representação juvenil e o genocídio da juventude nas periferias – em sua maioria negros – que ao todo representa cerca de 50 mil jovens por ano, aproximadamente 1% da população jovem brasileira.
Para o Engajamundo, o novo Estatuto tem um grande significado principalmente no que diz respeito à participação do jovem. Um dos objetivos da organização é engajar os jovens brasileiros nos processos de negociações internacionais, a fim de tornar a participação da juventude mais efetiva e interativa, e por isso entendemos o Estatuto como um passo do governo para valorização da participação. Participação essa que pode (assim se espera!) ser defendida e colocada em prática pelo Brasil também nos processos multilaterais. Acreditamos que o próprio empoderamento e o exercício mais constante da participação da juventude aqui no país contribuirão para que os jovens busquem, conheçam e participem cada vez mais de iniciativas como o Engajamundo e sejam atores ativos na construção de uma sociedade melhor.
Conheça a íntegra do Estatuto da Juventude
Obs.: No Brasil, considera-se jovem a população entre 15 a 29 anos. Essa faixa é subdividida nas categorias jovem-adolescente, 15 a 17 anos; jovem-jovem, 18 a 24 anos e jovem-adulto, 25 a 29 anos.
Saiba mais:
Secretaria Nacional da Juventude: http://www.juventude.gov.br
Marcos Políticos: http://www.juventude.gov.br/marcos/view
Guia de Políticas Públicas de Juventude: http://www.juventude.gov.br/guia
Participatório:www.participatorio.juventude.gov.br
*Alice Junqueira é gestora de projetos autônoma, coordenadora do Youthful Cities São Paulo, colaboradora da Escola de Governo. Adrielle Saldanha é consultora e especialista em políticas públicas de juventude e meio ambiente, Presidente do Conselho Estadual da Juventude do Rio de Janeiro (COJUERJ). Ambas são articuladoras do Engajamundo, uma organização de liderança jovem que acredita no poder da juventude para superar os desafios contemporâneos e busca aproximar os jovens brasileiros das conferências internacionais.