Estive nos últimos três dias na famosa Conferência Internacional do Ethos, na qual estou há 10 anos rigorosamente presente, ávida por ouvir as novidades, ou não tão novidades assim, do mundo da Sustentabilidade.
O evento em si tem pontos de melhorias e ajustes, mas certamente ainda é o mais importante para gerar reflexão sobre os temas sociais e ambientais no Brasil e no mundo, seja pelas apresentações em plenárias ou pelas maravilhosas conversas de corredor com especialistas, amigos e transeuntes de todo o país.
Dessa vez a plenária mais impactante, possivelmente por ser a mais atual e conectada com a pulsante e tangente realidade que vivemos, foi “O que dizem as ruas? E o que as empresas têm a ver com isso?”.
Todos os pontos trazidos foram interessantíssimos, mas para mim, e certamente parto de um tema do qual tenho proximidade, um dos principais aspectos dessa questão nem sequer foi mencionado.
A resposta é clara e consensual: não, as empresas definitivamente não estão ouvindo a voz das ruas. Certamente nem estão chegando perto disso, mas por quê?
O principal motivo de as empresas não estarem ouvindo as ruas é o fato de que elas, no conjunto de sua obra, não expressam o mecanismo que compõe esses movimentos. Os movimentos são plurais, diversos, dinâmicos e conectados. São múltiplos os anseios vindo à tona e muitos os grupos que estão querendo falar e ouvir. Somente organismos que tenham em si essas características estarão aptos a fazer uma leitura mínima do que está acontecendo e serão capazes de interagir com os fatos.
Se as empresas nem sequer conseguem ser um espelho da sociedade brasileira, como conseguirão compreendê-la e ouví-la com clareza? As empresas em geral têm uma composição de funcionários completamente padronizada e igual. E quanto mais subimos em níveis hierárquicos, mais essa uniformidade se acentua e se fortalece. Ou seja, não há massa crítica no interior das empresas para reproduzir ou gerar escuta do que está ocorrendo na sociedade.
Para termos uma amostra, analisando as 500 maiores empresas brasileiras, percebemos que percentualmente no quadro funcional são apenas 33% de mulheres, 30% de negros, 1,5% de portadores de deficiência. A diversidade sexual ainda é tabu, não há espaço para os muitos jovens ou idosos e as áreas de recursos humanos continuam a ignorar os currículos dos milhares de alunos ditos de “faculdades de segunda linha”. Ou seja, segregam uma parte da sociedade que é crucial e fundamental nos movimentos que estão ocorrendo no Brasil.
Ainda que muitas das pessoas que trabalham nas empresas saiam do seu trabalho e rumem direto para uma das passeatas, a realidade é que dentro das empresas pouco desse processo de efervescência e questionamento se reproduz. Possivelmente, quando voltam para as empresas, essas pessoas se sentem acuadas e pouco trazem, em alto e bom som, a sua voz e os seus ideais, seja individual ou coletivamente.
Isto é crítico para uma sociedade que vive um momento determinante e não está contemplando da forma como deveria um setor fundamental da economia e vetor de transformações. Mais crítico ainda para as empresas, pois certamente em algum momento essa movimentação toda que está acontecendo baterá na porta. E nesse dia não fará sentido dizer que as empresas não estavam preparadas ou que não sabiam do que estava acontecendo no país. Será impossível explicar porque não ouviram antes.
*Liliane Rocha é Relações Públicas pela faculdade Cásper Líbero e especialista em Gestão da Sustentabilidade pela FGV. Profissional com 10 anos de experiência na área de Responsabilidade Social em empresas de grande porte – tais como Philips, Banco Real-Santander e Walmart– e organizações do Terceiro Setor, tendo prestado consultoria para Pepsico, Votorantim e Grupo Pão de Açúcar. Coordenou atividades de Responsabilidade Social do grupo Walmart Brasil e atualmente é Coordenadora Global de Responsabilidade Social em uma empresa de mineração de grande porte.