Pouco acesso no Brasil à informação clara e compilada sobre os Objetivos do Milênio dificulta a participação na agenda pós-2015
O sistema que monitora o cumprimento pelo Brasil das 21 metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) apresenta problemas – sobretudo nos aspectos da transparência e da comunicação clara e objetiva de dados e análises sobre o desempenho brasileiro nesta relevante agenda socioeconômica global.
Em meio ao penoso caminho para levantar as metas já alcançadas pelo Brasil, antes mesmo do prazo final de 2015, só foi possível concluir que duas metas foram cumpridas, e com bastante antecedência – a diminuição da pobreza extrema a menos de um quinto do nível de 1990 e a redução pela metade da proporção da população sem água potável e esgoto. A conclusão toma como base o último Relatório Nacional de Acompanhamento dos ODM, publicado em março de 2010 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Nas 19 metas restantes, os dados do relatório são insuficientes para apurar seu cumprimento, não há indicador para medi-lo ou o País ainda não as atingira ainda quando a publicação foi produzida. O Ipea declinou o pedido da reportagem para comentar o desempenho do Brasil meta por meta, alegando que um novo relatório será publicado no próximo semestre. Também não quis comentar o desempenho apurado pelo relatório de 2010, informando que ele está disponível na internet (veja aqui).
Do lado da sociedade civil, os ODM não são um tema capaz de empolgar a maior parte das organizações mais atuantes no campo socioambiental. Uma tentativa de reaproximar a sociedade civil da discussão dos ODM foi o processo de consultas organizado no primeiro semestre pela Secretaria-Geral da Presidência da República conjuntamente com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Entre janeiro e abril, 19 consultas pública buscaram coletar recomendações para os objetivos de desenvolvimento pós-2015. Foram cinco encontros regionais e 14 consultas com grupos específicos, como jovens, travestis e transexuais, indígenas, afrodescendentes e centrais sindicais. Os relatórios das consultas servirão como subsídios à proposta brasileira para a agenda global de desenvolvimento pós-2015 – um dos temas de maior destaque na 68ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, que começa no dia 17 deste mês em Nova York.
No âmbito mundial, a ONU mantém a plataforma digital O Mundo Que Queremos, que proporciona canais de participação com o intuito de recolher pontos de vista e prioridades para a agenda global de desenvolvimento pós- 2015 (acesse aqui).
Mas o processo sofre de uma falta crônica de informações completas, reunidas em um único lugar e com fácil navegação. O cidadão interessando em participar terá de percorrer um emaranhado de sites e links. Na principal fonte, o site odmbrasil.gov.br, encontram-se informações resumidas sobre o desempenho do País em cada um dos oito ODM. Não mostram de forma clara e sistemática, contudo, o percentual de alcance de cada uma das 21 metas.
Os quatro relatórios de acompanhamento produzidos pelo Ipea em 2004, 2005, 2007 e 2010 estão presentes, recheados de tabelas e avaliações, mas dispersos em uma biblioteca repleta de outros documentos, como a clipagem de reportagens. Sobre as consultas para a agenda pós- 2015, há tão somente um anúncio de que o Brasil vai promovê-las até abril, mas nenhuma informação sobre como aconteceram e, tampouco, seus relatórios.
Estes podem ser encontrados na versão brasileira do site O Mundo Que Queremos, da ONU, e estão incompletos. Das cinco consultas nacionais, há apenas os relatórios do Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste; e, das 19 consultas temáticas, apenas quatro estão disponíveis. O documento consolidado, que deveria ter saído em maio, não está acessível em lugar algum. A coordenadora nacional da Consulta Pós-2015, Ticiana Nascimento, esclareceu que os relatórios pendentes serão incluídos em breve.
RESISTÊNCIA DAS ONGS
“Houve um esfriamento nas discussões da agenda pós-2015”, avalia Damien Hazard, diretor regional da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) no Nordeste e coordenador geral da organização Vida Brasil. Hazard explica que sempre existiu certa resistência na América Latina com relação aos ODM, por não incluírem o princípio de justiça socioambiental.
Além disso, entende que sua construção foi a expressão do que os governos consideraram importante, sem contar com a participação social. O resultado foram metas muito genéricas e indicadores bem abrangentes, difíceis de serem acompanhados, diz o dirigente da Abong.
Organizadas em parceria com o Movimento Nós Podemos [1], responsável por mobilizar lideranças e diferentes atores em cada região, as consultas não parecem ter sido um sucesso de público. O maior número de participantes compareceu em João Pessoa – 139 pessoas – e o menor em Anápolis (GO), apenas 39.
Não que as consultas promovidas pelo governo sejam o único processo de participação. A própria Abong lidera outro processo, a Campanha Pós-2015 [2], com três consultas temáticas realizadas até agosto. Além de encaminhar uma lista de recomendações ao governo brasileiro e às Nações Unidas, o relatório cutuca o ponto sensível da participação, afirmando que esses espaços pouco têm garantido a incorporação das demandas da sociedade civil, apesar dos esforços da ONU e de governos para incluir uma diversidade de atores sociais na formulação e no monitoramento de políticas públicas.
“Há muitos processos em curso e milhares de páginas de relatórios. É mais participativo por parte da ONU, mas é fundamental que a sociedade possa conduzir esse processo, e não só opinar”, aponta Hazard.
A reportagem solicitou por telefone e e-mail entrevista à Secretaria-Geral da Presidência da República, mas, até a data do fechamento, não recebeu retorno às perguntas enviadas. Também procurou a assessoria da ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira por e-mail, sem sucesso.
[1] Flávio Ribeiro, do Pnud, informou que o Movimento Nós Podemos é um dos principais parceiros da ONU para a implementação dos ODM no Brasil. Mais informações em nospodemos.org.br.
[2] Iniciativa de redes internacionais da sociedade civil como a Global Call to Action Against Poverty (GCAP) e o Fórum Internacional de Plataformas Nacionais de ONGs (FIP). Mais em beyond2015.org
Veja quadro com as 21 metas e a sua evolução no Brasil.[:en]Pouco acesso no Brasil à informação clara e compilada sobre os Objetivos do Milênio dificulta a participação na agenda pós-2015
O sistema que monitora o cumprimento pelo Brasil das 21 metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) apresenta problemas – sobretudo nos aspectos da transparência e da comunicação clara e objetiva de dados e análises sobre o desempenho brasileiro nesta relevante agenda socioeconômica global.
Em meio ao penoso caminho para levantar as metas já alcançadas pelo Brasil, antes mesmo do prazo final de 2015, só foi possível concluir que duas metas foram cumpridas, e com bastante antecedência – a diminuição da pobreza extrema a menos de um quinto do nível de 1990 e a redução pela metade da proporção da população sem água potável e esgoto. A conclusão toma como base o último Relatório Nacional de Acompanhamento dos ODM, publicado em março de 2010 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Nas 19 metas restantes, os dados do relatório são insuficientes para apurar seu cumprimento, não há indicador para medi-lo ou o País ainda não as atingira ainda quando a publicação foi produzida. O Ipea declinou o pedido da reportagem para comentar o desempenho do Brasil meta por meta, alegando que um novo relatório será publicado no próximo semestre. Também não quis comentar o desempenho apurado pelo relatório de 2010, informando que ele está disponível na internet (veja aqui).
Do lado da sociedade civil, os ODM não são um tema capaz de empolgar a maior parte das organizações mais atuantes no campo socioambiental. Uma tentativa de reaproximar a sociedade civil da discussão dos ODM foi o processo de consultas organizado no primeiro semestre pela Secretaria-Geral da Presidência da República conjuntamente com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Entre janeiro e abril, 19 consultas pública buscaram coletar recomendações para os objetivos de desenvolvimento pós-2015. Foram cinco encontros regionais e 14 consultas com grupos específicos, como jovens, travestis e transexuais, indígenas, afrodescendentes e centrais sindicais. Os relatórios das consultas servirão como subsídios à proposta brasileira para a agenda global de desenvolvimento pós-2015 – um dos temas de maior destaque na 68ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, que começa no dia 17 deste mês em Nova York.
No âmbito mundial, a ONU mantém a plataforma digital O Mundo Que Queremos, que proporciona canais de participação com o intuito de recolher pontos de vista e prioridades para a agenda global de desenvolvimento pós- 2015 (acesse aqui).
Mas o processo sofre de uma falta crônica de informações completas, reunidas em um único lugar e com fácil navegação. O cidadão interessando em participar terá de percorrer um emaranhado de sites e links. Na principal fonte, o site odmbrasil.gov.br, encontram-se informações resumidas sobre o desempenho do País em cada um dos oito ODM. Não mostram de forma clara e sistemática, contudo, o percentual de alcance de cada uma das 21 metas.
Os quatro relatórios de acompanhamento produzidos pelo Ipea em 2004, 2005, 2007 e 2010 estão presentes, recheados de tabelas e avaliações, mas dispersos em uma biblioteca repleta de outros documentos, como a clipagem de reportagens. Sobre as consultas para a agenda pós- 2015, há tão somente um anúncio de que o Brasil vai promovê-las até abril, mas nenhuma informação sobre como aconteceram e, tampouco, seus relatórios.
Estes podem ser encontrados na versão brasileira do site O Mundo Que Queremos, da ONU, e estão incompletos. Das cinco consultas nacionais, há apenas os relatórios do Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste; e, das 19 consultas temáticas, apenas quatro estão disponíveis. O documento consolidado, que deveria ter saído em maio, não está acessível em lugar algum. A coordenadora nacional da Consulta Pós-2015, Ticiana Nascimento, esclareceu que os relatórios pendentes serão incluídos em breve.
RESISTÊNCIA DAS ONGS
“Houve um esfriamento nas discussões da agenda pós-2015”, avalia Damien Hazard, diretor regional da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) no Nordeste e coordenador geral da organização Vida Brasil. Hazard explica que sempre existiu certa resistência na América Latina com relação aos ODM, por não incluírem o princípio de justiça socioambiental.
Além disso, entende que sua construção foi a expressão do que os governos consideraram importante, sem contar com a participação social. O resultado foram metas muito genéricas e indicadores bem abrangentes, difíceis de serem acompanhados, diz o dirigente da Abong.
Organizadas em parceria com o Movimento Nós Podemos [1], responsável por mobilizar lideranças e diferentes atores em cada região, as consultas não parecem ter sido um sucesso de público. O maior número de participantes compareceu em João Pessoa – 139 pessoas – e o menor em Anápolis (GO), apenas 39.
Não que as consultas promovidas pelo governo sejam o único processo de participação. A própria Abong lidera outro processo, a Campanha Pós-2015 [2], com três consultas temáticas realizadas até agosto. Além de encaminhar uma lista de recomendações ao governo brasileiro e às Nações Unidas, o relatório cutuca o ponto sensível da participação, afirmando que esses espaços pouco têm garantido a incorporação das demandas da sociedade civil, apesar dos esforços da ONU e de governos para incluir uma diversidade de atores sociais na formulação e no monitoramento de políticas públicas.
“Há muitos processos em curso e milhares de páginas de relatórios. É mais participativo por parte da ONU, mas é fundamental que a sociedade possa conduzir esse processo, e não só opinar”, aponta Hazard.
A reportagem solicitou por telefone e e-mail entrevista à Secretaria-Geral da Presidência da República, mas, até a data do fechamento, não recebeu retorno às perguntas enviadas. Também procurou a assessoria da ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira por e-mail, sem sucesso.
[1] Flávio Ribeiro, do Pnud, informou que o Movimento Nós Podemos é um dos principais parceiros da ONU para a implementação dos ODM no Brasil. Mais informações em nospodemos.org.br.
[2] Iniciativa de redes internacionais da sociedade civil como a Global Call to Action Against Poverty (GCAP) e o Fórum Internacional de Plataformas Nacionais de ONGs (FIP). Mais em beyond2015.org
Veja quadro com as 21 metas e a sua evolução no Brasil.