Para o Irã, a falta e o mau uso da água é um problema mais perigoso do que as explosivas relações com Israel e os Estados Unidos, e do que os conflitos políticos internos. A avaliação é do ex-ministro da agricultura do país, Isa Kalantari.
“O platô iraniano está se tornando inabitável… a quantidade de água subterrânea diminuiu e o desequilíbrio hídrico se estende por uma vasta área, mas ninguém pensa nisso”, disse Kalantari em julho, um mês antes da posse do novo presidente do país, Hassan Rouhani.
A crise da água no Irã está intimamente conectada ao setor agrícola, visto pelo governo como crucial desde a Revolução Islâmica de 1979, mas objeto de políticas conflituosas desde então. A agricultura usa cerca de 90% dos recursos hídricos disponíveis no Irã.
Estima-se que cerca de 30% da produção agrícola do país sejam desperdiçados devido a tecnologias de produção, estoque e distribuição inadequados. O uso da água é ineficiente – apenas cerca de 10% das fazendas possuem sistemas modernos de irrigação – e nos últimos anos o país sofreu com uma sucessão de secas, enchentes e outras flutuações climáticas.
Situado em uma das áreas mais áridas do mundo, o Irã tem precipitação média anual de cerca de 250 mm – em comparação, a precipitação média no território brasileiro varia de 1000 a 1500 mm por ano. Em várias localidades, raramente chove até que tempestades trazem quase toda a chuva de um ano de uma só vez.
Desde a antiguidade, os habitantes da região desenvolveram técnicas para acessar os reservatórios subterrâneos de água, como qanats, uma série de poços verticais conectados por túneis inclinados que ligam aquíferos em regiões montanhosas a áreas mais baixas, evitando perdas por evaporação e drenando a água apenas com a força da gravidade.
O uso intenso da água para agricultura e outros fins, aliado à seca, está matando os grandes lagos do Irã. O Lago Úrmia, o terceiro maior do Oriente Médio, encolheu 70% nos últimos anos e corre o risco de desaparecer completamente. A situação do lago tem sido alvo de protestos populares no Irã, normalmente suprimidos pelo governo.
Apesar da situação, há relatos de que o uso doméstico de água pelos iranianos é cerca de 70% maior do que a média global. “Em Teerã, lojistas podem ser vistos lavando as calçadas em frente a suas lojas em vez de varrer a sujeira”, diz um artigo recente sobre a crise ambiental no Irã. E nós que pensávamos que lavar calçada era uma praga de país abençoado por recursos hídricos como o Brasil.
Enquanto grande parte da mídia internacional se concentra nas relações do Irã com Israel, e na ameaça nuclear na região, o novo governo terá de navegar também os conflitos internos e regionais causados por questões ambientais. Um sinal positivo foi a indicação de Massoumeh Ebtekar como presidente da Agência de Proteção Ambiental – em seu segundo dia no cargo ela visitou o Parque Nacional do Lago Úrmia e declarou: “é hora de agir”.