Brasil reduz atraso na adoção de diesel mais limpo de 6 para 4 anos em relação às normas da Europa, sede dos fabricantes de caminhões que rodam nas estradas brasileiras
Após o escândalo do diesel sujo em 2008, o Brasil tenta diminuir seu considerável atraso ante à legislação europeia que regula a emissão de poluentes por veículos pesados – notadamente, óxidos de nitrogênio e material particulado –, que causam inúmeras doenças respiratórias, responsáveis por milhares de mortes a cada ano no País. No começo deste ano, o atraso em relação aos limites máximos de emissões veiculares praticados na União Europeia (UE) foi diminuído de seis para quatro anos, com a substituição do diesel S-50 pelo S-10 (com 50 mg e 10 mg/kg de enxofre, respectivamente), combustível que deve abastecer veículos produzidos ou importados a partir de janeiro de 2012 [1].
A troca estava programada para ocorrer somente em 2016, mas foi antecipada para atenuar o desgaste sofrido cinco anos atrás por montadoras, Petrobras [2] e Agência Nacional do Petróleo (ANP), que descumpriram a Resolução nº 315, aprovada em outubro de 2002 pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) [3].
[1] As normas do Proconve-7 equivalem à Euro V, em vigor na UE desde outubro de 2008. Em janeiro deste ano, a Europa começou a implementar a Euro VI, que diminui as
emissões veiculares em 80% (NOx) e 70% (material particulado) – similar aos padrões de um eventual futuro Proconve-8.
[2] A Petrobras insiste que tinha como fornecer diesel S-50 já em janeiro de 2009, atribuindo a crise à falta de veículos com motores aptos a receber o combustível mais limpo e à falta de especificações para o S-50 na Resolução 315/2002.
[3] Em 2008, os postos só vendiam diesel S-500 e S-2000, muito mais contaminantes que o S-50.
Segundo a resolução, caminhões e ônibus novos a partir de janeiro de 2009 deveriam possuir tecnologia voltada para a redução dos limites de emissões ao patamar da norma Euro IV, da União Europeia, que demanda o uso do diesel S-50, muito mais limpo que o S-2.000, então ofertado. Na origem da crise, esteve a ANP, que somente definiu a especificação do S-50 em outubro de 2007, com dois anos de atraso (leia aqui mais detalhes sobre o imbróglio do diesel sujo).
Também deve ser lançado este mês o 2º Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários, peça fundamental para a revisão dos Planos de Controle de Poluição Veicular (PCPV) pelos estados e o Distrito Federal. Apesar desses esforços, não está nada fácil melhorar o ar que os brasileiros respiram, sobretudo em grandes cidades com intenso fluxo de caminhões e ônibus. Um dos obstáculos a serem superados é odo descumprimento pelos Estados dos PCPV que eles mesmos aprovaram, ao não implementar a inspeção veicular, caso de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e o Distrito Federal.
De acordo com Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), 40% da frota em circulação estão com mais de 20 anos de uso. O percentual representa quase 1 milhão de caminhões que ainda empregam o sistema de injeção mecânica, aquele que mais produz fumaça preta. O modal rodoviário responde por 52% da produção brasileira transportada, ou seja, em carrocerias de caminhões, segundo dados do Ministério dos Transportes.
Para tentar limpar esse cenário enfumaçado, em 1986 foi lançado o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que adaptou para o Brasil a metodologia europeia de diminuição progressiva de emissão de gases poluentes por veículos pesados. Devido a uma série de fatores – má qualidade do combustível nacional, frota antiquada e descaso ante as legislações ambientais, o Brasil não conseguiu acompanhar a evolução europeia par e passo e agora queima etapas para vencer um atraso que, lamentavelmente, jogou muitas toneladas a mais de óxidos de nitrogênio [4], material particulado [5], hidrocarbonetos e monóxido de carbono nos ares do País.
[4] Formados durante a combustão, os óxidos de nitrogênio transformam-se em NO2, que, sob a ação da luz solar, forma o ozônio da baixa atmosfera (troposfera), altamente prejudicial à saúde.
[5] O material particulado é um conjunto de poluentes constituídos por poeira fina, fumaça e materiais suspensos na atmosfera devido a seu pequeno tamanho.
Em decorrência do não cumprimento do prazo da Resolução nº 315 para o início da fase 6 do Proconve (P6) – em janeiro de 2009 –, suprimiu-se essa etapa, que deveria introduzir o S-50 nos postos de gasolina, e saltou-se diretamente para a P7, em vigor desde janeiro de 2012. “Veículos pesados sem as especificações do P7 não podem mais ser comercializados. E, quando em circulação, se forem sistematicamente abastecidos com diesel S-500 ou S-1800, serão danificados e passarão a emitir muito mais material particulado e óxidos de nitrogênio”, explica Rudolf Noronha, gerente de Qualidade do Ar do Ministério do Meio Ambiente.
OFERTA DUVIDOSA
Resta comprovar se os postos estão sendo abastecidos com a quantidade de diesel S-10 suficiente para atender à frota de veículos pesados produzidos no Brasil desde o ano passado. Somente com os veículos novos abastecidos com o S-10 é possível rodar dentro da lei. Sem diesel mais limpo, a saída é abastecer com o S-500 e o S-1800 – este segundo com previsão de substituição pelo S-500 a partir do início de 2014.
Um dos representantes das organizações ambientalistas no Conama, Bocuhy afirma que não há diesel S-10 em volume suficiente. “Lamentável esse processo lento de adequação das refinarias, eles estão investindo bilhões em modernização, enquanto os custos em saúde pública são incomensuráveis.” A declaração do ambientalista choca-se frontalmente com as avaliações do MMA e da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). De acordo com Rudolf Noronha, a Agência Nacional do Petróleo efetuou um mapeamento que assegura a oferta de S-10 em um raio de pelo menos 100 quilômetros de qualquer ponto do território nacional. Embora a reportagem tenha solicitado entrevista à Anfavea, a entidade preferiu responder às perguntas da revista por e-mail. Segundo sua assessoria de imprensa, o combustível está com certeza disponível em todo o País. Quanto ao volume de caminhões comercializados dentro das regras mais recentes, a assessoria informou que está finalizando um estudo de frota e em breve apresentará dados atualizados [6]. De qualquer maneira, a entidade prevê que perto de 150 mil caminhões serão licenciados em 2013, com aumento de 8% sobre o resultado de 2012.
[6] Desde meados de 2011, algumas empresas já comercializam veículos pesados adequados ao P-7, informa a Anfavea.
A inspeção veicular é o meio pelo qual se poderia verificar a eficácia de toda essa profusão de normas e regulamentos. Porém, os chamados programas de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso (I/M) só não são ignorados pelo estado do Rio de Janeiro e pela cidade de São Paulo. E nada indica uma mudança de comportamento a curto prazo. Faltando quase um ano para as próximas eleições, Noronha não crê que os governadores venham a aplicar a regra no atual mandato. Muitos políticos consideram impopular a adoção de medidas que requerem cobrança de taxas – caso da inspeção veicular – especialmente às vésperas de uma eleição.
Se há uma resolução em vigor, o que impede as autoridades de trânsito de fiscalizar as emissões dos veículos? Segundo Carlos Bocuhy, a fiscalização da fumaça preta dos veículos diesel poderia ser realizada com base na Resolução Conama nº 418/2009 e na Instrução Normativa nº 06, de junho de 2010, editada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mesmo onde ainda não foi implantado o programa de inspeção. “Não sei o que mais a fiscalização precisaria, além das normas que já existem, para fazer o controle das emissões”, frisa o ambientalista. “Se for por falta de opacímetro (instrumento para medir emissões), creio que a perspectiva de melhoria dos meios de fiscalização não deveria se transformar em seu engessamento.”
Leia mais:
O imbróglio do diesel sujo, em “MP negociou acordo para superar crise do enxofre“
“Como a navegação lida com a pressão para reduzir as emissões“, em entrevista
[:en]Brasil reduz atraso na adoção de diesel mais limpo de 6 para 4 anos em relação às normas da Europa, sede dos fabricantes de caminhões que rodam nas estradas brasileiras
Após o escândalo do diesel sujo em 2008, o Brasil tenta diminuir seu considerável atraso ante à legislação europeia que regula a emissão de poluentes por veículos pesados – notadamente, óxidos de nitrogênio e material particulado –, que causam inúmeras doenças respiratórias, responsáveis por milhares de mortes a cada ano no País. No começo deste ano, o atraso em relação aos limites máximos de emissões veiculares praticados na União Europeia (UE) foi diminuído de seis para quatro anos, com a substituição do diesel S-50 pelo S-10 (com 50 mg e 10 mg/kg de enxofre, respectivamente), combustível que deve abastecer veículos produzidos ou importados a partir de janeiro de 2012 [1].
A troca estava programada para ocorrer somente em 2016, mas foi antecipada para atenuar o desgaste sofrido cinco anos atrás por montadoras, Petrobras [2] e Agência Nacional do Petróleo (ANP), que descumpriram a Resolução nº 315, aprovada em outubro de 2002 pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) [3].
[1] As normas do Proconve-7 equivalem à Euro V, em vigor na UE desde outubro de 2008. Em janeiro deste ano, a Europa começou a implementar a Euro VI, que diminui as
emissões veiculares em 80% (NOx) e 70% (material particulado) – similar aos padrões de um eventual futuro Proconve-8.
[2] A Petrobras insiste que tinha como fornecer diesel S-50 já em janeiro de 2009, atribuindo a crise à falta de veículos com motores aptos a receber o combustível mais limpo e à falta de especificações para o S-50 na Resolução 315/2002.
[3] Em 2008, os postos só vendiam diesel S-500 e S-2000, muito mais contaminantes que o S-50.
Segundo a resolução, caminhões e ônibus novos a partir de janeiro de 2009 deveriam possuir tecnologia voltada para a redução dos limites de emissões ao patamar da norma Euro IV, da União Europeia, que demanda o uso do diesel S-50, muito mais limpo que o S-2.000, então ofertado. Na origem da crise, esteve a ANP, que somente definiu a especificação do S-50 em outubro de 2007, com dois anos de atraso (leia aqui mais detalhes sobre o imbróglio do diesel sujo).
Também deve ser lançado este mês o 2º Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários, peça fundamental para a revisão dos Planos de Controle de Poluição Veicular (PCPV) pelos estados e o Distrito Federal. Apesar desses esforços, não está nada fácil melhorar o ar que os brasileiros respiram, sobretudo em grandes cidades com intenso fluxo de caminhões e ônibus. Um dos obstáculos a serem superados é odo descumprimento pelos Estados dos PCPV que eles mesmos aprovaram, ao não implementar a inspeção veicular, caso de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e o Distrito Federal.
De acordo com Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), 40% da frota em circulação estão com mais de 20 anos de uso. O percentual representa quase 1 milhão de caminhões que ainda empregam o sistema de injeção mecânica, aquele que mais produz fumaça preta. O modal rodoviário responde por 52% da produção brasileira transportada, ou seja, em carrocerias de caminhões, segundo dados do Ministério dos Transportes.
Para tentar limpar esse cenário enfumaçado, em 1986 foi lançado o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que adaptou para o Brasil a metodologia europeia de diminuição progressiva de emissão de gases poluentes por veículos pesados. Devido a uma série de fatores – má qualidade do combustível nacional, frota antiquada e descaso ante as legislações ambientais, o Brasil não conseguiu acompanhar a evolução europeia par e passo e agora queima etapas para vencer um atraso que, lamentavelmente, jogou muitas toneladas a mais de óxidos de nitrogênio [4], material particulado [5], hidrocarbonetos e monóxido de carbono nos ares do País.
[4] Formados durante a combustão, os óxidos de nitrogênio transformam-se em NO2, que, sob a ação da luz solar, forma o ozônio da baixa atmosfera (troposfera), altamente prejudicial à saúde.
[5] O material particulado é um conjunto de poluentes constituídos por poeira fina, fumaça e materiais suspensos na atmosfera devido a seu pequeno tamanho.
Em decorrência do não cumprimento do prazo da Resolução nº 315 para o início da fase 6 do Proconve (P6) – em janeiro de 2009 –, suprimiu-se essa etapa, que deveria introduzir o S-50 nos postos de gasolina, e saltou-se diretamente para a P7, em vigor desde janeiro de 2012. “Veículos pesados sem as especificações do P7 não podem mais ser comercializados. E, quando em circulação, se forem sistematicamente abastecidos com diesel S-500 ou S-1800, serão danificados e passarão a emitir muito mais material particulado e óxidos de nitrogênio”, explica Rudolf Noronha, gerente de Qualidade do Ar do Ministério do Meio Ambiente.
OFERTA DUVIDOSA
Resta comprovar se os postos estão sendo abastecidos com a quantidade de diesel S-10 suficiente para atender à frota de veículos pesados produzidos no Brasil desde o ano passado. Somente com os veículos novos abastecidos com o S-10 é possível rodar dentro da lei. Sem diesel mais limpo, a saída é abastecer com o S-500 e o S-1800 – este segundo com previsão de substituição pelo S-500 a partir do início de 2014.
Um dos representantes das organizações ambientalistas no Conama, Bocuhy afirma que não há diesel S-10 em volume suficiente. “Lamentável esse processo lento de adequação das refinarias, eles estão investindo bilhões em modernização, enquanto os custos em saúde pública são incomensuráveis.” A declaração do ambientalista choca-se frontalmente com as avaliações do MMA e da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). De acordo com Rudolf Noronha, a Agência Nacional do Petróleo efetuou um mapeamento que assegura a oferta de S-10 em um raio de pelo menos 100 quilômetros de qualquer ponto do território nacional. Embora a reportagem tenha solicitado entrevista à Anfavea, a entidade preferiu responder às perguntas da revista por e-mail. Segundo sua assessoria de imprensa, o combustível está com certeza disponível em todo o País. Quanto ao volume de caminhões comercializados dentro das regras mais recentes, a assessoria informou que está finalizando um estudo de frota e em breve apresentará dados atualizados [6]. De qualquer maneira, a entidade prevê que perto de 150 mil caminhões serão licenciados em 2013, com aumento de 8% sobre o resultado de 2012.
[6] Desde meados de 2011, algumas empresas já comercializam veículos pesados adequados ao P-7, informa a Anfavea.
A inspeção veicular é o meio pelo qual se poderia verificar a eficácia de toda essa profusão de normas e regulamentos. Porém, os chamados programas de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso (I/M) só não são ignorados pelo estado do Rio de Janeiro e pela cidade de São Paulo. E nada indica uma mudança de comportamento a curto prazo. Faltando quase um ano para as próximas eleições, Noronha não crê que os governadores venham a aplicar a regra no atual mandato. Muitos políticos consideram impopular a adoção de medidas que requerem cobrança de taxas – caso da inspeção veicular – especialmente às vésperas de uma eleição.
Se há uma resolução em vigor, o que impede as autoridades de trânsito de fiscalizar as emissões dos veículos? Segundo Carlos Bocuhy, a fiscalização da fumaça preta dos veículos diesel poderia ser realizada com base na Resolução Conama nº 418/2009 e na Instrução Normativa nº 06, de junho de 2010, editada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mesmo onde ainda não foi implantado o programa de inspeção. “Não sei o que mais a fiscalização precisaria, além das normas que já existem, para fazer o controle das emissões”, frisa o ambientalista. “Se for por falta de opacímetro (instrumento para medir emissões), creio que a perspectiva de melhoria dos meios de fiscalização não deveria se transformar em seu engessamento.”
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“Como a navegação lida com a pressão para reduzir as emissões“, em entrevista