As informações sobre o acidente nuclear no Japão se misturam com mentiras e distorções que alimentam o enorme apetite do público por teorias conspiratórias.
A cidade japonesa de Fukushima, palco do primeiro grande acidente nuclear da era da internet, está envolta em um denso nevoeiro de desinformação. As redes sociais têm circulado imagens de centenas de baleias mortas e tomates monstruosos, e um gráfico em cores vibrantes que indica que a pluma de radiação estaria inundando a Costa Oeste do continente americano. Horrores que seriam decorrentes da explosão em março de 2011.
Nenhum dos três dramas passa pela peneira na hora do vamos ver. A tal mortandade de baleias foi ilustrada com uma foto de cetáceos que encalharam em uma praia da Nova Zelândia um ano e meio antes do acidente de Fukushima. Os vegetais mutantes, como os tomates semelhantes a bolhas de sabão empilhadas, com brotos laterais esverdeados (veja aqui), noticiados até pela rede americana ABC, vieram de uma coletânea de variedades fora dos padrões comerciais.
Segundo o Ministério da Saúde do Japão, das 280 mil amostras de alimentos produzidos nas imediações de Fukushima e avaliados entre abril de 2012 e maio deste ano, apenas 2.300 apresentavam presença de césio 134 ou 137 acima do limite recomendado pelo governo japonês.
Quanto ao gráfico de expansão da pluma de radiação, atribuído à agência americana que acompanha questões atmosféricas, a NOAA: ele foi tirado de contexto. Trata-se, na verdade, de uma projeção da altura das ondas formadas pelo tsunami que levou à explosão de Fukushima. “Graças à diluição, qualquer contaminação no Japão chegaria aos Estados Unidos em um nível abaixo de detecção”, declarou recentemente David Yogi, porta-voz da agência ambiental americana, a EPA. Vários acadêmicos assinaram embaixo.
Por trás dessa cacofonia sem pé nem cabeça há problemas reais que acabam ficando sem audiência porque não vêm embalados em imagens espetaculares, cores berrantes e luzinhas pisca-pisca. A dura realidade não tem o menor sex appeal.
O reator nuclear de Fukushima está longe de estabilizado. No começo de agosto, a autoridade japonesa responsável por questões nucleares admitiu que água altamente radioativa tem vazado da unidade para o Pacífico, criando uma situação de emergência.
A Tepco, operadora da usina, não está conseguindo conter essas perdas e tem tomado medidas meramente paliativas. A empresa mantém cerca de mil tanques de grande porte, mais ou menos improvisados, para estocar água contaminada, que correm risco de sofrer novos vazamentos. De um deles vazaram recentemente 300 toneladas de efluentes radioativos e o problema levou mais de um mês até ser detectado. Também há indicações de contaminação do lençol subterrâneo sob a usina.
O primeiro ministro Shinzo Abe afirmou, no começo de setembro, que está “tudo sob controle” – declaração contestada pela própria Tepco e por grupos de pescadores que continuam impedidos de trabalhar.
Com tantos motivos reais para apreensão, por que as massas preferem se ocupar de mitos urbanos?
A primeira razão é que há interesses envolvidos. No caso específico de Fukushima, a culpa pela desinformação deve ser compartilhada pelo governo japonês, que não prima pela transparência, o lobby nuclear, disposto a defender o seu, e alguns grupos ambientalistas abilolados que vendem seu peixe a qualquer preço. Nos meses que se sucederam à catástrofe, o controvertido Radiation and Public Health Project, uma entidade que bate de frente contra o uso da energia atômica, tentou provar que 14 mil americanos tinham morrido em decorrência de Fukushima. Seu argumento baseou-se no fato de que o número de mortes nos EUA tinha subido 4,46% nas 14 semanas após o acidente, em relação ao ano anterior. Não colou.
A segunda razão é que a complexidade técnica é muita e atordoa quem não tem um ph.D em Física. E a terceira é o nosso enorme apetite por teorias conspiratórias. Segundo uma pesquisa sobre a credulidade dos americanos, feita com 1.247 eleitores em março deste ano, 7% deles não acreditam que astronautas chegaram à Lua e 4% – sim, 4 em cada 100 adultos alfabetizados e bem alimentados – estão certos de que répteis disfarçados de humanos estão tomando o poder no planeta. Claro, o preço dessa ingenuidade é alto.
Dispensável lembrar que os céticos vêm barrando os esforços para frear o aquecimento global há duas décadas. Ou que as incautas vítimas do chamado Golpe Nigeriano – atraídas por um email que promete o repasse da fortuna deixada por um finado general africano – perderam US$ 9,3 milhões em 2009, segundo um dos raros levantamentos sobre esse tipo de conto do vigário. E ingênuos somos todos – ao menos quando anestesiados pelo Facebook.
*Regina Scharf é jornalista especializada em meio ambiente[:en]As informações sobre o acidente nuclear no Japão se misturam com mentiras e distorções que alimentam o enorme apetite do público por teorias conspiratórias.
A cidade japonesa de Fukushima, palco do primeiro grande acidente nuclear da era da internet, está envolta em um denso nevoeiro de desinformação. As redes sociais têm circulado imagens de centenas de baleias mortas e tomates monstruosos, e um gráfico em cores vibrantes que indica que a pluma de radiação estaria inundando a Costa Oeste do continente americano. Horrores que seriam decorrentes da explosão em março de 2011.
Nenhum dos três dramas passa pela peneira na hora do vamos ver. A tal mortandade de baleias foi ilustrada com uma foto de cetáceos que encalharam em uma praia da Nova Zelândia um ano e meio antes do acidente de Fukushima. Os vegetais mutantes, como os tomates semelhantes a bolhas de sabão empilhadas, com brotos laterais esverdeados (veja aqui), noticiados até pela rede americana ABC, vieram de uma coletânea de variedades fora dos padrões comerciais.
Segundo o Ministério da Saúde do Japão, das 280 mil amostras de alimentos produzidos nas imediações de Fukushima e avaliados entre abril de 2012 e maio deste ano, apenas 2.300 apresentavam presença de césio 134 ou 137 acima do limite recomendado pelo governo japonês.
Quanto ao gráfico de expansão da pluma de radiação, atribuído à agência americana que acompanha questões atmosféricas, a NOAA: ele foi tirado de contexto. Trata-se, na verdade, de uma projeção da altura das ondas formadas pelo tsunami que levou à explosão de Fukushima. “Graças à diluição, qualquer contaminação no Japão chegaria aos Estados Unidos em um nível abaixo de detecção”, declarou recentemente David Yogi, porta-voz da agência ambiental americana, a EPA. Vários acadêmicos assinaram embaixo.
Por trás dessa cacofonia sem pé nem cabeça há problemas reais que acabam ficando sem audiência porque não vêm embalados em imagens espetaculares, cores berrantes e luzinhas pisca-pisca. A dura realidade não tem o menor sex appeal.
O reator nuclear de Fukushima está longe de estabilizado. No começo de agosto, a autoridade japonesa responsável por questões nucleares admitiu que água altamente radioativa tem vazado da unidade para o Pacífico, criando uma situação de emergência.
A Tepco, operadora da usina, não está conseguindo conter essas perdas e tem tomado medidas meramente paliativas. A empresa mantém cerca de mil tanques de grande porte, mais ou menos improvisados, para estocar água contaminada, que correm risco de sofrer novos vazamentos. De um deles vazaram recentemente 300 toneladas de efluentes radioativos e o problema levou mais de um mês até ser detectado. Também há indicações de contaminação do lençol subterrâneo sob a usina.
O primeiro ministro Shinzo Abe afirmou, no começo de setembro, que está “tudo sob controle” – declaração contestada pela própria Tepco e por grupos de pescadores que continuam impedidos de trabalhar.
Com tantos motivos reais para apreensão, por que as massas preferem se ocupar de mitos urbanos?
A primeira razão é que há interesses envolvidos. No caso específico de Fukushima, a culpa pela desinformação deve ser compartilhada pelo governo japonês, que não prima pela transparência, o lobby nuclear, disposto a defender o seu, e alguns grupos ambientalistas abilolados que vendem seu peixe a qualquer preço. Nos meses que se sucederam à catástrofe, o controvertido Radiation and Public Health Project, uma entidade que bate de frente contra o uso da energia atômica, tentou provar que 14 mil americanos tinham morrido em decorrência de Fukushima. Seu argumento baseou-se no fato de que o número de mortes nos EUA tinha subido 4,46% nas 14 semanas após o acidente, em relação ao ano anterior. Não colou.
A segunda razão é que a complexidade técnica é muita e atordoa quem não tem um ph.D em Física. E a terceira é o nosso enorme apetite por teorias conspiratórias. Segundo uma pesquisa sobre a credulidade dos americanos, feita com 1.247 eleitores em março deste ano, 7% deles não acreditam que astronautas chegaram à Lua e 4% – sim, 4 em cada 100 adultos alfabetizados e bem alimentados – estão certos de que répteis disfarçados de humanos estão tomando o poder no planeta. Claro, o preço dessa ingenuidade é alto.
Dispensável lembrar que os céticos vêm barrando os esforços para frear o aquecimento global há duas décadas. Ou que as incautas vítimas do chamado Golpe Nigeriano – atraídas por um email que promete o repasse da fortuna deixada por um finado general africano – perderam US$ 9,3 milhões em 2009, segundo um dos raros levantamentos sobre esse tipo de conto do vigário. E ingênuos somos todos – ao menos quando anestesiados pelo Facebook.
*Regina Scharf é jornalista especializada em meio ambiente