Embora a relação entre oceanos e mudança climática seja direta, o tratamento dessas agendas no campo jurídico avança de forma muito mais isolada que interligada
Uma das abordagens que emergem da imensidão dos temas mudança climática e oceanos são os regimes jurídicos que devem orientar decisões capazes de contribuir para o desenvolvimento e ao mesmo tempo evitar uma interferência desastrosa do homem no meio marinho e no sistema climático global. Diante da amplitude do assunto, uma boa opção é um mergulho rápido para estimular o debate sobre a relação entre essas duas agendas no campo jurídico internacional.
Os oceanos e o sistema climático mundial são interdependentes. Ser ineficiente na proteção de um deles afetará negativamente o outro e vice-versa. Isso tem sido mais claro na área científica. Já no campo jurídico, o tratamento desses temas avança muito mais de forma isolada do que interligada. Há um regime aplicável aos oceanos e outro à mudança climática, mas ambos não contam com pontes bem definidas que poderiam criar sinergias e evitar sobreposições desnecessárias entre os regimes.
Os documentos que compõem a regulamentação jurídico-internacional sobre as matérias foram construídos de forma independente. Entre eles, destaca-se a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de 1992 (CQNUMC), e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982 (CNUDM). Cada convenção é o marco legal aplicável a cada tema. A partir delas foram realizados eventos, reuniões, conferências e produzidos textos, formando um grande aparato jurídico em nível internacional, regional e, em muitos casos, nacional.
Sob o ponto de vista legal, um elo entre os temas é o controle que deve ser feito nas fontes emissoras de gases-estufa provenientes de atividades humanas realizadas em terra e que interferem de forma negativa nos sistemas climático e marinho ao alcançá-los em grande quantidade [1]. Ambas as Convenções abarcam esse problema com abordagens diferentes.
[1] Mais no artigo “As interfaces entre o regime jurídico-internacional adotado no âmbito da poluição marinha de origem terrestre e aquele referente às mudanças climáticas”, publicado pelo autor na Revista Internacional de Direito Ambiental. v. 1, n. 1, 2012 , págs. 105-124
No caso dos oceanos, a previsão da CNUDM refere-se à emissão direta ou indireta de qualquer substância, ou de energia, no meio ambiente marinho, que resulta ou é provável resultar em efeitos nocivos – tais como danos aos recursos vivos e à vida marinha; malefícios à saúde humana; obstáculos às atividades marítimas, incluindo a pesca e outros usos legítimos do mar;impropriedade da qualidade da água do mar para o uso; e redução dos recursos marinhos.
As duas Convenções buscam disciplinar fontes emissoras nacionais que podem transportar, através da atmosfera, tais emissões para fora da área sob jurisdição do país de origem. Além de proporcionar convergência entre problemas e soluções encontrados no âmbito de cada Convenção, esse fator constitui um objetivo em comum.
O tratamento diferenciado em cada regime é importante, mas a aproximação e a ligação entre as agendas traria avanço para ambas as legislações. Algumas iniciativas vêm ocorrendo nesse sentido e devem avançar em termos de uma melhor compreensão jurídica do papel dos oceanos sobre as mudanças climáticas e vice-versa [2].
Quanto mais compreensíveis e sofisticados forem os instrumentos jurídicos nessa área, mais eficazes poderão ser as ações globais para a proteção dos oceanos e do sistema climático. Por exemplo, altos níveis de poluição marinha podem, aí incluída a queima de combustíveis fósseis, comprometer a capacidade dos oceanos de exercer seu papel de sumidouro de CO2 [3]. Assim, a troca de informações, o monitoramento e os inventários sobre poluição marinha, por região, somados à quantificação mais precisa do nível de absorção de CO2 pelos oceanos, poderão contribuir para ambas as agendas.
[2] Acesse o documento Manado Ocean Declaration aqui e a publicação Blue Carbon – The Role of Healthy Oceans in Binding Carbon aqui.
[3] Carbon Cycle, Ocean & Earth System, NASA Oceanography, 2008. Disponível aqui.
Criar áreas marinhas protegidas é mais uma medida que pode colaborar para os objetivos das Convenções e vir a ser um ponto de interface entre os regimes jurídicos. Além disso, a medida ofereceria um refúgio para onde as espécies marinhas escapariam de pressões decorrentes de atividades humanas, entre elas a mudança climática e a poluição marinha.
O fato é que a falha na mitigação das emissões de gases-estufa pode resultar tanto no comprometimento do sistema climático como no do meio marinho. Portanto, essa falha violaria tanto a CQNUMC como a CNUDM, além de uma série de outros instrumentos legais internacionais. Essa lista é extensa e não caberia no espaço desta página.
Regimes jurídicos mais adequados sem dúvida tornam-se instrumentos que orientam com maior qualidade as tomadas de decisão. Mas, em se tratando de temas globais, a questão não é somente se os instrumentos são adequados ou inadequados. E sim se os países terão interesse e vontade para prover os investimentos necessários, e se estarão dispostos a um comprometimento efetivo, dentro de um prazo suficiente, para evitar uma interferência perigosa do homem nos oceanos e no sistema climático mundial, objetivo principal de ambas as Convenções.
*Guarany Ipê do Sol Osório é Coordenador do Programa de Política e Economia Ambiental do GVces.[:en]Embora a relação entre oceanos e mudança climática seja direta, o tratamento dessas agendas no campo jurídico avança de forma muito mais isolada que interligada
Uma das abordagens que emergem da imensidão dos temas mudança climática e oceanos são os regimes jurídicos que devem orientar decisões capazes de contribuir para o desenvolvimento e ao mesmo tempo evitar uma interferência desastrosa do homem no meio marinho e no sistema climático global. Diante da amplitude do assunto, uma boa opção é um mergulho rápido para estimular o debate sobre a relação entre essas duas agendas no campo jurídico internacional.
Os oceanos e o sistema climático mundial são interdependentes. Ser ineficiente na proteção de um deles afetará negativamente o outro e vice-versa. Isso tem sido mais claro na área científica. Já no campo jurídico, o tratamento desses temas avança muito mais de forma isolada do que interligada. Há um regime aplicável aos oceanos e outro à mudança climática, mas ambos não contam com pontes bem definidas que poderiam criar sinergias e evitar sobreposições desnecessárias entre os regimes.
Os documentos que compõem a regulamentação jurídico-internacional sobre as matérias foram construídos de forma independente. Entre eles, destaca-se a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de 1992 (CQNUMC), e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982 (CNUDM). Cada convenção é o marco legal aplicável a cada tema. A partir delas foram realizados eventos, reuniões, conferências e produzidos textos, formando um grande aparato jurídico em nível internacional, regional e, em muitos casos, nacional.
Sob o ponto de vista legal, um elo entre os temas é o controle que deve ser feito nas fontes emissoras de gases-estufa provenientes de atividades humanas realizadas em terra e que interferem de forma negativa nos sistemas climático e marinho ao alcançá-los em grande quantidade [1]. Ambas as Convenções abarcam esse problema com abordagens diferentes.
[1] Mais no artigo “As interfaces entre o regime jurídico-internacional adotado no âmbito da poluição marinha de origem terrestre e aquele referente às mudanças climáticas”, publicado pelo autor na Revista Internacional de Direito Ambiental. v. 1, n. 1, 2012 , págs. 105-124
No caso dos oceanos, a previsão da CNUDM refere-se à emissão direta ou indireta de qualquer substância, ou de energia, no meio ambiente marinho, que resulta ou é provável resultar em efeitos nocivos – tais como danos aos recursos vivos e à vida marinha; malefícios à saúde humana; obstáculos às atividades marítimas, incluindo a pesca e outros usos legítimos do mar;impropriedade da qualidade da água do mar para o uso; e redução dos recursos marinhos.
As duas Convenções buscam disciplinar fontes emissoras nacionais que podem transportar, através da atmosfera, tais emissões para fora da área sob jurisdição do país de origem. Além de proporcionar convergência entre problemas e soluções encontrados no âmbito de cada Convenção, esse fator constitui um objetivo em comum.
O tratamento diferenciado em cada regime é importante, mas a aproximação e a ligação entre as agendas traria avanço para ambas as legislações. Algumas iniciativas vêm ocorrendo nesse sentido e devem avançar em termos de uma melhor compreensão jurídica do papel dos oceanos sobre as mudanças climáticas e vice-versa [2].
Quanto mais compreensíveis e sofisticados forem os instrumentos jurídicos nessa área, mais eficazes poderão ser as ações globais para a proteção dos oceanos e do sistema climático. Por exemplo, altos níveis de poluição marinha podem, aí incluída a queima de combustíveis fósseis, comprometer a capacidade dos oceanos de exercer seu papel de sumidouro de CO2 [3]. Assim, a troca de informações, o monitoramento e os inventários sobre poluição marinha, por região, somados à quantificação mais precisa do nível de absorção de CO2 pelos oceanos, poderão contribuir para ambas as agendas.
[2] Acesse o documento Manado Ocean Declaration aqui e a publicação Blue Carbon – The Role of Healthy Oceans in Binding Carbon aqui.
[3] Carbon Cycle, Ocean & Earth System, NASA Oceanography, 2008. Disponível aqui.
Criar áreas marinhas protegidas é mais uma medida que pode colaborar para os objetivos das Convenções e vir a ser um ponto de interface entre os regimes jurídicos. Além disso, a medida ofereceria um refúgio para onde as espécies marinhas escapariam de pressões decorrentes de atividades humanas, entre elas a mudança climática e a poluição marinha.
O fato é que a falha na mitigação das emissões de gases-estufa pode resultar tanto no comprometimento do sistema climático como no do meio marinho. Portanto, essa falha violaria tanto a CQNUMC como a CNUDM, além de uma série de outros instrumentos legais internacionais. Essa lista é extensa e não caberia no espaço desta página.
Regimes jurídicos mais adequados sem dúvida tornam-se instrumentos que orientam com maior qualidade as tomadas de decisão. Mas, em se tratando de temas globais, a questão não é somente se os instrumentos são adequados ou inadequados. E sim se os países terão interesse e vontade para prover os investimentos necessários, e se estarão dispostos a um comprometimento efetivo, dentro de um prazo suficiente, para evitar uma interferência perigosa do homem nos oceanos e no sistema climático mundial, objetivo principal de ambas as Convenções.
*Guarany Ipê do Sol Osório é Coordenador do Programa de Política e Economia Ambiental do GVces.