Além de cobrar dos governos o aumento da oferta de transporte público de qualidade, as empresas podem gerir a demanda de transporte nos grandes centros urbanos
Seis da tarde, hora do rush. Filas de automóveis se amontoam nas avenidas dos grandes centros urbanos. Dentro de cada arranha-céu, milhares de pessoas se preparam para engrossar ainda mais os congestionamentos.
Para diminuir o impacto da locomoção diária dessas pessoas, as empresas podem gerir a própria demanda de transporte. Esse é o principal objetivo dos planos de mobilidade corporativa, instrumentos de responsabilidade ambiental ao alcance das empresas.
Planejar a mobilidade de seus colaboradores, com vista a reduzir o fluxo de carros em direção ao local de trabalho, traz impactos positivos para as companhias em várias áreas. Do ponto de vista ambiental, ajuda a reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Além disso, investir em mobilidade corporativa contribui para a produtividade dos empregados. Pesquisas do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) incluem entre os prejuízos dos excessos de congestionamentos a queda da capacidade produtiva, seja pelo tempo que o funcionário gasta no trânsito e poderia estar no trabalho, seja pela piora da qualidade de vida, que influi em sua capacidade cognitiva.
Diminuir os gastos de tempo, dinheiro e deslocamento dos colaboradores na ida e vinda do trabalho exige planejamento e engajamento. E o processo ajuda a promover internamente os valores da empresa. O presidente da consultoria canadense TMS, Peter Valk, apresentou durante o Seminário Internacional “Mobilidade Corporativa e Cidades Sustentáveis” a fórmula que usa para promover planos de mobilidade corporativa em todo o mundo: conscientização, incentivo, reconhecimento e reforço positivo.
“Tão importante quanto dar opções de transporte para os colaboradores é mostrar a eles as opções que têm, e que usá-las é um comportamento esperado pela própria empresa”, explica Peter. Não basta apenas informar – ele acredita ser importante dar incentivos e recompensar aqueles que aderem às mudanças nos deslocamentos, fazendo-os se sentirem especiais.
Trabalho conjunto, resultados potencializados
Se por um lado os esforços de uma única empresa em planos de mobilidade corporativa têm reflexos imperceptíveis nas ruas da cidade, os planos compartilhados de várias organizações podem transformar uma região. “Você só vai ver diferença quando várias empresas trabalharem juntas”, afirma Peter, que testemunhou mudanças em cidades como Seattle e Cidade do México.
Na já saturada região da Berrini (foto acima), região empresarial da zona Sul de São Paulo, o Banco Mundial conduziu um projeto de mobilidade corporativa entre 20 empresas. As dez organizações que seguiram até o final conseguiram resultados significativos compartilhando suas iniciativas, como linhas de fretado conjuntas e sistema de caronas entre funcionários de vários conjuntos empresariais.
Andrea Leal, que conduziu o projeto, reitera que a ideia era “justamente melhorar a comunicação entre prédios comerciais para otimizar planos de mobilidade”. Ela ainda lista outras alternativas simples à disposição das empresas para desestimular o uso do transporte individual motorizado: criação de estrutura para ciclistas, instalação de sistema de compartilhamento de carros e disponibilização de transporte de emergência. A última alterativa trata-se de oferecer uma opção de transporte para o funcionário que tenha deixado o carro em casa, mas precisa de um meio rápido para, por exemplo, buscar o filho que se machucou na escola. “Em vez de simplesmente tirar totalmente o privilégio do vale-estacionamento, por exemplo, é recomendável dar aos colaboradores outras opções que valham a pena”, completa Andreia.
A Torre Santander (foto ao lado), empreendimento do banco espanhol, foi construído ao lado do shopping paulistano JK Iguatemi, criando mais um pólo gerador de tráfego na sua região. Apesar disso, conseguiu se tornar um exemplo de administração da demanda de seus 7 mil funcionários. Segundo o prefeito do prédio, Edmar Cioletti, cada novo colaborador recebe, em seu kit de boas-vindas, informações sobre rotas de transporte público. Entre outras iniciativas, existem diferentes faixas de horário de expediente, diminuindo a concentração do fluxo de entrada e saída de pessoas, que pioraria as já congestionadas ruas do Itaim Bibi.
Walk the talk
Apesar de algumas iniciativas de desincentivo ao uso do carro em empresas serem simples, as estratégias mais impactantes demandam alto engajamento da direção e, em muitos casos, mudanças de paradigmas. A disposição da chefia em mudar de atitudes em relação à mobilidade faz toda a diferença. “Eles (os funcionários) serão motivados por diferentes fatores, mas trazer os diretores para as mudanças ajuda a carregar o restante das pessoas”, explica Peter.
A Torre Santander tem um exemplo claro dessa mudança. Depois que um dos vice-presidentes da empresa começou a pedalar para chegar ao trabalho, vários funcionários do banco passaram a seguir o exemplo. “Elas queriam, inclusive, estacionar suas bikes ao lado da dele”, exemplifica Peter, em uma clara alusão à aspiração de crescimento profissional dos “seguidores” do ciclista.
Em uma sociedade que valoriza o carro como status, o exemplo do alto executivo que vai trabalhar de bicicleta ajuda a quebrar essa associação entre automóvel e sucesso. Entretanto, apesar de o bom exemplo da diretoria encantar os outros funcionários, ele não consegue provocar, por si só, mudanças de atitude. Peter esclarece que é preciso criar e solidificar na empresa uma nova norma cultural e mostrar aos funcionários qual o comportamento esperado deles. Mas sem se esquecer de levar em conta as suas particularidades. A diversidade é ainda mais importantes ainda quando se trata de mobilidade: uma pessoa não pode se sentir compelida a usar bicicleta porque “pega bem”, se a melhor opção para ir ao trabalho é o fretado, por exemplo.
Peter simplifica a associação: “é uma questão de mudança da ordem cultural e dos valores da organização”. Se a sustentabilidade for um valor realmente importante, a participação em ações de diminuição do impacto ambiental deve ser parte das tarefas dos colaboradores, acredita o consultor. Os critérios para se fazer um bom trabalho podem ser participar do programa de caronas ou usar o transporte público, porque os colaboradores estão ajudando a desenvolver a sustentabilidade na companhia. Conforme complementa Peter: “essa é a real integração da mobilidade corporativa aos valores da empresa”.