As consequências ambientais da exploração, produção e consumo dos combustíveis do pré-sal podem ser irreversíveis, a depender das fracas estratégias de mitigação apresentadas
Em meio às dúvidas políticas e econômicas sobre o pré-sal, emergidas com a repercussão do leilão de Libra, há ao menos uma certeza: com esse investimento, o Brasil reforça sua posição como grande emissor de gases de efeito estufa (GEE). Exploração, produção e consumo de petróleo somente no bloco de Libra lançarão até 5 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera. Conforme prova o último relatório do IPCC, essas emissões têm alto impacto nos eventos climáticos.
O Fundo Social poderia ser uma saída para promover as compensações ambientais que ajudariam a minimizar o impacto do pré-sal. Segundo o que consta na lei 12.351, os programas e projetos do governo federal das áreas de meio ambiente, mitigação e adaptação às mudanças climáticas serão contemplados com uma porcentagem ainda não definida dos rendimentos do Fundo. Essas duas áreas, ao contrário de educação e saúde pública, serão apenas beneficiárias adjacentes dos recursos do pré-sal, o que pode não ser suficiente para a compensação ambiental exigida.
O pré-sal será responsável por um aumento ainda maior nas emissões de GEE pelo setor de energia, o que demanda um plano alternativo para mitigá-las, além dos projetos já contemplados pelo Fundo Social. Entretanto, quando se busca o plano setorial de energia, dentro do Plano Nacional sobre Mudança do Clima (que engloba as ações planejadas por cada setor para adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas), o que se encontra é o próprio Plano Decenal de Energia (PDE), sem nenhum objetivo adicional. O PDE para 2020 traz um capítulo dedicado à chamada sustentabilidade ambiental, mas assume, em seu próprio texto, o crescimento de 93% nas emissões de GEE entre 2005 e 2020.
Segundo a previsão do PDE, a demanda de energia vai aumentar – e a oferta de fontes não-renováveis também. Está planejado até 2020 o aumento da participação de combustíveis fósseis, inclusive carvão mineral, enquanto a geração por biomassa e eólica cresce timidamente.
Para manter a matriz energética “limpa”, o MME aposta nas grandes centrais hidrelétricas. Apesar do potencial brasileiro de geração de energia solar e eólica, a demanda de investimento – principalmente em desenvolvimento de tecnologia – é muito mais alta do que o disponível atualmente. Tanto que a energia solar sequer está prevista no Plano Decenal de Energia do MME para 2020.
NA CONTRAMÃO
No frigir dos ovos, a proporção quase 50-50 de energias renováveis e não-renováveis na matriz energética (não só elétrica) vai ser mantida nos próximos anos. André Nahur, coordenador de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, contesta o plano: “Vai na contramão de como outros países estão desenvolvendo a mitigação, porque há um investimento muito forte em energias renováveis alternativas. Uma coisa é você estar gerando uma transição, investir em fósseis, mas em outras fontes também. Porém o governo não mostra isso nas suas decisões”.
Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, critica a disparidade de investimentos do governo federal em energia, concentrados em 75% da verba para combustíveis fósseis e 25% para todo o resto. Dentro desse restante, as energias renováveis defendidas pelo governo ainda são as grandes centrais hidrelétricas e os biocombustíveis. O Greenpeace, que apresenta no relatório [R]Evolução Energética uma possibilidade de cenário energético predominantemente renovável, questiona a pouca atenção a fontes limpas e pouco exploradas, como eólica e solar. (Leia mais sobre o estudo em “Esforço para viabilizar o carvão”.)
Os biocombustíveis, por sua vez, sofrem perdas de competitividade cada vez maiores por conta da priorização dos combustíveis fósseis. É o caso do etanol, que perde capacidade de investimento em tecnologia por conta da maior competitividade econômica da gasolina, estimulada por desonerações e subsídios governamentais. “A gente está se distanciando cada vez mais do aumento de produtividade do etanol e está reafirmando isso com essa política de desoneração da gasolina”, critica Baitelo. Além do etanol, outros agrobiocombustíveis com potencial de desenvolvimento, que demandam ainda mais investimento em pesquisa, perdem expectativas de viabilização econômica. (Leia mais em “Latam investe em biocombustíveis”)
Nahur interpreta essas decisões como um “desagendamento” da temática ambiental. “Temos um governo investindo cada vez mais em termelétrica, desoneração da gasolina e em combustíveis fósseis. E também um contingenciamento de recursos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), mostrando que meio ambiente realmente não é uma prioridade do governo”, afirma Nahur. (Leia mais sobre os recursos do MMA em “Sinal vermelho” e “Decolagem lenta”.)
Outro ponto controverso é o Plano Nacional de Contingência, aguardado desde 2000, mas só publicado um dia depois do leilão de Libra, em 21 de outubro. Segundo o previsto na lei 9.966, o Plano deveria indicar os recursos materiais, humanos e equipamentos complementares para a prevenção, controle e combate da poluição das águas em caso de acidentes. Entretanto, ele apenas estabelece a estrutura burocrática que ainda irá definir as competências dos órgãos envolvidos.
Segundo o plano, Marinha, Ibama e ANP devem acompanhar e avaliar as ações do eventual poluidor, sem especificar como. O Greenpeace critica a atribuição: “o Ibama não tem demonstrado capacidade de acompanhar o desmatamento na Amazônia por falta de recursos, então, falta explicar como essa fiscalização poderá ser feita em caso de vazamentos”, afirma Baitelo.