Entrevista com Ricardo Esparta
No dia 27 de setembro, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) lançou o 5º Relatório de Avaliação (AR5) (leia mais em “Não dá mais para ignorar“), mostrando a intensificação da mudança climática. O relatório aponta que, caso as emissões de gases do efeito estufa continuem crescendo às atuais taxas ao longo dos próximos anos, a temperatura do planeta poderá aumentar até 4,8 graus neste século. Um dos resultados poderá ser uma elevação de até 82 centímetros no nível do mar. O diretor técnico e sócio-fundador da Eqao, Ricardo Esparta, falou à PÁGINA22 sobre a influência do AR5 nas negociações do clima. De capital nacional, a Eqao é uma das empresas mais ativas no desenvolvimento de projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto.
O novo relatório do IPCC vai influenciar as negociações do acordo climático e o mercado de carbono?
As negociações não estão paradas porque há dúvidas sobre o aquecimento, mas porque falta consenso político e existe uma crise econômica desviando a atenção. A dificuldade é política, diz respeito à repartição das responsabilidades.
Mas a pressão pública fomentada pelas informações do novo relatório influencia as negociações, não?
O objetivo do lançamento do relatório é esse. É uma batalha de opinião pública. Como vamos mover os países para fazerem algo em relação a isso? Quem move os governos é a sociedade.
Os países se comprometeriam com limites de emissões mais restritivos em um cenário econômico adverso como o atual?
As metas não precisavam ser mais restritivas se os países fizessem alguma coisa. Esta era a ideia do Protocolo de Kyoto, que pedia um passo muito pequeno. O problema é que nós demos esse passo, veio a crise econômica e, então, demos um passo para trás. Com a crise, os países desenvolvidos estão emitindo menos, sem que esse esforço esteja em trocar a matriz energética e privilegiar as políticas econômicas com redução de gases.
O que deveria acontecer para não darmos esse passo para trás?
Vai depender de uma retomada econômica do mundo. Se melhorar a economia, as emissões vão crescer, e os países vão se preocupar com elas. Se isso não acontecer, a maior parte das emissões estará nos países em desenvolvimento. Aí temos de fazer alguma coisa nesses países para não trilhar o caminho do aumento das emissões.
Com metas mais restritivas, em tese o mercado de carbono ganharia ânimo. Essa hipótese deverá se confirmar?
Grandes impulsos neste momento para o mercado de redução de emissões só vão acontecer caso a economia volte a crescer. Se eu reduzo as emissões, e isso tem valor perto de zero, por que fazer? Mercados regionais parecem ser mecanismos mais eficientes para impedir que a demanda caia demais e o mercado fique muito fraco.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) mantém-se adequado para este momento das negociações e da economia? Precisa ser revisto?
O MDL é uma ferramenta para permitir que países que não têm metas participem do mercado. Esse tipo de ferramenta continua interessante e pode ser aplicado até 2020. Mas, como a proposta é de que depois de 2020 todos os países com emissões relevantes tenham compromissos, os países terão de adaptar isso a um mercado interno que se comunique de alguma forma com o mercado internacional.
O empresariado tem reclamado que as metas brasileiras foram superestimadas e o governo já iniciou um movimento de revisão das metas. A tendência é que elas sejam relaxadas?
O que foi feito em 2009 foram projeções considerando que a taxa de desmatamento seria mantida e o PIB do Brasil cresceria 5% ao ano. Nenhuma das duas coisas se confirmou. O desmatamento reduziu muito e o PIB não vai chegar a essa taxa anual de crescimento. Isso significa que as metas foram superestimadas, sim, e sem dúvida devem ser revisadas com a melhor informação disponível hoje.
Nossas empresas poderão sofrer mais pressões do mercado internacional para se adaptar, reduzir, mitigar suas emissões?
Isso vai depender muito do que será negociado nos próximos seis anos. Vamos adotar metas para serem cumpridas após 2020. Se fizermos metas frouxas, alguém pode achar ruim, mas, se forem acordadas em conjunto com outros países, a possibilidade de barreiras ligadas ao clima não se configura. Entretanto, essa ameaça existe para todos os países. A Europa já vem apontando que sua economia está em desvantagem com relação aos Estados Unidos, que não adotaram nenhum tipo de meta.
Leia mais:
O economista mexicano Enrique Leff avalia que muitos acordos globais sobre meio ambiente seguem uma lógica genérica e mercantilista, em “Sucesso dos ODM mostra que “sistema venceu”
[:en]Entrevista com Ricardo Esparta
No dia 27 de setembro, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) lançou o 5º Relatório de Avaliação (AR5) (leia mais em “Não dá mais para ignorar“), mostrando a intensificação da mudança climática. O relatório aponta que, caso as emissões de gases do efeito estufa continuem crescendo às atuais taxas ao longo dos próximos anos, a temperatura do planeta poderá aumentar até 4,8 graus neste século. Um dos resultados poderá ser uma elevação de até 82 centímetros no nível do mar. O diretor técnico e sócio-fundador da Eqao, Ricardo Esparta, falou à PÁGINA22 sobre a influência do AR5 nas negociações do clima. De capital nacional, a Eqao é uma das empresas mais ativas no desenvolvimento de projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto.
O novo relatório do IPCC vai influenciar as negociações do acordo climático e o mercado de carbono?
As negociações não estão paradas porque há dúvidas sobre o aquecimento, mas porque falta consenso político e existe uma crise econômica desviando a atenção. A dificuldade é política, diz respeito à repartição das responsabilidades.
Mas a pressão pública fomentada pelas informações do novo relatório influencia as negociações, não?
O objetivo do lançamento do relatório é esse. É uma batalha de opinião pública. Como vamos mover os países para fazerem algo em relação a isso? Quem move os governos é a sociedade.
Os países se comprometeriam com limites de emissões mais restritivos em um cenário econômico adverso como o atual?
As metas não precisavam ser mais restritivas se os países fizessem alguma coisa. Esta era a ideia do Protocolo de Kyoto, que pedia um passo muito pequeno. O problema é que nós demos esse passo, veio a crise econômica e, então, demos um passo para trás. Com a crise, os países desenvolvidos estão emitindo menos, sem que esse esforço esteja em trocar a matriz energética e privilegiar as políticas econômicas com redução de gases.
O que deveria acontecer para não darmos esse passo para trás?
Vai depender de uma retomada econômica do mundo. Se melhorar a economia, as emissões vão crescer, e os países vão se preocupar com elas. Se isso não acontecer, a maior parte das emissões estará nos países em desenvolvimento. Aí temos de fazer alguma coisa nesses países para não trilhar o caminho do aumento das emissões.
Com metas mais restritivas, em tese o mercado de carbono ganharia ânimo. Essa hipótese deverá se confirmar?
Grandes impulsos neste momento para o mercado de redução de emissões só vão acontecer caso a economia volte a crescer. Se eu reduzo as emissões, e isso tem valor perto de zero, por que fazer? Mercados regionais parecem ser mecanismos mais eficientes para impedir que a demanda caia demais e o mercado fique muito fraco.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) mantém-se adequado para este momento das negociações e da economia? Precisa ser revisto?
O MDL é uma ferramenta para permitir que países que não têm metas participem do mercado. Esse tipo de ferramenta continua interessante e pode ser aplicado até 2020. Mas, como a proposta é de que depois de 2020 todos os países com emissões relevantes tenham compromissos, os países terão de adaptar isso a um mercado interno que se comunique de alguma forma com o mercado internacional.
O empresariado tem reclamado que as metas brasileiras foram superestimadas e o governo já iniciou um movimento de revisão das metas. A tendência é que elas sejam relaxadas?
O que foi feito em 2009 foram projeções considerando que a taxa de desmatamento seria mantida e o PIB do Brasil cresceria 5% ao ano. Nenhuma das duas coisas se confirmou. O desmatamento reduziu muito e o PIB não vai chegar a essa taxa anual de crescimento. Isso significa que as metas foram superestimadas, sim, e sem dúvida devem ser revisadas com a melhor informação disponível hoje.
Nossas empresas poderão sofrer mais pressões do mercado internacional para se adaptar, reduzir, mitigar suas emissões?
Isso vai depender muito do que será negociado nos próximos seis anos. Vamos adotar metas para serem cumpridas após 2020. Se fizermos metas frouxas, alguém pode achar ruim, mas, se forem acordadas em conjunto com outros países, a possibilidade de barreiras ligadas ao clima não se configura. Entretanto, essa ameaça existe para todos os países. A Europa já vem apontando que sua economia está em desvantagem com relação aos Estados Unidos, que não adotaram nenhum tipo de meta.
Leia mais:
O economista mexicano Enrique Leff avalia que muitos acordos globais sobre meio ambiente seguem uma lógica genérica e mercantilista, em “Sucesso dos ODM mostra que “sistema venceu”