O casamento infantil ainda é um problema em todo o mundo, causado principalmente pela extrema pobreza e a falta de perspectiva das mulheres
Na próxima década, 142 milhões de menores de 18 anos assinarão o matrimônio em todo o mundo. No sul da Ásia e na África Central e Ocidental, duas a cada cinco mulheres se casam antes mesmo de virarem adultas.
Esses dados mostram como o casamento infantil ainda é um problema mundial, e o Brasil também não se viu livre desse fenômeno. A think tank Council on Foreign Relations lançou o especial “Child Marriage”, que traça um perfil do casamento de meninas antes dos 18 anos no mundo todo e detecta soluções possíveis para combater esse que é um dos principais motivos para o atraso econômico de países em desenvolvimento. A maior prevalência está no sul da Ásia e na África Central e Ocidental, onde 2 a cada 5 mulheres casam antes de virarem adultas.
O levantamento argumenta que o fenômeno está diretamente ligado à condição social, principalmente em comunidades em que a mulher não é vista como provedora de renda. Nos países em desenvolvimento, a probabilidade de se casar antes dos 18 anos é duas vezes maior para meninas que vivem no meio rural.
A falta de perspectiva de educação, trabalho e renda as torna mais vulneráveis ao casamento infantil, especialmente em comunidades patriarcais, em que os homens decidem os rumos das mulheres. No caso de famílias muito pobres, o matrimônio é visto como uma saída: os pais evitam gastos com mais um dependente e a menina pode elevar significativamente sua condição social.
Para combater a questão do casamento de menores, o Council on Foreign Relations sugere, entre outras ações, a expansão do acesso de garotas à educação básica, o que amplia suas perspectivas de renda e possibilidades de escolhas pessoais, em conjunto com ações de sensibilização das comunidades. A participação dos homens e líderes religiosos em campanhas de combate ao casamento infantil deu resultados positivos em comunidades do Nepal e do Senegal, como mostra o especial.
Um artigo recente do site The Atlantic problematizou as razões econômicas que tornam a opção por viver solteira mais difícil para mulheres e meninas pobres. Mulheres com menor renda e tempo de estudo tendem a decidir se casar e ter filhos baseado em razões mais primárias, como a possibilidade de ter uma casa e conseguir se alimentar – ao contrário daquelas quem têm bons salários e maior tempo de estudo, que tendem a fazer essa escolha mais baseada em questões pessoais.
Como já tratado aqui, o investimento na educação de mulheres e o estímulo ao seu empoderamento econômico são chaves para diminuir a vulnerabilidade de crianças a esse e outros abusos, como gravidez precoces, trabalho infantil e violência sexual. Além disso, traz benefícios econômicos comprovados aos países, pelo aumento da renda familiar e da força de trabalho.
Questão legal
Entretanto, em muitos lugares do mundo as barreiras culturais e religiosas dificultam a ação política que poderia diminuir esses abusos. Por exemplo, a dificuldade em derrubar leis que permitem o casamento de crianças quando há consentimento dos pais. Em mais de 30 países o matrimônio de meninas com 15 anos ou menos, com essa autorização, é considerado legal. Na maioria dos casos, essa brecha na lei é maior para mulheres do que para homens.
Mas a pressão internacional pode gerar reações positivas dos Estados, como estimula a campanha “Girls not Brides”. No Marrocos, por exemplo, foi banida no mês de janeiro a lei que permitia o assédio sexual ou estupro de menores se o abusador fosse seu próprio marido.
Às margens da lei
O Brasil aparece em quarto lugar no ranking das Nações Unidas sobre casamento infantil, em números absolutos. Registrou-se mais de 800 mil mulheres, entre 20 e 24 anos, que se casaram antes dos 18 anos. O Censo 2010, por sua vez, mostra que o País tinha mais de 88 mil crianças de 10 a 14 anos em união consensual e 65 mil entre elas são meninas. Entre 15 a 17 anos, o número salta para 567 mil, sendo 488 mil meninas.
No País, o casamento civil é permitido por lei a partir dos 18 anos, mas pode acontecer a partir dos 16 anos com o consentimento dos pais. Já qualquer “conjunção carnal ou ato libidinoso” com menores de 14 anos, mesmo consentido, é considerado estupro. A união com meninas abaixo de 16 anos, portanto, acontece às margens da lei brasileira.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, neste sentido, protege os menores de abusos como a violência sexual, o trabalho infantil e obriga o acesso das crianças à escolaridade. O desafio brasileiro reside nas situações de extrema pobreza, em que as crianças têm poucos direitos garantidos e por isso estão mais sujeitas a serem usadas como moeda de troca pela família ou a encontrarem no casamento sua única perspectiva de vida.