Saiba por que Marajó e Xingó podem se transformar em projetos reais e inovadores, com lições de desenvolvimento para o País e outras regiões do mundo
Comecemos pelo óbvio: o Brasil é um país de tamanho continental megadiverso em termos de potencial de recursos renováveis dos trópicos úmido e semiárido, dotado ainda de uma grande variedade de recursos minerais. É por isso que convém envidar esforços para ali se criar laboratórios em tamanho natural de desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável, mais bem adaptados às suas diferentes mesorregiões naturais.
Esses laboratórios deverão cooperar, por sua vez, com projetos situados em outras mesorregiões semelhantes da América Latina, da África e da Ásia, cabendo às Nações Unidas a articulação entre os projetos, com vistas a um programa mundial de desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável.
A meta comum a todos esses projetos deve ser a geração do maior número de empregos e autoempregos, garantindo uma renda razoável em dinheiro, complementada pela produção de bens destinados ao autoconsumo, contribuindo assim para a luta contra a pobreza.
Devemos nos esforçar por assegurar a perenidade dos autoempregos e empregos criados, sem esquecer a conveniência de promover o progresso técnico contínuo, sem o qual os rendimentos do trabalho não poderão aumentar.
POR QUE MARAJÓ?
Várias razões militam para transformar o arquipélago do Marajó num importante laboratório em tamanho natural do desenvolvimento includente e sustentável do trópico úmido. Com cerca de 42 mil quilômetros quadrados, é a maior ilha costeira flúviomarítima do mundo, cercada de 2.500 ilhas e ilhotas, com possibilidade ímpar de transformar algumas em laboratórios em escala real de modelos de desenvolvimento distintos.
A criação de projetos com características parcialmente divergentes permitiria comparar e testar a eficiência econômica e o impacto social e ambiental dos modelos propostos em um ambicioso programa inovador de alternativas de desenvolvimento para o trópico úmido.
Trata-se de uma rara oportunidade, para o cientista social, de avançar no estudo comparativo de alternativas do desenvolvimento em condições que se assemelham às de experiências realizadas em laboratórios científicos.
Tanto mais que, no que diz respeito ao aproveitamento dos recursos do trópico úmido, dispomos de um ponto de partida no Programa de Desenvolvimento Sustentável do Marajó (Rio de Janeiro, maio de 2013), elaborado pelo Instituto Pro-Natura e o Instituto Peabiru, para o município de Curralinho. O projeto visa inter alia a implantação de uma fábrica-modelo-escola de processamento de açaí. Mas uma andorinha não faz verão, e o açaí, por si só, não pode sustentar o desenvolvimento da economia marajoara.
XINGÓ, PILOTO PARA O SEMIÁRIDO
Por sua vez, a mesorregião de Xingó, onde convergem quatro estados do Nordeste brasileiro (Alagoas, Sergipe, Bahia e Pernambuco) e vários Territórios da Cidadania, presta-se a servir como laboratório de estratégias de desenvolvimento
includente e sustentável do Nordeste semiárido, que conta, no entanto, com acesso a recursos hídricos significativos na Bacia do Rio São Francisco. Trata-se de combinar a piscicultura intensiva com a horticultura e a fruticultura, sempre privilegiando pequenos produtores, de preferência associados em cooperativas.
Lembremos que o nosso objetivo final deve ser a promoção de modelos de desenvolvimento que aproveitem ao máximo a experiência chinesa na implantação de sistemas de açudes e diques[1], promovendo a criação intensiva de peixes herbívoros, alimentados com as sobras de vegetais provenientes das hortas e dos pomares nos diques e ao redor deles. O sistema pode ser enriquecido criando-se patos, que vão catar os insetos que atacam as hortas, e até porcos em plataformas instaladas sobre o açude.
[1] Ver Kenneth Ruddle, Gongfu Zhong, Integrated Agriculture-Aquaculture in South China: The Dike-Pond System of the Zhujiang Delta (Cambridge: Cambridge Univ Pr, 1988) e também A.J. van der Zijpp, Fishponds in Farming Systems (Wageningen: Wageningen Academic Pub, 2007).
Nesse contexto, convém explorar a possibilidade de instalar em Xingó e Marajó, em colaboração com as universidades nordestinas, o CNPq, a Embrapa, centros de pesquisas sobre sistemas intensivos de hortipisciarboricultura, complementados por programas de treinamento para os pequenos produtores, com especial destaque para os assentados da reforma agrária.
Marajó e Xingó têm condições para se transformar em projetos realmente inovadores, portadores de lições suscetíveis de serem aplicadas não só no Brasil, mas igualmente em outros rincões. Oxalá as Nações Unidas e o governo brasileiro juntem esforços para que esses projetos sejam rapidamente postos em prática.
*Ecossioeconomista da École des Hautes Études em Sciences Sociales[:en]Saiba por que Marajó e Xingó podem se transformar em projetos reais e inovadores, com lições de desenvolvimento para o País e outras regiões do mundo
Comecemos pelo óbvio: o Brasil é um país de tamanho continental megadiverso em termos de potencial de recursos renováveis dos trópicos úmido e semiárido, dotado ainda de uma grande variedade de recursos minerais. É por isso que convém envidar esforços para ali se criar laboratórios em tamanho natural de desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável, mais bem adaptados às suas diferentes mesorregiões naturais.
Esses laboratórios deverão cooperar, por sua vez, com projetos situados em outras mesorregiões semelhantes da América Latina, da África e da Ásia, cabendo às Nações Unidas a articulação entre os projetos, com vistas a um programa mundial de desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável.
A meta comum a todos esses projetos deve ser a geração do maior número de empregos e autoempregos, garantindo uma renda razoável em dinheiro, complementada pela produção de bens destinados ao autoconsumo, contribuindo assim para a luta contra a pobreza.
Devemos nos esforçar por assegurar a perenidade dos autoempregos e empregos criados, sem esquecer a conveniência de promover o progresso técnico contínuo, sem o qual os rendimentos do trabalho não poderão aumentar.
POR QUE MARAJÓ?
Várias razões militam para transformar o arquipélago do Marajó num importante laboratório em tamanho natural do desenvolvimento includente e sustentável do trópico úmido. Com cerca de 42 mil quilômetros quadrados, é a maior ilha costeira flúviomarítima do mundo, cercada de 2.500 ilhas e ilhotas, com possibilidade ímpar de transformar algumas em laboratórios em escala real de modelos de desenvolvimento distintos.
A criação de projetos com características parcialmente divergentes permitiria comparar e testar a eficiência econômica e o impacto social e ambiental dos modelos propostos em um ambicioso programa inovador de alternativas de desenvolvimento para o trópico úmido.
Trata-se de uma rara oportunidade, para o cientista social, de avançar no estudo comparativo de alternativas do desenvolvimento em condições que se assemelham às de experiências realizadas em laboratórios científicos.
Tanto mais que, no que diz respeito ao aproveitamento dos recursos do trópico úmido, dispomos de um ponto de partida no Programa de Desenvolvimento Sustentável do Marajó (Rio de Janeiro, maio de 2013), elaborado pelo Instituto Pro-Natura e o Instituto Peabiru, para o município de Curralinho. O projeto visa inter alia a implantação de uma fábrica-modelo-escola de processamento de açaí. Mas uma andorinha não faz verão, e o açaí, por si só, não pode sustentar o desenvolvimento da economia marajoara.
XINGÓ, PILOTO PARA O SEMIÁRIDO
Por sua vez, a mesorregião de Xingó, onde convergem quatro estados do Nordeste brasileiro (Alagoas, Sergipe, Bahia e Pernambuco) e vários Territórios da Cidadania, presta-se a servir como laboratório de estratégias de desenvolvimento
includente e sustentável do Nordeste semiárido, que conta, no entanto, com acesso a recursos hídricos significativos na Bacia do Rio São Francisco. Trata-se de combinar a piscicultura intensiva com a horticultura e a fruticultura, sempre privilegiando pequenos produtores, de preferência associados em cooperativas.
Lembremos que o nosso objetivo final deve ser a promoção de modelos de desenvolvimento que aproveitem ao máximo a experiência chinesa na implantação de sistemas de açudes e diques[1], promovendo a criação intensiva de peixes herbívoros, alimentados com as sobras de vegetais provenientes das hortas e dos pomares nos diques e ao redor deles. O sistema pode ser enriquecido criando-se patos, que vão catar os insetos que atacam as hortas, e até porcos em plataformas instaladas sobre o açude.
[1] Ver Kenneth Ruddle, Gongfu Zhong, Integrated Agriculture-Aquaculture in South China: The Dike-Pond System of the Zhujiang Delta (Cambridge: Cambridge Univ Pr, 1988) e também A.J. van der Zijpp, Fishponds in Farming Systems (Wageningen: Wageningen Academic Pub, 2007).
Nesse contexto, convém explorar a possibilidade de instalar em Xingó e Marajó, em colaboração com as universidades nordestinas, o CNPq, a Embrapa, centros de pesquisas sobre sistemas intensivos de hortipisciarboricultura, complementados por programas de treinamento para os pequenos produtores, com especial destaque para os assentados da reforma agrária.
Marajó e Xingó têm condições para se transformar em projetos realmente inovadores, portadores de lições suscetíveis de serem aplicadas não só no Brasil, mas igualmente em outros rincões. Oxalá as Nações Unidas e o governo brasileiro juntem esforços para que esses projetos sejam rapidamente postos em prática.
*Ecossioeconomista da École des Hautes Études em Sciences Sociales