As conexões em rede põem em xeque a ideia de autoria individual, enquanto a arte é desbancada como radar primordial de tendências. Mas, na visão transdisciplinar, há espaço tanto para a criação coletiva como para aquela obtida em outros níveis de realidade
O poeta Ezra Pound declarou, em 1934, que “os artistas são a antena da raça”. Desbravando o desconhecido e manipulando códigos livremente, antecipam descobertas científicas ou burilam áreas tradicionais de conhecimento, promovendo cataclismos nos sentidos. A separação ciência e arte, contudo, afrouxou suas fronteiras e, no Pensamento Complexo, inaugurado pelo teórico francês Edgar Morin no século XX, encontrou terreno fértil para o entrelaçamento de coisas que estão aparentemente separadas: razão e emoção, sensível e inteligível, real e imaginário, razão e mito, ciência e arte.
Na tessitura do conhecimento, o que se tem certeza é do constante movimento, com perdão da rima. O escritor de ciência Steven Johnson, no livro De Onde Vêm as Boas Ideias, defende que inovações e descobertas provêm de conexões em rede e muito menos de uma inspiração sobrenatural, momentos de luz ou o folclórico “eureka!” Para Johnson, a autoria estaria em xeque: quanto mais pessoas, informações e ideias circularem e se conectarem, mais favorecida está a profusão criativa.
Mas, para Maria de Mello, consultora e orientadora em projetos fundamentados na transdisciplinaridade[1], como a Formação Integrada para Sustentabilidade (FIS) [2], essa teoria de que a criação vem em rede é verdadeira em parte, porque há outras formas de se criar em diferentes níveis de realidade. “Há grandes exemplos da criatividade no mundo que não partem desse tipo de relação entre duas ou mais pessoas. Em matérias abstratas, sutis, a criação se dá de outra maneira”, diz.
[1] Pilares da metodologia transdisciplinar, os Níveis de Realidade facilitam uma compreensão multidimensional e multirreferencial da realidade, seja macrofísica, quando acessada pelos sentidos; seja referente às operações mentais, psíquicas ou emocionais; seja referente às representações mítico-simbólica das diversas culturas e de nossa interioridade, ou do que nos transcende
[2] Desenvolvida pelo GVces, é uma disciplina eletiva da FGV-Eaesp que se baseia na formação transdisciplinar
Para o multiartista Arnaldo Antunes, o processo de criação parte de um impulso inicial que, após embates, filtros e edições, modifica-se tanto que pode nem lembrar a ideia original (leia sua entrevista à PÁGINA22).
Já Maria, que também integra a Rede Transdisciplinar Intergeracional, aposta em potencialidades criativas afluindo de uma vida mais espiritual. “Só que hoje ninguém quer saber de quietude e conflito. Tudo passou a ser gostosinho, bonitinho. A escuta e o tempo de contemplação estão comprometidos.”