Com um relógio para marcar o tempo pelos próximos 10 mil anos, a Long Now Foundation quer enviar a mensagem ao futuro de que nós, no presente, nos importamos
O tigre-da-tasmânia (Thylacinus cynocephalus) é um daqueles animais míticos, sobre os quais se sabe pouco e cujo desaparecimento é amplamente deplorado. Predador formidável, não sobreviveu à ocupação humana do continente australiano: o último espécime morreu em um zoológico em 1936. Hoje, o tigre-da-tasmânia é um dos candidatos favoritos à “de-extinção”[1], ideia que ao mesmo tempo maravilha e repugna quem se preocupa com conservação.
[1] Do inglês “deextinction”, é o processo de trazer espécies extintas de volta à vida por métodos como a clonagem e a recuperação de DNA
Para quem se importa com o longo prazo, porém, reanimar animais extintos faz todo o sentido. “Para mim, uma das grandes atrações de trazer espécies extintas de volta é quanto tempo vai levar”, escreveu Steward Brand[2]. Mesmo que tudo corra bem, fazer o tigre-da-tasmânia, o pombo-passageiro (Ectopistes migratorius) ou o mamute-lanoso (Mammuthus primigenius) reviver, reproduzir e repovoar seus antigos habitats é projeto para um século. “As crianças que crescerem em tal século talvez tenham uma visão da relação humana com a natureza que não seja trágica, só para variar.”
Pôr as coisas em perspectiva longa é uma das especialidades de Steward Brand[2], ele que nos anos 1960 clamou que a Nasa publicasse imagens da Terra inteira, como forma de fazer ver o que está em jogo – dando um empurrãozinho ao então nascente movimento ambientalista[3]. Para Brand, a defesa da de-extinção faz parte de um projeto maior, o de oferecer um contraponto à atual cultura acelerada e tornar o pensamento de longo prazo mais comum.
[2] Leia o artigo de Steward Brand
[3] Mais na reportagem “Nós que íamos (vamos?) mudar o mundo“
Ele é um dos criadores da Long Now Foundation, organização sem fins lucrativos sediada em San Francisco, na Califórnia, cuja missão é encorajar, criativamente, a responsabilidade para os próximos 10 mil anos. O elo comum entre os vários projetos da fundação é o exercício de imaginar como o presente pode se comunicar com os residentes do futuro distante.
O principal desses projetos está em construção há 18 anos: um relógio para o “longo agora”, período que engloba os últimos 10 mil anos e os 10 mil a seguir.
Nas escalas geológica e astronômica de milhões e bilhões de anos, a experiência humana torna-se tão trivial que impede a ação, diz o diretor-executivo da fundação, Alexander Rose [4]. “Mas, se olharmos para os últimos e os próximos 10 mil, são 400 gerações para trás e para a frente. Se você considera o passado e o futuro, vai fazer coisas inspirado pelo passado e preservar as opções para o futuro e, enquanto age para si mesmo ou para a atual geração, acaba roubando muitas opções das pessoas que virão a seguir.”
[4] Leia a entrevista com Alexander Rose
Os desafios de projetar um relógio para o “longo agora” são vários: como construir algo que será reconhecível em 10 mil anos, mantido por pessoas que podem ter nível tecnológico maior ou menor do que o nosso, como garantir que funcione e se mantenha esteticamente inspirador por tanto tempo?
Algumas respostas a equipe da Long Now tem: será um relógio mecânico, instalado dentro de uma montanha no oeste do Texas, grande o suficiente para permitir que visitantes andem dentro dele. Movido pela diferença de temperatura entre o dia e a noite, contará o tempo constantemente, mas só mostrará a hora e soará – música programada por Brian Eno – quando houver gente por perto para dar corda.
A empreitada de trazer o tigre-da-tasmânia de volta à vida e de construir um relógio para durar 10 mil anos pode parecer absurda, mas, para Brand, Rose e outros envolvidos na ideia do “longo agora”, trata-se de tentar responder a uma questão fundamental. Se um relógio pode funcionar por 10 milênios, não deveríamos garantir que nossa civilização também continue funcionando?