Ações nas franjas das cidades mostram muita coisa sendo feita para mudar a resposta a essa pergunta. Aqui, descrevemos quatro boas iniciativas
Quando falamos em alimentação, o caminho que traz maiores ganhos socioambientais aponta para o consumo de alimentos orgânicos e produtos locais. E é também nisso que aposta a Cidades sem Fome, organização não governamental fundada em 2004. Localizada na Zona Leste da cidade de São Paulo, contabiliza 21 hortas implantadas, nas quais trabalham diretamente 115 pessoas, garantindo a subsistência de 650 pessoas. Há outras 15 hortas em escolas públicas, alcançando 3.972 alunos.
Cultivadas em terrenos públicos ou privados, as hortaliças, totalmente orgânicas, são comercializadas diretamente pelos produtores. A ideia não é competir com feiras ou supermercados, mas beneficiar quem mora no entorno ou pessoas sem condição de se inserir no mercado de trabalho.
A metodologia é aos poucos exportada para outros locais. A Cidades sem Fome já segue rumo a Santos e está também na cidade de Agudo, no Rio Grande do Sul.
A maior dificuldade é manter a folha de pagamento dos seis técnicos envolvidos. Para obter recursos, a organização conta com financiamento vindo de outros países, promove palestras e o “Dia do voluntário na empresa”, levando funcionários de empresas até as hortas para plantar.
“Não queremos vender nas feiras da Água Branca ou do Morumbi, mas fazer com que pessoas de outros bairros visitem a horta e conheçam a rede social por trás dela”, define o idealizador da ONG, Hans Dieter Temp. A renda obtida com a venda das hortaliças fica com os agricultores.
SUSTENTA CAPÃO
Em outro extremo da cidade, na região do Capão Redondo, Zona Sul, dois irmãos investem em alimentação saudável e na reciclagem e reaproveitamento de materiais. Bruno Horácio Pereira dos Santos e José Carlos Anunciação criaram o Ateliê Sustenta Capão, localizado no quintal da casa de José Carlos. É de sua cozinha que saltam pães, geleias, chás, café e outras guloseimas produzidas com frutas e hortaliças das feiras locais. Pneus, garrafas pet e caixotes de feira decoram o ambiente, e um jardim de ervas completa o espaço.
Levantamento realizado no território revelou que grande parte das mulheres acima de 40 anos no entorno do Ateliê não está empregada, e é com essas pessoas que o novo trabalho deverá se desenvolver em um futuro próximo.
O cozinheiro que deixou o trabalho em uma padaria em busca de algo que fosse mais que um emprego (José Carlos) e o rapaz que buscava jeitos de colocar em prática o espírito empreendedor (Bruno) se uniram, e fez-se a alquimia do novo negócio. O que começou com amigos hoje já atrai gente de áreas como Vila Mariana, Vila Olímpia, Faria Lima e da própria região. “Estamos em processo de descobrir de onde virá a sustentabilidade econômica. Queremos trabalhar com oficinas, mostrando como aproveitar melhor os alimentos”, define Bruno, que começará em breve a testar uma máquina de compostagem com intenção de tornar o Ateliê lixo zero[1].
[1] Para conhecer o Ateliê e sua cozinha, é preciso entrar em contato com a dupla através de rede social
FUTURO COMPOSTO
A compostagem é o motor da Revolução dos Baldinhos, iniciativa desenvolvida no bairro Monte Cristo, região continental de Florianópolis (SC). Um problema com ratos na comunidade iniciou o processo que culminou com baldinhos cheios de resíduos orgânicos se transformando em adubo. Duzentas famílias participam da iniciativa, e a expectativa é ampliar para 7,5 mil no prazo de dois anos, com a instalação de um pátio de compostagem com capacidade para processar 15 toneladas de resíduos orgânicos por dia.
A Revolução dos Baldinhos foi finalista do Projeto Social Banco do Brasil, considerada uma tecnologia social inspiradora para outras comunidades.
Parte do composto é doado às famílias que integram o processo – que o utilizam em hortas e jardins
– e a escolas e creches. Outra parte é comercializada, e a renda vai para o grupo comunitário que gere o projeto, financiando bolsas de qualificação para jovens, insumos e gastos básicos de funcionamento.
“Estamos no processo de formação de uma cooperativa até julho. Para isso, jovens da comunidade estão se qualificando em parceria com a Univale”, informa Marcos José de Abreu, agrônomo permacultor do Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro), que coordena o projeto.
O Cepagro atua junto à prefeitura de Florianópolis para que a cooperativa possa receber pela destinação final do resíduo. “A compostagem é a base de um modelo de gestão de resíduos mais sustentável nas cidades, principalmente no sistema de processar tudo no local onde os resíduos são gerados”, define Abreu.
AMBIENTE E SAÚDE PÚBLICA
O fortalecimento dos laços comunitários e das redes é o que dá o caráter sustentável a estas ações. O Programa Ambientes Verdes e Saudáveis (Pavs), desenvolvido pela Prefeitura da Cidade de São Paulo e vários parceiros, desde 2005, com a intenção de implementar políticas públicas voltadas à inclusão das questões ambientais na promoção da saúde da população, também aposta nesta articulação [2].
Balanço recente do Pavs: 269 mil pessoas atingidas; coleta e destinação de 265 toneladas de material reciclável, 52 mil litros de óleo, 10 toneladas de pilhas e baterias; 226 catadores envolvidos; 412 pontos de entrega voluntária; 108 hortas e 1.978 novas árvores.
Uma complexa teia que inclui ONGs, poder público e empresas, escolas, faculdades, instituições religiosas e comunidade local move o programa, articulado a partir da ação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) nos territórios. Equipes multiprofissionais realizam ações de saúde no âmbito da prevenção e da promoção da saúde em um território definido – onde estão presentes aspectos sociais e ambientais que interferem nos problemas de saúde da população –, favorecendo a construção de projetos de intervenção ambiental com a participação efetiva dos moradores da região[3].
[2]Mais em Guia Pavs/Secretaria da Saúde. Coordenação da Atenção Básica. Programa Ambientes Verdes e Saudáveis. São Paulo: SMS, 2012.
[3]Conheça o histórico do Pavs e depoimentos de Agentes de Saúde Comunitários aqui
Os projetos incluem gerenciamento de resíduos sólidos, revitalização de espaços públicos, implantação de hortas e ações culturais e de valorização da comunidade, fortalecendo o vínculo das Unidades Básicas de Saúde (UBS) com os moradores do território e facilitando as ações da atenção básica. “O agente comunitário é a chave do processo. Ele é morador do território, está lá 24 horas por dia, tem a leitura das demandas,” avalia Raquel Bonomo, gestora regional do Pavs na Região Sudeste.