A taxa de desconto é insuficiente para a análise das questões ambientais e de escolha social. Valores intangíveis, éticos e morais precisam entrar na equação
Você sabia que o impacto financeiro da mudança climática nas regiões costeiras do Brasil, hoje, mal dá para comprar uma cobertura em Ipanema? Se a comparação pareceu estranha, vale a pena entender como são feitas essas contas. “Valuation” é o instrumento utilizado para estimar o impacto presente de questões futuras. Assim, podemos ter os ganhos ou perdas de longo prazo expressos em valores correntes. Para este cálculo, utilizamos um importante parâmetro: a taxa de desconto.
Essa variável pode ser compreendida como uma taxa de juros inversa. Para uma pessoa, os retornos perdem um percentual de seu valor presente a cada dia que avançamos no futuro. Essa porcentagem é, efetivamente, a taxa de desconto. A ideia por trás desse parâmetro talvez fique mais clara ao relacioná-lo com dois outros conceitos.
O primeiro deles é a preferência temporal, o grau de preferência dos benefícios no presente em detrimento daqueles do futuro. O outro é o custo de oportunidade, o quanto se ganha, ou se deixa de ganhar, ao aplicar o dinheiro de uma maneira em vez de outra. Em ambos os casos, a taxa de desconto auxilia na decisão – de optar por um benefício agora ou daqui a alguns anos, ou por investir nisso e não naquilo –, ao trazer os resultados futuros a valores atuais.
Embora sejam dois conceitos distintos, estes têm o mesmo impacto nos processos decisórios individuais: valorizam-se mais os ganhos e perdas no presente do que no futuro. Mas as coisas começam a se complicar realmente quando lidamos com problemas de prazo muito longo. Se utilizamos altas taxas, o valor presente das questões muito à frente acaba se tornando irrelevante, o que, na teoria, nos faz privilegiar o curto prazo. O contrário também é verdadeiro.
Os problemas ambientais são um bom exemplo. O estudo Economia da Mudança do Clima no Brasil: Custos e Oportunidades estima que a mudança climática pode causar perdas patrimoniais entre R$ 136 bilhões e R$ 207 bilhões até 2100 nas regiões costeiras brasileiras [1].
Se usarmos uma taxa de desconto de 11%, valor em linha com o mercado nacional, teríamos que esses R$ 207 bilhões daqui a 86 anos equivaleriam a R$ 36 milhões em valores presentes, insuficientes para comprar a cobertura de Ipanema. [2]
Mesmo se reduzíssemos essa taxa para 5%, teríamos um valor presente de R$ 4,3 bilhões, cerca de metade dos gastos públicos em estádios para a Copa do Mundo [3] – o que, na visão do governo federal, não parece ser relevante. Já uma taxa de desconto de 1% eleva o impacto da mudança climática para R$ 122 bilhões, o que não poderia, ou não deveria, ser negligenciado.
[1] Editado por Sergio Margulis e Carolina Burle Schmidt Dubeux, é chamado de “Relatório Stern brasileiro”
[2] Segundo reportagem [3] no site
Qual dessas opções de taxa seria a correta? É nesse ponto que esbarramos em uma limitação da taxa de desconto: quando utilizada para análises de custo-benefício, desconsidera da avaliação as questões não monetárias, como os valores intangíveis do meio ambiente. Ao utilizarmos uma alta taxa de desconto determinada pelo mercado, ignoramos, por exemplo, o princípio de equidade intergeracional, porque o cálculo aponta que os problemas da geração atual valem mais do que os das gerações futuras.
Mesmo a lógica difundida de que taxas de descontos maiores favorecem a depredação ambiental por minimizarem os impactos futuros não é sempre verdadeira. A queda na taxa de desconto pode ter efeitos distintos: o de conservação, já explicado, em que a baixa da taxa torna o consumo futuro e a poupança mais atrativos; e o de desinvestimento, em que uma taxa de desconto reduzida diminui os custos de exploração dos recursos e impulsiona a depredação ambiental.
A taxa de desconto, portanto, é insuficiente para a análise das questões ambientais e de escolha social. Isso porque o desconto se atém ao aspecto de alocação eficiente de recursos. Desse modo, toda discussão se reduz a questões pecuniárias, desprezando as considerações éticas – como se convencionou no mainstream econômico.
Para minimizar esse efeito, faz-se necessário a integração das questões socioambientais na análise econômica e o entendimento da interdependência entre sociedade, economia e meio ambiente, em substituição ao mecanicismo e reducionismo vigentes. Devemos ter em mente que as análises puramente financeiras, relacionadas ao conceito de eficiência e de escolha racional individual, devem ser apenas um dos insumos para a tomada de decisões políticas e escolhas sociais, não o único. Relegar as considerações éticas e morais a um segundo plano é que não é nada inteligente.
*Economista pela UFRJ, é consultor da Sitawi – Finanças do Bem (fseifert@sitawi.net – www.sitawi.net)