Pesquisa de PÁGINA22 com 44 operadoras convencionais de turismo no Brasil indica que apenas 7 delas preocupam-se com boas práticas socioambientais
A operadora de turismo Litoral Verde promove anualmente o Natal Ecológico na Ilha Grande, no litoral fluminense, em parceria com a Organização para Sustentabilidade da Ilha Grande (Osig), e trabalha com uma linha de hotéis que possuem uma pegada mais ecológica – como a do Txai Resort (imagem acima), em Itacaré, litoral da Bahia, que protege as tartarugas marinhas que desovam no litoral sul da Bahia, além de ajudar financeiramente pequenos agricultores locais que lhe fornecem produtos orgânicos.
Na Agaxtur, outra grande operadora, por sua vez, o foco inicial foi a assimilação do conceito de sustentabilidade por seus mais de 200 funcionários. Com isso, pretende reduzir substancialmente o uso de energia, papel e copos descartáveis. Somente a sede da operadora, em São Paulo, cortou em 50% seu gasto mensal com energia elétrica entre 2010 e o ano passado, graças à adoção de um contrato de demanda com a Eletropaulo. Nos treinamentos a seus fornecedores, a operadora Agaxtur os estimula a comunicar ações sustentáveis, tais como proteção ambiental, respeito aos direitos trabalhistas e valorização da cultura local nos destinos vendidos.
Essas informações fazem parte de um levantamento que PÁGINA22 realizou por e-mail, telefone e nos sites de 44 das principais operadoras de turismo do Brasil, revelando que somente 7 delas desenvolvem ações de sustentabilidade e responsabilidade social – Agaxtur, CVC, Nascimento, Maktour, Latitude 30o, Litoral Norte e Sanchat [1] . É preocupante, pois as operadoras de turismo representam o nível mais influente da cadeia de valor do turismo, muitas vezes pautando orientações de agências, hotéis e empresas especializadas em passeios turísticos [2].
[1] Além das operadoras citadas no texto, a reportagem pesquisou os sites da New Age, Pomptur, STB, Visual, das 20 associadas da Brasil Total Receptivos, e as páginas de nove operadoras ligadas à Associação Brasileira de Turismo Receptivo Internacional (Bito) – Brazilian Summer, Promotional, Turismo Clássico, Iguassu Globo, Slavian, Easygoing, Fellini, Ideia Tours e Luck
[2] Não foram incluídas na pesquisa da revista operadoras do segmento de ecoturismo e turismo de aventura, uma vez que o objetivo era aferir a atuação das operadoras convencionais, que trabalham com programas gerais, não restritos a um nicho
A reportagem tentou respostas por e-mail e entrevistas com CVC, Nascimento, Agaxtur, CI – Central de Intercâmbio, Decolar.com e Submarino Viagens. A CVC informou que não poderia conceder entrevista nem responder às questões por e-mail. A Nascimento não respondeu nem agendou entrevista. A CI apenas se limitou a dizer por e-mail que deixou recentemente o Programa Braztoa de Sustentabilidade (PBS), criado pela Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa) para incentivar boas práticas tanto internamente como na cadeia de fornecedores. A Decolar.com disse que não realiza ações sustentáveis, e o Submarino Viagens informou que a holding Submarino publica relatórios de sustentabilidade, mas não esclareceu se há uma política de sustentabilidade no seu braço de turismo.
“Sustentabilidade ainda não é prioridade para muitas empresas do setor”, reconhece Andrea Leone, diretora socioambiental da Braztoa e vice-presidente da Agaxtur. A Braztoa, contudo, empreende desde 2011, quando criou o PBS, um esforço para introduzir o tema na agenda do setor. A partir daí, vem trabalhando em várias frentes. Inicialmente, formulou 143 requisitos para nortear o desenvolvimento pelas operadoras de políticas de sustentabilidade e planos de ação com objetivos, metas e indicadores.
No fim de 2012, 20 associadas da Braztoa que aderiram ao PBS já utilizavam 80 desses requisitos.
Foram realizadas oficinas educativas com as operadoras em 2012 e 2013 com o foco centrado em ações internas. “Era necessário primeiro levar esse conceito aos funcionários das empresas. Em uma segunda fase, passamos a discutir o papel dos fornecedores, e, na terceira etapa, o alvo será o consumidor”, explica Denise Port Nascimento, analista de projetos em turismo e sustentabilidade da Sextante, consultoria que assessora a Braztoa no PBS.
A Braztoa também se tornou parceira de programas internacionais, como a Aliança Global para o Turismo Sustentável, iniciativa da ONU, e a Travelife, entidade europeia que concede certificações de sustentabilidade no setor de turismo. “Esperamos que duas ou três operadoras brasileiras sejam certificadas pela Travelife ainda neste ano”, prevê Andrea, que destaca a comunicação como um sério gargalo na atuação das operadoras. “Melhorar a comunicação das ações sustentáveis das operadoras e seus fornecedores é fundamental para expandir as boas práticas para toda a cadeia do turismo.”
Há três desafios importantes a serem enfrentados, segundo a analista da Sextante: comprometimento da direção da empresa; sintonia da legislação trabalhista com a característica sazonal da atividade turística; e gestão de uma cadeia complexa e difusa, com milhares de atores em uma gama ampla de atividades, tais como hospedagem, restaurantes, agências, receptivos locais e transporte. “O cumprimento das leis trabalhistas é um critério obrigatório para a empresa receber a concessão de c ertificação de turismo sustentável. No entanto, há muita informalidade no setor, visto que o volume de trabalho varia conforme a estação”, observa Paula Arantes, consultora em turismo sustentável. Para ela, uma possível solução seria a criação de uma espécie de Supersimples do Turismo, a fim de facilitar a emissão de notas fiscais por prestadores de serviço.
Cumprimento da legislação trabalhista também é uma exigência básica do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para disponibilizar financiamentos aos diversos elos da cadeia do turismo. “Não sei se dá para dizer que (o problema da sazonalidade) é uma característica só do turismo. Há no País uma miríade de pequenas empresas que acabam infelizmente trabalhando à margem. A própria existência do microempreendedor individual é uma das ações que buscam trazer para a formalidade a economia como um todo”, assinala Ana Costa, chefe do departamento de bens de consumo, comércio e serviços do banco. “A gente também tenta construir com as empresas essa formalização. É o papel do BNDES”, emenda Rodrigues Teixeira Júnior, gerente do departamento. O banco exige todas as licenças ambientais previstas em lei.
Em que pese o mérito do PBS, é bastante preocupante que a maior parte das operadoras, ponta de lança de um dos setores que mais geram problemas socioambientais, sobretudo nos países em desenvolvimento, passe ao largo da responsabilidade socioambiental. Há alguma coisa que o governo poderia fazer para incentivar as operadoras a adotarem ações sustentáveis, a exemplo de regras que condicionem a aprovação de crédito às empresas?
Responde a assessoria de imprensa do Ministério do Turismo por e-mail: “A regulação para que operadoras turísticas adotem políticas de sustentabilidade dependeria de uma legislação específica, ultrapassando nossa competência”.[:en]Pesquisa de PÁGINA22 com 44 operadoras convencionais de turismo no Brasil indica que apenas 7 delas preocupam-se com boas práticas socioambientais
A operadora de turismo Litoral Verde promove anualmente o Natal Ecológico na Ilha Grande, no litoral fluminense, em parceria com a Organização para Sustentabilidade da Ilha Grande (Osig), e trabalha com uma linha de hotéis que possuem uma pegada mais ecológica – como a do Txai Resort (imagem acima), em Itacaré, litoral da Bahia, que protege as tartarugas marinhas que desovam no litoral sul da Bahia, além de ajudar financeiramente pequenos agricultores locais que lhe fornecem produtos orgânicos.
Na Agaxtur, outra grande operadora, por sua vez, o foco inicial foi a assimilação do conceito de sustentabilidade por seus mais de 200 funcionários. Com isso, pretende reduzir substancialmente o uso de energia, papel e copos descartáveis. Somente a sede da operadora, em São Paulo, cortou em 50% seu gasto mensal com energia elétrica entre 2010 e o ano passado, graças à adoção de um contrato de demanda com a Eletropaulo. Nos treinamentos a seus fornecedores, a operadora Agaxtur os estimula a comunicar ações sustentáveis, tais como proteção ambiental, respeito aos direitos trabalhistas e valorização da cultura local nos destinos vendidos.
Essas informações fazem parte de um levantamento que PÁGINA22 realizou por e-mail, telefone e nos sites de 44 das principais operadoras de turismo do Brasil, revelando que somente 7 delas desenvolvem ações de sustentabilidade e responsabilidade social – Agaxtur, CVC, Nascimento, Maktour, Latitude 30o, Litoral Norte e Sanchat [1] . É preocupante, pois as operadoras de turismo representam o nível mais influente da cadeia de valor do turismo, muitas vezes pautando orientações de agências, hotéis e empresas especializadas em passeios turísticos [2].
[1] Além das operadoras citadas no texto, a reportagem pesquisou os sites da New Age, Pomptur, STB, Visual, das 20 associadas da Brasil Total Receptivos, e as páginas de nove operadoras ligadas à Associação Brasileira de Turismo Receptivo Internacional (Bito) – Brazilian Summer, Promotional, Turismo Clássico, Iguassu Globo, Slavian, Easygoing, Fellini, Ideia Tours e Luck
[2] Não foram incluídas na pesquisa da revista operadoras do segmento de ecoturismo e turismo de aventura, uma vez que o objetivo era aferir a atuação das operadoras convencionais, que trabalham com programas gerais, não restritos a um nicho
A reportagem tentou respostas por e-mail e entrevistas com CVC, Nascimento, Agaxtur, CI – Central de Intercâmbio, Decolar.com e Submarino Viagens. A CVC informou que não poderia conceder entrevista nem responder às questões por e-mail. A Nascimento não respondeu nem agendou entrevista. A CI apenas se limitou a dizer por e-mail que deixou recentemente o Programa Braztoa de Sustentabilidade (PBS), criado pela Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa) para incentivar boas práticas tanto internamente como na cadeia de fornecedores. A Decolar.com disse que não realiza ações sustentáveis, e o Submarino Viagens informou que a holding Submarino publica relatórios de sustentabilidade, mas não esclareceu se há uma política de sustentabilidade no seu braço de turismo.
“Sustentabilidade ainda não é prioridade para muitas empresas do setor”, reconhece Andrea Leone, diretora socioambiental da Braztoa e vice-presidente da Agaxtur. A Braztoa, contudo, empreende desde 2011, quando criou o PBS, um esforço para introduzir o tema na agenda do setor. A partir daí, vem trabalhando em várias frentes. Inicialmente, formulou 143 requisitos para nortear o desenvolvimento pelas operadoras de políticas de sustentabilidade e planos de ação com objetivos, metas e indicadores.
No fim de 2012, 20 associadas da Braztoa que aderiram ao PBS já utilizavam 80 desses requisitos.
Foram realizadas oficinas educativas com as operadoras em 2012 e 2013 com o foco centrado em ações internas. “Era necessário primeiro levar esse conceito aos funcionários das empresas. Em uma segunda fase, passamos a discutir o papel dos fornecedores, e, na terceira etapa, o alvo será o consumidor”, explica Denise Port Nascimento, analista de projetos em turismo e sustentabilidade da Sextante, consultoria que assessora a Braztoa no PBS.
A Braztoa também se tornou parceira de programas internacionais, como a Aliança Global para o Turismo Sustentável, iniciativa da ONU, e a Travelife, entidade europeia que concede certificações de sustentabilidade no setor de turismo. “Esperamos que duas ou três operadoras brasileiras sejam certificadas pela Travelife ainda neste ano”, prevê Andrea, que destaca a comunicação como um sério gargalo na atuação das operadoras. “Melhorar a comunicação das ações sustentáveis das operadoras e seus fornecedores é fundamental para expandir as boas práticas para toda a cadeia do turismo.”
Há três desafios importantes a serem enfrentados, segundo a analista da Sextante: comprometimento da direção da empresa; sintonia da legislação trabalhista com a característica sazonal da atividade turística; e gestão de uma cadeia complexa e difusa, com milhares de atores em uma gama ampla de atividades, tais como hospedagem, restaurantes, agências, receptivos locais e transporte. “O cumprimento das leis trabalhistas é um critério obrigatório para a empresa receber a concessão de c ertificação de turismo sustentável. No entanto, há muita informalidade no setor, visto que o volume de trabalho varia conforme a estação”, observa Paula Arantes, consultora em turismo sustentável. Para ela, uma possível solução seria a criação de uma espécie de Supersimples do Turismo, a fim de facilitar a emissão de notas fiscais por prestadores de serviço.
Cumprimento da legislação trabalhista também é uma exigência básica do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para disponibilizar financiamentos aos diversos elos da cadeia do turismo. “Não sei se dá para dizer que (o problema da sazonalidade) é uma característica só do turismo. Há no País uma miríade de pequenas empresas que acabam infelizmente trabalhando à margem. A própria existência do microempreendedor individual é uma das ações que buscam trazer para a formalidade a economia como um todo”, assinala Ana Costa, chefe do departamento de bens de consumo, comércio e serviços do banco. “A gente também tenta construir com as empresas essa formalização. É o papel do BNDES”, emenda Rodrigues Teixeira Júnior, gerente do departamento. O banco exige todas as licenças ambientais previstas em lei.
Em que pese o mérito do PBS, é bastante preocupante que a maior parte das operadoras, ponta de lança de um dos setores que mais geram problemas socioambientais, sobretudo nos países em desenvolvimento, passe ao largo da responsabilidade socioambiental. Há alguma coisa que o governo poderia fazer para incentivar as operadoras a adotarem ações sustentáveis, a exemplo de regras que condicionem a aprovação de crédito às empresas?
Responde a assessoria de imprensa do Ministério do Turismo por e-mail: “A regulação para que operadoras turísticas adotem políticas de sustentabilidade dependeria de uma legislação específica, ultrapassando nossa competência”.