Olha isso!
Era uma vez dois córregos. O de São Paulo chamava-se Itororó, e o de Seul, Cheonggyecheon. Durante muitas décadas, esses dois córregos trilharam caminhos relativamente similares — e pelos mesmos motivos. Nas décadas de 1920 e 1930, surgiram os primeiros projetos para asfaltamento dos rios, na busca do alívio para as “crises de crescimento” vividas pelas respectivas cidades.
No fim dos anos 1950, os rios começaram a ser pavimentados — o Córrego do Itororó transformou-se na Avenida 23 de Maio. No começo, as obras tornaram-se um símbolo do crescimento e da modernização das cidades. Mas o trânsito,contrariando as expectativas dos idealizadores das obras, piorou.
Na mesma época em que eram inauguradas as duas vias expressas, o matemático alemão Dietrich Braess publicava um trabalho que ficou posteriormente conhecido por “paradoxo de Braess”. Segundo ele, a adição de capacidade (mais pistas) a uma rede rodoviária, quando cada motorista tenta minimizar seu próprio tempo de viagem, pode levar a uma redução do desempenho geral dessa rede. O paradoxo já foi observado empiricamente não apenas no trânsito, mas também no âmbito da física e da engenharia.
Agrava-se a esse paradoxo o fato de a frota dessas cidades crescer muito mais rápido do que sua capacidade de adicionar novas pistas — estimulada não apenas pela estabilidade econômica ou por políticas de incentivo fiscal, mas também pela própria expectativa que uma obra viária de grande porte traz a seus cidadãos a respeito da melhora — nunca realizada — da fluidez do trânsito.
Felizmente, a piora pode ser revertida, invertendo-se o sentido do paradoxo de Braess. Em 2003, o prefeito de Seul decidiu remover as pistas expressas e restaurar o córrego Cheonggyecheon.
Reinaugurado em 2005, o projeto recuperou a paisagem urbanística da cidade (tornando-se destino não apenas de turistas como dos próprios sul-coreanos), aliviou a temperatura do entorno (em 3,6 °C na média) e, de quebra, ainda melhorou o trânsito local (mais gente passou a fazer seu deslocamento de ônibus e de metrô).
O caso não foi isolado: em 1969, em Stuttgart, na Alemanha, a construção de um anel viário trouxe caos para o trânsito da cidade. Em vez de insistirem no erro, a situação foi restaurada com a demolição da obra. Nos anos 1990, Nova York fechou a rua 42 de Manhattan e viu o trânsito melhorar. A experiência vem sendo replicada desde 2009, em mais de 50 pontos da cidade (mais detalhes aqui).
Em nome do progresso, centenas de outros rios e córregos de São Paulo foram “enterrados vivos”. Os custos da desconexão mental e afetiva dos cidadãos de uma cidade com seus corpos d’água são imensos, ainda que difíceis de se precisar. E o paradoxo de Braess também nos mostra que os ganhos dessa opção para uma cidade são incertos — quando existem.
*Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV-SP[:en]Olha isso!
Era uma vez dois córregos. O de São Paulo chamava-se Itororó, e o de Seul, Cheonggyecheon. Durante muitas décadas, esses dois córregos trilharam caminhos relativamente similares — e pelos mesmos motivos. Nas décadas de 1920 e 1930, surgiram os primeiros projetos para asfaltamento dos rios, na busca do alívio para as “crises de crescimento” vividas pelas respectivas cidades.
No fim dos anos 1950, os rios começaram a ser pavimentados — o Córrego do Itororó transformou-se na Avenida 23 de Maio. No começo, as obras tornaram-se um símbolo do crescimento e da modernização das cidades. Mas o trânsito,contrariando as expectativas dos idealizadores das obras, piorou.
Na mesma época em que eram inauguradas as duas vias expressas, o matemático alemão Dietrich Braess publicava um trabalho que ficou posteriormente conhecido por “paradoxo de Braess”. Segundo ele, a adição de capacidade (mais pistas) a uma rede rodoviária, quando cada motorista tenta minimizar seu próprio tempo de viagem, pode levar a uma redução do desempenho geral dessa rede. O paradoxo já foi observado empiricamente não apenas no trânsito, mas também no âmbito da física e da engenharia.
Agrava-se a esse paradoxo o fato de a frota dessas cidades crescer muito mais rápido do que sua capacidade de adicionar novas pistas — estimulada não apenas pela estabilidade econômica ou por políticas de incentivo fiscal, mas também pela própria expectativa que uma obra viária de grande porte traz a seus cidadãos a respeito da melhora — nunca realizada — da fluidez do trânsito.
Felizmente, a piora pode ser revertida, invertendo-se o sentido do paradoxo de Braess. Em 2003, o prefeito de Seul decidiu remover as pistas expressas e restaurar o córrego Cheonggyecheon.
Reinaugurado em 2005, o projeto recuperou a paisagem urbanística da cidade (tornando-se destino não apenas de turistas como dos próprios sul-coreanos), aliviou a temperatura do entorno (em 3,6 °C na média) e, de quebra, ainda melhorou o trânsito local (mais gente passou a fazer seu deslocamento de ônibus e de metrô).
O caso não foi isolado: em 1969, em Stuttgart, na Alemanha, a construção de um anel viário trouxe caos para o trânsito da cidade. Em vez de insistirem no erro, a situação foi restaurada com a demolição da obra. Nos anos 1990, Nova York fechou a rua 42 de Manhattan e viu o trânsito melhorar. A experiência vem sendo replicada desde 2009, em mais de 50 pontos da cidade (mais detalhes aqui).
Em nome do progresso, centenas de outros rios e córregos de São Paulo foram “enterrados vivos”. Os custos da desconexão mental e afetiva dos cidadãos de uma cidade com seus corpos d’água são imensos, ainda que difíceis de se precisar. E o paradoxo de Braess também nos mostra que os ganhos dessa opção para uma cidade são incertos — quando existem.
*Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV-SP