Se nos zoos e aquários já é difícil garantir o bem-estar dos animais, quem dirá em circos e parques como o SeaWorld?
Quem visitou zoológicos quando criança deve se lembrar da euforia em conhecer animais só vistos antes na TV. Há quem diga que esses momentos ajudam a desenvolver a consciência ambiental. Rosângela Ribeiro, da Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA, na sigla em inglês), discorda: “Que tipo de mensagem queremos passar para uma criança? A de que um animal deve ficar confinado?”
De qualquer maneira, há algumas condições para o bem-estar animal que podem ser garantidas em cativeiro, mas dependem de muito esforço e treinamento – além dos custos mais altos. Uma vez fora do ambiente natural, o animal já começa a apresentar alterações de comportamento, que depende muito da forma como é mantido, explica a professora Angélica Vasconcellos, da Pós-Graduação em Zoologia de Vertebrados da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Segundo a professora, atualmente, algumas instituições usam técnicas de enriquecimento ambiental [1]como forma de aproximar o ambiente de cativeiro do natural não fisicamente, mas em suas funções. “Manter o ambiente enriquecido é uma obrigação ética, uma vez que o animal foi retirado do seu lugar”, afirma.
[1] Intervenções no ambiente de alojamento que estimulem os animais a manifestar seus comportamentos naturais e fazerem novas descobertas. Esconder alimentos em caixas, instalar redes e escadas ou inserir odores diferentes no cativeiro são exemplos
Por outro lado, Rosângela, da WSPA, acredita que é impossível reproduzir as condições da natureza em cativeiro, mesmo com o enriquecimento ambiental. “O ambiente do zoológico é muito estressante física e psicologicamente.” Ela defende que animais não devem ser confinados, a não ser que façam parte de um programa de conservação válido, cujo objetivo seja sua reabilitação futura e seu consequente retorno à vida selvagem. “Parques ecológicos são um exemplo mais ético e sustentável de como desenvolver a educação ambiental”, completa.
MAU GOSTO
Se nos zoos e aquários já é difícil manter o bem-estar dos animais, quem dirá em “espetáculos” que envolvem grandes plateias, muitos treinamentos, espaços reduzidos e até mutilações. Rodeios, circos e parques como o americano SeaWorld [2] são muito populares entre humanos, mas nada divertidos para os bichos.
[2] Leia a reportagem sobre os documentários Blackfish e The Cove, que denunciam o sofrimento dos cetáceos em cativeiro
“Do ponto de vista ético, não existe uma justificativa para utilizar animais para entretenimento, não há sequer necessidade. E a maioria dessas práticas acarreta sofrimento para o animal”, argumenta Rosângela.
O uso de animais em entretenimento, além de ter consequências negativas no seu bem-estar, atribui valores econômicos a eles e alimenta uma indústria perversa de comércio. Espécies mais raras valem mais que outras que se reproduzem com mais facilidade, por exemplo. “Não se sabe onde alguns zoológicos, circos e parques aquáticos adquirem seus animais e as consequências que isso provoca”, alega Rosângela.
FALTAM SANTUÁRIOS
Silvia Pompeu conhece bem o sofrimento dos animais usados para a diversão de humanos. O santuário de recuperação que fundou e administra, Rancho dos Gnomos, em Cotia (SP), abriga animais feridos em circos, rinhas e romarias, fora os abandonados e apreendidos pelo poder público.
Ultimamente, também chegam animais de zoológicos interditados por flagrantes de maus-tratos. A recuperação é cara e longa, e muitas vezes não há chances de retorno à natureza. “Leões de circo, por exemplo, não são da fauna brasileira e não podem ser reintroduzidos. E muitos não podem nem ir para zoológicos habilitados, porque chegam muito mutilados e ninguém quer expor um bicho assim”, lamenta Silvia.
Apesar do alto custo de operação desses santuários, Silvia garante que não recebe nenhuma ajuda do poder público, mesmo abrigando pelo menos um décimo dos animais apreendidos no estado de São Paulo. A falta de apoio e estrutura de centros de recuperação é uma das principais fragilidades do combate a crimes ambientais contra animais silvestres e exóticos [3].
[3] São considerados silvestres os animais não domésticos pertencentes à fauna brasileira. Mantê-los em cativeiro é crime ambiental no Brasil, a não ser que sejam provenientes de criadouros legais. Já os exóticos pertencem à fauna estrangeira e foram introduzidos no País por motivações comerciais ou pelo tráfico de animais
Caso seja aprovado o Projeto de Lei nº 7.291/06, que proíbe o uso de animais em circo em todo o território nacional, a demanda por santuários se tornará ainda mais urgente. Dez estados e 60 municípios brasileiros já aderiram à proibição. Mas muitos circos burlam a lei em cidades interioranas ou abandonam alguns dos seus animais antes de entrar em lugares onde eles são banidos, gerando problemas de saúde e segurança pública.