Após desafiar os deuses, reza a mitologia grega, Sísifo foi condenado a carregar eternamente uma pedra até o topo de uma montanha; ao chegar lá, no entanto, a pedra rolava para baixo, e seu trabalho tinha de começar novamente do zero. “Trabalho de Sísifo” transformou-se em uma alegoria ao trabalho sem sentido.
O economista Dan Ariely, frequentemente mencionado nesta coluna, realizou uma série de experimentos que exploraram a ideia de sentido do trabalho (ver sua palestra TED). Em um deles, foram dadas aos participantes peças de Lego para que montassem um robô, em troca de uma pequena quantia em dinheiro. A tarefa era repetida, oferecendo-se uma quantia cada vez menor, até que os participantes não estivessem mais dispostos a fazê-lo – em “economês”, até quando a receita marginal (o dinheiro) se tornava inferior ao custo marginal (o esforço).
Inspirada no mito de Sísifo, uma variação do experimento desmontava o robô recém-montado na frente do participante, enquanto ele ainda montava o seguinte. Nessa variação, a disposição para montar novos robôs diminuía significativamente. O propósito do trabalho havia mudado muito pouco: no experimento original, os pesquisadores informavam que os robôs seriam posteriormente desmontados e entregues a novos participantes. Mas quando a desmontagem ocorria diante dos olhos de seu criador, o impacto deletério sobre sua motivação era nitidamente maior.
Por mais de três anos, o escritor Kevin Roose, autor de Young Money: Inside the Hidden World of Wall Street’s Post-Crash Recruits (“Dinheiro jovem: Dentro do mundo secreto de recrutas de Wall Street após a quebra”, em tradução livre) acompanhou a incipiente carreira de oito jovens funcionários de grandes bancos americanos após o colapso financeiro de 2008.
Roose observa que Wall Street parece ter perdido seu prestígio entre a geração Y. Ao final do livro, dos oito jovens, apenas três deles ainda continuavam no mundo das finanças, e apenas um se mantinha satisfeito com seu trabalho. Na pesquisa de 2011 que cita no livro, as empresas mais desejadas por recém-graduados são aquelas do Vale do Silício, onde, entendem, está se criando algo de valor. O banco mais bem colocado aparecia apenas na 41ª posição do ranking – na listagem de 2014, entretanto, eles voltam a aparecer já na 5ª e 9ª posições.
O resultado não parece advir da falta de recompensa interna – os bônus de Wall Street já retornaram aos níveis pré-crise –, mas da diminuição do reconhecimento social sobre o valor criado por esse segmento da economia. Isso pode ser uma boa notícia para aqueles que defendem um desenvolvimento mais sustentável: a noção de atividades que “destroem” valor mais do que criam pode afastar novos talentos dessas atividades, dificultando sua continuidade, ainda que a longo prazo.
*Doutor em Administração Pública e Governo
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Após desafiar os deuses, reza a mitologia grega, Sísifo foi condenado a carregar eternamente uma pedra até o topo de uma montanha; ao chegar lá, no entanto, a pedra rolava para baixo, e seu trabalho tinha de começar novamente do zero. “Trabalho de Sísifo” transformou-se em uma alegoria ao trabalho sem sentido.
O economista Dan Ariely, frequentemente mencionado nesta coluna, realizou uma série de experimentos que exploraram a ideia de sentido do trabalho (ver sua palestra TED). Em um deles, foram dadas aos participantes peças de Lego para que montassem um robô, em troca de uma pequena quantia em dinheiro. A tarefa era repetida, oferecendo-se uma quantia cada vez menor, até que os participantes não estivessem mais dispostos a fazê-lo – em “economês”, até quando a receita marginal (o dinheiro) se tornava inferior ao custo marginal (o esforço).
Inspirada no mito de Sísifo, uma variação do experimento desmontava o robô recém-montado na frente do participante, enquanto ele ainda montava o seguinte. Nessa variação, a disposição para montar novos robôs diminuía significativamente. O propósito do trabalho havia mudado muito pouco: no experimento original, os pesquisadores informavam que os robôs seriam posteriormente desmontados e entregues a novos participantes. Mas quando a desmontagem ocorria diante dos olhos de seu criador, o impacto deletério sobre sua motivação era nitidamente maior.
Por mais de três anos, o escritor Kevin Roose, autor de Young Money: Inside the Hidden World of Wall Street’s Post-Crash Recruits (“Dinheiro jovem: Dentro do mundo secreto de recrutas de Wall Street após a quebra”, em tradução livre) acompanhou a incipiente carreira de oito jovens funcionários de grandes bancos americanos após o colapso financeiro de 2008.
Roose observa que Wall Street parece ter perdido seu prestígio entre a geração Y. Ao final do livro, dos oito jovens, apenas três deles ainda continuavam no mundo das finanças, e apenas um se mantinha satisfeito com seu trabalho. Na pesquisa de 2011 que cita no livro, as empresas mais desejadas por recém-graduados são aquelas do Vale do Silício, onde, entendem, está se criando algo de valor. O banco mais bem colocado aparecia apenas na 41ª posição do ranking – na listagem de 2014, entretanto, eles voltam a aparecer já na 5ª e 9ª posições.
O resultado não parece advir da falta de recompensa interna – os bônus de Wall Street já retornaram aos níveis pré-crise –, mas da diminuição do reconhecimento social sobre o valor criado por esse segmento da economia. Isso pode ser uma boa notícia para aqueles que defendem um desenvolvimento mais sustentável: a noção de atividades que “destroem” valor mais do que criam pode afastar novos talentos dessas atividades, dificultando sua continuidade, ainda que a longo prazo.
*Doutor em Administração Pública e Governo