Incentivo econômico é eficaz para a conservação da floresta, mostra estudo
A conservação da vegetação nativa do Brasil permanece como um grande desafio. Ameaçada pela expansão da fronteira agropecuária, pela construção de infraestrutura, pelo crescimento econômico sem planejamento territorial e pela governança insuficiente, as metas nacionais de redução do desmatamento, de emissões de gases que agravam o efeito estufa e de restauração da vegetação ficam comprometidas.
A complexidade para atingi-las requer um conjunto integrado de ações públicas e privadas, mandatórias e voluntárias, de comando e controle e de incentivos. No entanto, apesar da importância da conservação da vegetação nativa para o cumprimento desses compromissos, ainda faltam estímulos e instrumentos econômicos que promovam a sua proteção, visando o cumprimento da legislação ou mesmo sua superação.
O Código Florestal, aprovado em 2012, trata explicitamente dos mecanismos econômicos, mas estes ainda não foram regulamentados.
Assim, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e um conjunto de pesquisadores de diferentes universidades avaliaram a contribuição da certificação socioambiental, como um instrumento econômico voluntário, para a conservação da vegetação nativa no Brasil, e o resultado foi publicado na série Sustentabilidade em Debate, inaugurada recentemente.
Analisamos a abrangência da implementação no Brasil da certificação florestal Forest Stewardship Council (FSC) e do sistema de certificação agrícola da Rede de Agricultura Sustentável – Rainforest Alliance (RAS). Consideramos as mudanças causadas pela implementação desses sistemas em relação à conservação da vegetação nativa e fizemos estudos de caso avaliando o cumprimento do Código Florestal e a quantidade e a qualidade da conservação da vegetação nativa em fazendas de café certificadas e não certificadas do Cerrado de Minas Gerais.
Os números indicam que a certificação socioambiental já possui abrangência nacional, está em diversos biomas, regiões e estados e em empreendimentos de tamanhos variados, em escala comercial de cadeias produtivas de alta competitividade, como madeira, papel e celulose, café, laranja, cana e soja. Os resultados apontaram ainda que a certificação tem contribuído com mudanças em direção à redução do desmatamento, promoção da restauração de matas ciliares e nascentes, aumento da conexão entre remanescentes de vegetação nativa e da oferta de hábitat para a biodiversidade em propriedades rurais.
Os dois sistemas de certificação estudados – o FSC, florestal, e a RAS, para agricultura – englobam mais de 1,5 milhão de hectares dedicados à conservação, e os empreendimentos certificados respondem por uma área de vegetação nativa maior do que os de seus vizinhos.
Tanto na Mata Atlântica quanto no Cerrado, as áreas de conservação de vegetação nativa dos empreendimentos certificados representaram, em média, 35% da área total. As fazendas de café certificadas, em Minas Gerais, possuíam 10% de cerrado nativo, enquanto as não certificadas tinham apenas 0,4% da sua área com essa vegetação. E o cumprimento do Código Florestal foi sempre maior em fazendas certificadas, tanto para os requisitos de Área de Preservação Permanente (APP) como de Reserva Legal. A diferença também estava presente na maior restauração de matas ciliares em fazendas certificadas.
O efeito da certificação fica ainda mais evidente quando comparado a dados médios nacionais da agropecuária nacional, que apontam a continuidade do desmatamento em diversos biomas brasileiros, um déficit de Reserva Legal de 17 milhões de hectares em imóveis rurais e 30 milhões de hectares de APPs às margens de rios ocupados com pastos e culturas agrícolas. Além disso, quase metade das APPs das matas ciliares do País tem uso agropecuário, percentual que chega a 73% na Mata Atlântica.
O principal papel da certificação e de instrumentos voluntários de mercado é o de inovar e demonstrar soluções para os desafios da sustentabilidade. Sua abrangência e escala têm sido capazes de promover o debate público, pautar uma agenda de pesquisa e políticas públicas, induzir mudanças na gestão e práticas de produção no campo, em cadeias produtivas nacionais e internacionais.
A superação do desafio maior, todavia, será alcançado apenas quando incentivos e instrumentos inovadores, como a certificação, forem coordenados com políticas públicas, que têm o papel e a responsabilidade de solucionar, definitivamente, a questão do relacionamento equilibrado entre a produção agropecuária e a conservação da natureza. Acesse o trabalho na íntegra [1].
[1] Autores do trabalho: Luís Fernando Guedes Pinto e Elisa Hardt, pesquisadores do Imaflora; Rozely Ferreira dos Santos, professora associada da Unicamp; Jean Paul Metzger, professor titular do Departamento de Ecologia da USP; Gerd Sparovek, professor titular da Esalq-USP; e Edoardo Borgomeo, doutorando da Universidade de Oxford
* Engenheiro agrônomo e gerente de certificação agrícola do Imaflora
[:en]Incentivo econômico é eficaz para a conservação da floresta, mostra estudo
A conservação da vegetação nativa do Brasil permanece como um grande desafio. Ameaçada pela expansão da fronteira agropecuária, pela construção de infraestrutura, pelo crescimento econômico sem planejamento territorial e pela governança insuficiente, as metas nacionais de redução do desmatamento, de emissões de gases que agravam o efeito estufa e de restauração da vegetação ficam comprometidas.
A complexidade para atingi-las requer um conjunto integrado de ações públicas e privadas, mandatórias e voluntárias, de comando e controle e de incentivos. No entanto, apesar da importância da conservação da vegetação nativa para o cumprimento desses compromissos, ainda faltam estímulos e instrumentos econômicos que promovam a sua proteção, visando o cumprimento da legislação ou mesmo sua superação.
O Código Florestal, aprovado em 2012, trata explicitamente dos mecanismos econômicos, mas estes ainda não foram regulamentados.
Assim, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e um conjunto de pesquisadores de diferentes universidades avaliaram a contribuição da certificação socioambiental, como um instrumento econômico voluntário, para a conservação da vegetação nativa no Brasil, e o resultado foi publicado na série Sustentabilidade em Debate, inaugurada recentemente.
Analisamos a abrangência da implementação no Brasil da certificação florestal Forest Stewardship Council (FSC) e do sistema de certificação agrícola da Rede de Agricultura Sustentável – Rainforest Alliance (RAS). Consideramos as mudanças causadas pela implementação desses sistemas em relação à conservação da vegetação nativa e fizemos estudos de caso avaliando o cumprimento do Código Florestal e a quantidade e a qualidade da conservação da vegetação nativa em fazendas de café certificadas e não certificadas do Cerrado de Minas Gerais.
Os números indicam que a certificação socioambiental já possui abrangência nacional, está em diversos biomas, regiões e estados e em empreendimentos de tamanhos variados, em escala comercial de cadeias produtivas de alta competitividade, como madeira, papel e celulose, café, laranja, cana e soja. Os resultados apontaram ainda que a certificação tem contribuído com mudanças em direção à redução do desmatamento, promoção da restauração de matas ciliares e nascentes, aumento da conexão entre remanescentes de vegetação nativa e da oferta de hábitat para a biodiversidade em propriedades rurais.
Os dois sistemas de certificação estudados – o FSC, florestal, e a RAS, para agricultura – englobam mais de 1,5 milhão de hectares dedicados à conservação, e os empreendimentos certificados respondem por uma área de vegetação nativa maior do que os de seus vizinhos.
Tanto na Mata Atlântica quanto no Cerrado, as áreas de conservação de vegetação nativa dos empreendimentos certificados representaram, em média, 35% da área total. As fazendas de café certificadas, em Minas Gerais, possuíam 10% de cerrado nativo, enquanto as não certificadas tinham apenas 0,4% da sua área com essa vegetação. E o cumprimento do Código Florestal foi sempre maior em fazendas certificadas, tanto para os requisitos de Área de Preservação Permanente (APP) como de Reserva Legal. A diferença também estava presente na maior restauração de matas ciliares em fazendas certificadas.
O efeito da certificação fica ainda mais evidente quando comparado a dados médios nacionais da agropecuária nacional, que apontam a continuidade do desmatamento em diversos biomas brasileiros, um déficit de Reserva Legal de 17 milhões de hectares em imóveis rurais e 30 milhões de hectares de APPs às margens de rios ocupados com pastos e culturas agrícolas. Além disso, quase metade das APPs das matas ciliares do País tem uso agropecuário, percentual que chega a 73% na Mata Atlântica.
O principal papel da certificação e de instrumentos voluntários de mercado é o de inovar e demonstrar soluções para os desafios da sustentabilidade. Sua abrangência e escala têm sido capazes de promover o debate público, pautar uma agenda de pesquisa e políticas públicas, induzir mudanças na gestão e práticas de produção no campo, em cadeias produtivas nacionais e internacionais.
A superação do desafio maior, todavia, será alcançado apenas quando incentivos e instrumentos inovadores, como a certificação, forem coordenados com políticas públicas, que têm o papel e a responsabilidade de solucionar, definitivamente, a questão do relacionamento equilibrado entre a produção agropecuária e a conservação da natureza. Acesse o trabalho na íntegra [1].
[1] Autores do trabalho: Luís Fernando Guedes Pinto e Elisa Hardt, pesquisadores do Imaflora; Rozely Ferreira dos Santos, professora associada da Unicamp; Jean Paul Metzger, professor titular do Departamento de Ecologia da USP; Gerd Sparovek, professor titular da Esalq-USP; e Edoardo Borgomeo, doutorando da Universidade de Oxford
* Engenheiro agrônomo e gerente de certificação agrícola do Imaflora