O Brasil tem uma fonte de riqueza ainda mal explorada: suas áreas protegidas pela legislação ambiental, como os parques nacionais, que poderiam ter o turismo como atividade impulsionadora de renda e desenvolvimento.
Se as 1.800 Unidades de Conservação do País expandissem as atividades turísticas, poderiam gerar uma renda de R$ 16,8 bilhões e 55 mil novos empregos por ano. Esses e outros dados fazem parte do estudo UC no Brasil: Conservação e Desenvolvimento Socioeconômico, produzido e lançado em agosto pelo Instituto Semeia.
O documento aponta quais são as lacunas de governança nas áreas protegidas que as impedem de se tornar polos de atração de visitantes, como a escassez de recursos. Apesar de o Brasil ser um dos grandes campeões em delimitação de áreas protegidas (teoricamente, conserva-se o território equivalente a três Franças), há um déficit orçamentário de 20% em relação ao que seria o mínimo necessário para manter o conjunto das atuais UCs.
A administração de parques em países como Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos é considerada modelo, segundo o estudo. A principal forma de gestão, que poderia ser seguida no Brasil, é a parceria público privada, em que o governo daria concessões de atividades específicas dentro dos parques, como para pontos de alimentação e transporte interno.
O relatório é o primeiro de uma série de seis que abordaram propostas para o turismo no Brasil. Leia abaixo a entrevista que Ana Luisa Da Riva, diretora executiva do Semeia, concedeu a Página22 sobre a publicação.
O relatório mostra como as parcerias público-privadas seriam uma boa opção de gestão das Unidades de Conservação no País. Por que essa ideia ainda não se mostra presente dentro do governo e no setor privado?
Essa consciência é crescente e muito recente na área ambiental. Outros setores da economia – como saúde, educação e segurança – já usam essa modalidade de contrato para garantir a provisão de serviços e bens públicos com mais eficiência. Só recentemente, no entanto, começou a ser discutida na área ambiental e está sob um processo de maturação natural
A senhora acredita que essa modalidade de fato terá força na área socioambiental e do turismo?
Sim, mas não necessariamente em todos os parques. Será possível em alguns.
Por quê?
Um projeto de parceria público-privada é um contrato firmado entre governo e um parceiro privado, e exige que esse parceiro tenha “musculatura” técnica e financeira, não só para investir, mas também para gerir esse contrato. O relacionamento com o governo não é sempre fácil. São contratos com burocracias, só para citar uma questão.
Qual é o ponto mais importante do relatório?
O mais relevante foi termos encontrado evidências de que se fizéssemos pouco –sem mexer muito na economia ou na política–, já conseguiríamos agregar à nossa economia mais de R$ 5 bilhões por ano e gerar 55 mil novos empregos só na cadeia de valor direta e indireta de turismo em parques.
Esses números vêm de uma análise robusta com os dados que temos hoje e não estamos falando de uma utopia, estamos falando de algo até simples de ser feito.
E quanto às críticas de que esse tipo de parceria pode ser um primeiro passo para uma privatização do patrimônio natural do Brasil?
É preciso desmistificar isso. Parceria público-privada não é privatização. Essa segunda pressupõe que o governo abra mão do que está em questão. A PPP não tira nenhuma responsabilidade do governo.
Essa ideia cria uma resistência ao assunto que prejudica a agenda do turismo e do meio ambiente porque se fica discutindo o que está certo ou não, enquanto o País vai sendo destruído e as florestas desmatadas.
Qual o posicionamento e do Ministério do Turismo em relação às lacunas de gestão de áreas protegidas?
Esse ministério não pode estar ausente na agenda sobre o uso público dos parques. Não são em todas as UCs que precisamos da participação, só naquelas em que é possível o uso público – já que o turismo é uma forma de uso público. Nessas – e a maior expressão disso são os Parques Nacionais – faz todo o sentido que o Ministério do Turismo esteja presente mais ativamente. Hoje, isso não acontece porque a governança entre Turismo e Meio Ambiente muitas vezes não favorece uma sinergia entre esses dois órgãos, é uma questão política.
Em maio, algumas entidades, entre elas o Semeia, fizeram o manifesto Parques Pedem Socorro pedindo atenção para as áreas protegidas e o entregaram a governantes. Qual foi o impacto disso até o momento?
Deu visibilidade ao tema e abriu a possibilidade de ser discutido em fóruns que vão além do mundo ambiental. Estivemos há três semanas, junto com a Associação Brasileira de Turismo de Aventura, debatendo o tema do uso público dos parques em uma audiência publica na Câmara dos Deputados.
O que o manifesto quer é que o brasileiro – e não só o ambientalista – possa reconhecer nesses espaços uma oportunidade de o Brasil gerar empregos e renda conservando (as riquezas naturais). Gerar emprego, renda, qualidade de vida e bem estar para cada um de nós. Precisamos que essa agenda saia do universo socioambiental e impacte os formadores de opinião, os jornalistas, os economistas, os advogados etc. O Brasil como um todo.
Como falar em aumentar a atratividade do turismo dentro do País para os próprios brasileiros enquanto ainda é muito caro viajar aqui? Muita gente reclama que ir do Sudeste para o Nordeste ou a Amazônia custa mais do que fazer uma viagem internacional. Como fazer com que brasileiros valorizem as riquezas naturais?
Nossa aposta, enquanto Semeia, é que os parques – ou pelo menos uma parte– têm vocação para o turismo regional. Em 2012, fizemos um estudo em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo para analisar a chamada “massa de renda” no raio de 250 quilômetros de todos os parques desses estados. E consideramos alguns indicadores indiretos de atratividade turística. Vimos que, no curto prazo, a ampliação do turismo pode vir do turismo regional, das pessoas que moram próximas ao raio de 250 quilômetros, e não dos turistas de longe ou estrangeiros.
Moradores de Minas, Rio e São Paulo têm dinheiro mas não vão aos parques próximos a casa deles. Se conseguíssemos oferecer uma oportunidade para essa massa de renda regional, já transformaríamos a região onde os parques se inserem. E não seria um turismo para compararmos com o internacional. Não vamos comparar com Punta Cana, no Caribe. Mas quer ver um exemplo: você já foi ao Parque Estadual do Petar?
Não.
É um lugar maravilhoso. O maior maciço cavernoso do País. Tão espetacular que em qualquer lugar do mundo atrairia milhões de turistas. Para você ir ao Petar da cidade de São Paulo só precisa pegar o carro e dirigir por três horas. Mas não há estrutura. Se você soubesse que há uma grande estrutura de turismo lá, talvez fosse sem que isso influenciasse na sua decisão de ir para Punta Cana, para a Disney ou para o Nordeste. O turismo regional já é um passo que pode ser transformador.
Temos no relatório bons casos de gestão de UCs no Brasil. Mas podemos dizer qual Unidade de Conservação é o maior desafio em termos de gestão e que poderia enfrentado?
Eu não colocaria esse desafio em termos regionais ou de uma Unidade de Conservação, mas sim em termos institucionais. O que nós ainda podemos melhorar é a capacidade de construir editais e contratos de parceria que possam conter os interesses das diferentes partes envolvidas.
O que aconteceu nos últimos anos foi um interesse do governo para atrair parceiros privados e construir projetos de concessão, porém sem considerar os interesses desses parceiros.
Isso fez com que uma quantidade enorme de recursos (não só financeiros, como também o tempo das pessoas, que é escasso) fosse usado na construção de editais sem interessados. Então, hoje, todas as esferas do governo federal, estadual e municipal precisam internalizar o que é uma parceria: tem de ser boa para todos.
Após esse relatório, como o Semeia espera influenciar governantes e empresários? Está sendo planejada alguma ação de mobilização além do relatório?
Queremos colocar a mão na massa, testar diferentes tipos de gestão e até ajudar o governo a fazer projetos pilotos. Nosso grande direcionamento é aproximar o setor publico do privado – não só empresarial, mas também das OSCIPs. Acredito que não há outra saída a não ser a parceria. O governo sozinho não resolverá o gargalo do turismo. O governo sozinho não será capaz de lidar com os problemas e pressões.
O que acredito é no chamado “modelo caranguejo”: o governo é o cérebro que monitora o que pode e que não pode fazer, mas que tem braços para conseguir manter a atividade.
Que experiências fora do Brasil são bons exemplos de gestão de parques naturais?
Fomos aos Estados Unidos e conhecemos os modelos do Central Park e do High Line Park. São parques urbanos, mas o importante é o modelo adotado e a lição que dão. O Central Park hoje é gerido por uma ONG, a Central Park Conservancy, que tem uma parceria com o boa para ambos. Eles arrecadam dinheiro de pessoas físicas que apoiam o parque: US$ 250 milhões por ano. O acordo é que para cada US$ 1 que o governo investe no parque, a ONG investe outros US$ 3. É interessante por ser um modelo em que o governo até sai ganhando.
Esses modelos de parceria com OSCIPs mostram que é possível ter autonomia do governo para sobreviver e nos faz refletir sobre como adotar um modelo no Brasil.