Desde o início da crise financeira, a busca por alternativas econômicas ganhou atenção. Como vamos produzir, distribuir, transacionar? O que pode acontecer com o trabalho, a remuneração, a contratação? Que tipo de moeda será empregada?
Uma neblina de grande transformação econômica tem atravessado as cogitações de muita gente na academia e nos mercados. Enquanto, por um lado, as novas tecnologias abrem possibilidades aparentemente intermináveis, por outro, o modelo esgotado de exploração pura e simples dos insumos naturais deságuam em imperativos urgentes de sustentabilidade.
Desde o início da crise financeira, em 2008, e com a recessão que se arrasta em muitos países, a busca por alternativas econômicas ganhou atenção. Soma-se a isso a nostalgia de uma vida marcadamente local, sacrificada em nome da integração dos mercados mundiais, e o desconforto, que às vezes infla até o pavor, com as cifras associadas ao universo financeiro.
As perguntas se enfileiram quando se fala no futuro da economia: como vamos produzir, distribuir, transacionar? Como serão o trabalho, a remuneração, a contratação? Que tipo de moeda será empregada, quem a cunhará e aceitará?
As respostas também vêm em constelação. São conhecidos fenômenos como o DIY (do it yourself), que se desdobra no movimento maker (mais em Entrevista) celebrado em livro homônimo do jornalista Chris Anderson. Sistemas de compra coletiva ou direta com o produtor estão em expansão.
Um caso bem-sucedido é o programa de entrega de cestas de hortifrutigranjeiros sem a intermediação de supermercados. Nas cidades, o movimento Free Cycle permite oferecer e pedir, sem contrapartida, objetos que não se usam mais.
A mais recente polêmica, ilustrativa das possibilidades e limitações de uma economia que se quer nova, envolveu a sharing economy, baseada em empréstimo e compartilhamento, mas também em modos de comércio informais. Profissionais que se sentem lesados protestam, como os taxistas em guerra contra o aplicativo Uber, que faz de qualquer proprietário de automóvel um chofer. Com isso, estudiosos se perguntam se faz sentido chamar de “compartilhamento” a transformação de todo bem pessoal em ativos. Se a resposta for “não”, o que entra em pauta é a necessidade de regulamentar os serviços.
Um dos mais animados campos de batalha nas novas modalidades econômicas não poderia deixar de ser o dinheiro, esse obscuro objeto da economia e do desejo. Por enquanto, só chegaram ao dia a dia das pessoas as plataformas de financiamento, com as quais já se produziram livros e filmes ao redor do mundo. Mas o escopo dessas plataformas é limitado e raros são os projetos que conseguem apoio além de um círculo restrito de conhecidos.
Porém, a inovação monetária é vibrante em outras direções. Dos clubes de troca com moedas temporárias aos complexos algoritmos conhecidos como criptomoedas, multiplicam-se as formas de dinheiro complementar. As motivações para adotá-lo são inúmeras, como sempre acontece quando é preciso tatear nas invenções. Uma das criações mais antigas é a suíça Wir, unidade contábil inventada por comerciantes de Berna e Zurique nos anos 1930 para compensar a violência dos ciclos econômicos. Segundo o economista Bernard Lietaer, autor de The Future of Money e um dos maiores especialistas mundiais em moedas complementares, o Wir garantiu à Suíça um enfrentamento comparativamente suave da Grande Depressão.
No Brasil, o Banco Palmas, capitaneado por Joaquim de Melo, tem tido sucesso no combate à pobreza na periferia de Fortaleza, reforçando os laços comerciais locais e fomentando o empreendedorismo. Em diversas cidades europeias, moedas locais começaram a circular como resposta à crise do euro, e não apenas nos países mais atingidos: a Alemanha e o Reino Unido também têm as suas, eventualmente apoiadas pelo poder público.
O bitcoin, criptomoeda mais conhecida, atrai internautas do mundo inteiro, alternadamente com a ambição de contornar a subordinação das moedas nacionais à racionalidade política e ao poder avassalador do sistema financeiro. Seu aspecto especulativo, porém, tem causado fortes oscilações de cotação, o que gera dúvidas sobre seu efetivo caráter de dinheiro.
Impossível dizer para onde a miríade de formas e ideias conduzirá a economia do século XXI. Mas é sempre bom se lembrar do filósofo escocês que, para entender a contingência da vida em sociedade, visitou estranhas oficinas nos arrabaldes das cidades. Nelas, uma nova maneira de produzir alfinetes surgia, à margem das corporações de ofício, em pleno século XVIII. O relato dessa pequena transformação acabaria sendo o testemunho de Adam Smith sobre o nascimento da Revolução Industrial e do mundo moderno.
*Jornalista, doutorando no Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos da FFLCH-USP (Diversitas). Professor convidado na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo