Nesta terça feira 14/10 encerrou-se o Business Forum da 12ª Conferência das Partes (COP 12) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que acontece nesta semana em Pyeongchang, na Coreia do Sul. Foram 2 dias e meio de palestras e debates direcionados ao setor privado. A agenda girou principalmente em torno de questões relacionadas ao engajamento dos negócios na conservação da biodiversidade, em especial no contexto da cadeia de fornecedores, e da implementação do Protocolo de Nagoya, que entrou formalmente em vigor neste dia 12/10 e conta com a adesão até então de 54 países.
Pelo menos cinco empresas brasileiras ja participaram ou ainda vão participar de eventos nesta COP: Beraca, Boticário, Natura, Petrobrás e Posigraf.
No que se refere ao acesso e distribuição dos benefícios da diversidade genética, regulado pelo Protocolo de Nagoya (ABS – access and benefit sharing), a Beraca mostra preocupação de que o setor privado brasileiro não esteja preparado para as novas regras que entrarão em vigor no prazo de 90 dias. Independentemente de a legislação brasileira ainda não ter sido aprovada, muitas empresas nacionais se utilizam de recursos genéticos oriundos de outros países que já ratificaram o Protocolo de Nagoya, e terão de se adaptar às legislações desses países. Ou seja, as empresas brasileiras que não se prepararem podem perder mercados importantes.
Na linha do engajamento do setor privado na agenda da CDB, um dos melhores momentos do Business Forum foi o confronto de duas posições distintas sobre a valoração da biodiversidade como ferramenta capaz de promover sua conservação e recuperação.
De um lado estava Richard Mattison, CEO da Truecost, uma das consultorias mais reconhecidas internacionalmente por trabalhos de valoração econômica ambiental e uma das autoras do EP&L (environmental profit and losses) da PUMA, em 2010, provavelmente o trabalho mais importante e famoso até então sobre valoração econômica de externalidades ambientais. Do outro lado, Diego Pacheco, reitor da Universidad de la Cordillera e chefe da delegação boliviana na COP.
Mattison, neorocientista de formação, defende a valoração econômica como uma importante fonte de informações de apoio à tomada de decisão de negócios, reconhecendo no setor privado um papel relevante na gestão de recursos naturais e consequentemente na conservação da biodiversidade. A posição de Mattison aparentemente é a tendência atual para o desenvolvimento de políticas e estratégias para conservação e recuperação da biodiversidade.
Diego, antropólogo de origem, traz em seu currículo um doutorado em políticas públicas pela Universidade de Indiana, onde foi aluno de Elinor Ostrom, vencedora do Prêmio Nobel de Economia em 2009 por sua tese sobre a governança de bens públicos. Diego defende que a biodiversidade tem um valor intrínseco que não pode ser expresso monetariamente. Insiste que a commoditização e comércio indiscriminado da biodiversidade pode inclusive restringir o acesso a ela. Finalmente, Diego não reconhece a perspectiva de gestão privada de recursos naturais por serem esses bens públicos, e defende que cabe ao Estado a responsabilidade por sua gestão e conservação.
Em suma, enquanto Mattison adota um modelo político econômico onde o mercado é um instrumento determinante no acesso do setor privado à biodiversidade, Diego defende que o acesso do setor privado à biodiversidade deve ser regulamentado pelo Estado com base em direitos claramente definidos e negociados pela sociedade.
E afinal de contas, qual dos dois está certo?
Possivelmente os dois, mas em circunstâncias diferentes. O modelo defendido por Diego pede um Estado independente da influência de grupos econômicos, capaz de negociar um pacto social sobre direitos de acesso à biodiversidade nacional, e forte o suficiente para fazer valer essas regras e assim garantir a conservação da biodiversidade. A eficácia dsse modelo também depende de um nível considerável de capital social, ou seja, de uma sociedade que não seja individualista, onde as pessoas estejam dispostas a conservar e dividir os benefícios da biodiversidade inclusive com as gerações futuras mesmo que isso implique em um menor benefício privado/particular no presente. Ja o modelo adotado por Mattison pouco depende da atuação do Estado e, em princípio, também é menos dependente de capital social.
Qual desses modelos é o melhor para o Brasil? Isso certamente pede reflexões mais profundas. Mas de qualquer forma, a meu ver, o modelo de Mattison é o que mais se encaixa na realidade brasileira atualmente – o que não impede que se construa as condições necessárias para a adoção futura do modelo de Diego.
Renato Armelin