Para produzir a reportagem sobre política energética Mão e contramão, publicada na edição 90, Página22 foi a campo pesquisar a relação de tempo existente entre o início da exploração do pré-sal brasileiro, que atingirá cinco milhões de barris ao dia em 2021, e a queda da demanda mundial por fontes de energia fóssil. Há um forte consenso de que por volta dos anos 2050 os países estarão em plena transição de suas matrizes energéticas para fontes renováveis. A proposta que orientou a reportagem foi: haverá tempo de o Brasil usufruir do potencial de riqueza do pré-sal? Ou, para tentar impedir o aumento além dos 2 graus na temperatura média da Terra, o mundo fará a transição para a energia renovável mais rápido do que se pensa?
Veja a integra das entrevistas com Roberto Schaeffer, Carlos Rittl e Maurício Tolmasquim
A seguir, entrevista com Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Se o Brasil exporta petróleo do pré-sal, que é um petróleo bom, você até poderia dizer sim que o País está ajudando a reduzir as emissões no mundo. Afinal, o mundo terá a opção de consumir um petróleo de melhor qualidade e não um ruim como o canadense ou o venezuelano”
Sob a perspectiva da mudança climática, existe um paradoxo no fato de o Brasil iniciar a exploração do pré-sal em um momento que deveria ser de restrição às energias fósseis?
No começo deste ano, eu e outros dois colegas da Coppe (Alexandre Szklo e Rodrigo Lucchesi), publicamos um artigo científico no Energy Policy justamente discutindo essa questão. (José) Goldemberg (professor da Universidade de São Paulo) nos convidou para escrevermos juntos o artigo “Oil and natural gas prospects in South America: Can the petroleum industry pave the way for renewables in Brazil?” sobre o pré-sal no Brasil para o (jornal) Energy Policy. O artigo mostra que quando se começa a produzir petróleo não obrigatoriamente cria-se demanda por esse petróleo. Os carros já estão na rua, as pessoas já estão consumindo. Não é porque o Brasil achou petróleo que irá consumir mais petróleo. O que vai ou não fazer isso são outras políticas associadas a questão do pré-sal. Por exemplo, neste momento (a entrevista foi realizada em 10 de outubro), para controlar a inflação, o governo está mantendo o preço da gasolina artificialmente baixo. Com isso, o Brasil está consumindo mais gasolina, está emitindo mais e não tem nada a ver com o pré-sal.
Ou seja, achar e produzir petróleo não tem relação direta com as emissões?
Exato. O Brasil não vai dirigir mais carro porque tem pré-sal. As emissões dependem de como esse petróleo será consumido e de que preço ele terá. Outro ponto é: o petróleo do pré-sal brasileiro é relativamente de boa qualidade. É leve, o que torna mais fácil produzir derivados de alto valor agregado como gasolina, diesel e querosene de aviação. Isso significa gastar muito menos energia, emitir muito menos do que se esse mesmo derivado fosse feito a partir de um petróleo pesado. Hoje o Canadá é o principal fornecedor dos EUA e seu petróleo é produzido a partir de areias betuminosas. É uma areia dura, sólida. O processo é complicadíssimo e emite muito para fazer gasolina e diesel. Dado que os melhores petróleos do mundo estão acabando, o mundo está indo para petróleos cada vez piores.
Quer dizer que o pré-sal pode até ajudar a diminuir as emissões? Parece bem contraditório.
Não se trata de uma defesa do petróleo, mas, nesse caso, partindo do pressuposto de que não se está criando demanda nova para o petróleo, se o Brasil exporta petróleo do pré-sal, que é um petróleo bom, você até poderia dizer sim que o País está ajudando a reduzir as emissões no mundo. Afinal, o mundo terá a opção de consumir um petróleo de melhor qualidade e não um ruim como o canadense ou o venezuelano.
Sem querer dar uma de advogado do diabo, a priori você não pode achar ruim um país que investe em petróleo. Queira ou não o mundo vai ficar dependente de petróleo pelos próximos 40 ou 50 anos. Os aviões vão continuar a voar com petróleo. Os carros comprados hoje vão ficar nas ruas pelo menos uns 20 anos. Não é de uma hora pra outro que o mundo vai ficar sem petróleo. Assim, é melhor que ele consuma um produto bom do que um produto ruim.
Há uma questão também que é a associação do petróleo, no caso do pré-sal, com gás natural. Em princípio não faz sentido econômico furar um poço para produzir gás natural. O normal é furar um poço para produzir petróleo e se tiver gás natural é um benefício adicional. O gás natural é visto um pouco como o combustível que vai permitir a transição de um mundo mais carbono intensivo para um mundo menos carbono intensivo, ou até um mundo quase sem carbono. O petróleo do pré-sal permitirá, por exemplo, que o Brasil possa expandir parte da sua geração elétrica mais para o gás natural e não tanto para o carvão.
Explique melhor essa participação do gás natural, por favor.
Para lidar com a intermitência das fontes renováveis eólica e solar é preciso ter outra fonte que tenha partida rápida e consiga fazer com que o sistema não caia. O gás natural é visto talvez como o melhor combustível para fazer esse papel. O carvão, a energia nuclear e a própria lenha ou bagaço de cana não se prestam a isso porque não têm essa velocidade de partida.
Melhor que o gás natural é a hidroeletricidade porque turbinas hidráulicas conseguem ligar muito rapidamente. Mas dado que o Brasil cada vez mais está indo para usinas a fio d’água, ou seja, sem reservatório, o Brasil ou as hidrelétricas brasileiras começam a perder essa capacidade de firmar essa intermitência dos renováveis.
Mas o mundo está caminhando para as renováveis, será que o Brasil está fazendo um bom negócio ao investir no pré-sal?
Nesse artigo (do Energy Policy) a gente mostra um pouco isso. Dado que o mundo durante algum tempo ainda vai depender do petróleo, como os royalties poderiam ser bem aplicados no Brasil? Justamente para lidar com educação e para preparar o sistema energético brasileiro para um futuro só dependente de renováveis. Mas esse futuro vai precisar de muito dinheiro para vir a acontecer e talvez o pré-sal venha a ser uma boa fonte de recurso para se viabilizar esse projeto. A linha do nosso artigo é não demonizar o petróleo, mas mostrar como usar o petróleo para se preparar para um mundo que não emita mais carbono.
Mas o Brasil vem reduzindo os investimentos em renováveis.
Dei uma aula na PUC do Rio de Janeiro a convite do (jornalista e professor) André Trigueiro sobre mudança climática. Um aluno perguntou por que o País gastava dinheiro com o pré-sal e não gastava com eólica e solar. Eu respondi que no fundo são dinheiros diferentes. Se você for a um banco hoje, em qualquer lugar do mundo e pedir emprestado US$ 200 milhões para investir em solar no Brasil não vai conseguir. O motivo é que se o negócio quebrar não haverá nenhuma garantia para dar em troca. Mas se você pedir US$ 200 milhões para financiar a produção de petróleo do pré-sal conseguirá. Se você quebrar o banco pega o seu petróleo. Não há risco nenhum. Então, quando falam que se gasta em petróleo o que poderia ser gasto em renováveis, eu digo que são dinheiros diferentes. O dinheiro do petróleo se paga. O do solar e o do eólico não obrigatoriamente, ou todo mundo estaria investindo nisso. Mas todos os países que estão investindo muito em renováveis, investem na margem, na franja. Claro tem exceções como a Noruega, mas de maneira geral, a base de qualquer sistema energético hoje ainda é o combustível fóssil. O Brasil é também uma exceção.
E quanto aos prazos? Vamos ter tempo de consumir e exportar todo aquele petróleo?
Investimentos na área de energia são de longuíssimo prazo. A hora que o Brasil inaugurar (a usina nuclear) Angra 3, ela funcionará por 40, 50 ou 60 anos. Uma térmica a carvão também dura 50 anos. O carro dura 20 anos então essa transição não se completará de uma hora para outra. Depois, o petróleo será cada vez mais importante para seus usos não energéticos. Toda a indústria química tem o petróleo como base. O plástico é derivado do petróleo. O uso não energético é um uso nobre, que produz bens duráveis. Mesmo que não fosse para energia, o pré-sal faria sentido para esses outros usos.
Se a política econômica for popularesca como a da Arábia Saudita, a da Venezuela e a do México, que por terem muito petróleo vendem a gasolina quase de graça, aí sim a emissão pode aumentar muito. É uma grande bobagem jogar dinheiro fora para subsidiar a classe média para andar de carro. Mas estamos partindo do princípio de que não será assim. O mundo vai pagar US$ 100 a tonelada de petróleo, a Petrobras vai se encher de dinheiro e, como o governo é o maior acionista, vai investir em solar, em eólica e em educação.
Mas o petróleo do pré-sal nem é tão barato quando o da Arábia Saudita e o da Venezuela, certo?
O pré-sal é caro para ser produzido, mas como os volumes achados são tão absurdamente altos pode-se dizer que terá um custo médio. É segredo de Estado o custo de produção de petróleo. Desconfia-se que na América do Sul e no Oriente Médio chega-se a produzir petróleo a US$ 5 o barril. No Canadá talvez custe US$ 50. No pré-sal desconfia-se que custe entre US$ 30 e US$ 40. Se for vendido a US$ 100 ainda será um bom negócio.
Até quando vai durar a exploração do pré-sal?
O ciclo de um campo de petróleo é de 25 a 30 anos. Então na hipótese de não se achar mais petróleo no pré-sal, e na hipótese de começarmos a produzir com toda a capacidade em 2020, haverá um pico de produção em 2035. E lá por 2045 acaba. Talvez coincida com o ciclo final do petróleo no mundo. O timing não está ruim. Se o Brasil achasse o petróleo daqui a 20 anos talvez não valesse mais a pena explorar. Mas agora vale. As pessoas gostam de andar de avião, de ter coisas de plástico. O petróleo permite esse conforto.
Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)
“O petróleo no mundo continuará sendo usado apesar do aumento da participação das renováveis, principalmente na área de transporte e indústria. Então é um benefício importante que a sociedade tem. E não é antagônico à mitigação dos gases de efeito estufa”
Sob a perspectiva da exploração do pré-sal, existe alguma intersecção entre a Política Nacional de Mudança Climática e o Plano Nacional de Energia?
Claro. Na realidade, o Brasil vai continuar com uma das matrizes mais limpas do mundo mesmo com a exploração do pré-sal. Por ter descoberto o pré-sal somente agora, ao contrário dos grandes produtores, o Brasil não construiu o seu parque energético, a sua base da matriz energética, sobre o petróleo. Temos uma participação importante de petróleo, mas menor que o resto do mundo, pois desenvolvemos também o etanol e a hidroeletricidade. Temos hoje uma matriz das mais renováveis do mundo, com 41% de fontes renováveis. No mundo, a participação de renováveis está em 13%. E se pegarmos os dados da OCDE, que reúne os países mais desenvolvidos do mundo, as renováveis somam 9%.
Com tanto petróleo saindo do fundo do mar, como vamos conseguir manter inalterada a nossa matriz e as nossas emissões de carbono?
A princípio parece paradoxal, mas não existe incompatibilidade do pré-sal com a manutenção da matriz renovável. Já temos uma matriz baseada em renovável constituída. O petróleo que está chegando vai substituir as importações e o restante vai para exportação. A partir 2021 a gente deve estar produzindo mais de 5 milhões de barris de petróleo por dia e exportando quase 2 milhões. Ou seja, não aumentaremos o conteúdo de carbono dentro economia brasileira em razão do pré-sal. O Brasil será o primeiro exportador de petróleo do mundo a ter uma matriz renovável. Isso é bom em todos os sentidos. A gente não tem o risco de virar um país primário exportador como as economias que vivem em torno do petróleo. Temos um aparelho industrial desenvolvido e complexo, além de uma matriz diversificada. E a renda do petróleo será colocada na educação para deixar um legado para a geração futura. Isso é importante porque o petróleo é um recurso finito e é a geração presente que vai usar essa renda. Assim, é importante que uma parte seja investida sabiamente, e nada melhor que a educação. O pré-sal será uma fonte de recursos para o País com um papel nobre de alavancar a educação.
Mas, à medida que caminhamos para restrição da queima de carbono, atrelar a educação não pode ser um caminho meio incerto?
Todos os órgãos internacionais não apontam que o petróleo será substituído no curto prazo. O petróleo no mundo continuará sendo usado apesar do aumento da participação das renováveis, principalmente na área de transporte e indústria. Então é um benefício importante que a sociedade tem. E não é antagônico à mitigação dos gases de efeito estufa. Felizmente no Brasil temos condições de apropriar para a sociedade um benefício que todos gostariam de ter e, ainda assim, manter uma matriz renovável.
E como o senhor vê a matriz brasileira no longo prazo, a partir da perspectiva da necessidade de descarbonizar a economia para não ultrapassarmos o aumento de 2 graus na temperatura média do planeta?
A redução de petróleo no mundo é o grande debate. Desde a década de 70 se projeta isso e cada vez se joga mais para longe. Muito provavelmente, antes do esgotamento do petróleo a gente diminua seu uso. Olhando para o horizonte de 2050 e além, estamos trabalhando com cenários de que o Brasil adotará o carro híbrido (com motor que funciona a combustão ou com eletricidade), que reduzirá o consumo de gasolina. Além disso, haverá aumentos de eficiência.
Mas e os efeitos da mudança climática, como ficam? O senhor não é um cético, é?
Não, não sou cético. Participei muitos anos do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática). Hoje 95% dos cientistas do mundo acreditam que estamos caminhando para um aquecimento global irreversível. Realmente, é o cenário da adaptação que cada vez mais ganha peso. Há dez anos ainda se falava muito da mitigação, e hoje o tema já é a adaptação pois, infelizmente, os efeitos são inevitáveis. Mas se os países do mundo tivessem a matriz brasileira não haveria esse problema. Então, o Brasil não tem que unilateralmente deixar de investir em uma empresa que possui. Até porque nem sequer vai aumentar a sua emissão, pois continuará consumindo fontes renováveis.
O Plano Decenal de Energia prevê que em 2020 as emissões brasileiras não poderão ultrapassar 680 milhões de toneladas de CO2 eq. Isso tem algum impacto na exploração do pré-sal?
As metas de redução de emissões fomos nós que fizemos e atrelamos o acompanhamento das metas ao Plano Decenal. O Plano Decenal é o instrumento – está no decreto – que faz o acompanhamento. A gente sempre coloca como está a evolução das emissões. Estamos cumprindo as metas. Hoje, com as perspectivas de produção de petróleo do pré-sal, o Brasil está dentro da meta e isso bate com o que falei que parte da produção é exportada, não é consumida dentro do País.
O etanol ainda representa a principal fonte de energia renovável no País (15,4%, à frente da hidroeletricidade 13,8%). No entanto, segundo os dados do Balanço Energético Nacional (BEN), houve queda na oferta para o mercado interno, apesar do aumento de 2,4% na produção (a exportação do energético cresceu 55,3% em relação a 2011). Além disso, o governo determinou a redução da proporção de álcool anidro na gasolina, de 25 para 20%. Há alguma previsão para que outras fontes de energias ultrapassem o etanol em representatividade na matriz brasileira. Se sim, quais seriam essas fontes?
Não, o Brasil não baixou, o Brasil aumentou. Estamos em 25% e foi aprovada lei permitindo chegar a 27,5% de etanol na gasolina. Estão sendo feitos testes para ver se os motores aguentam. Se aguentarem, vamos aumentar a proporção de etanol anidro na gasolina. Vai depender da questão tecnológica nos motores. Sem dúvida, houve uma questão que não está na demanda. Houve uma queda da oferta em decorrência da produção de cana. Em 2008, a crise financeira pegou o setor usineiro muito endividado e houve redução do investimento na renovação dos canaviais. Os canaviais têm de ser renovados de tempos em tempos, senão cai a produtividade. Como não houve investimento, a produtividade caiu. Além disso, houve o efeito de vários períodos de estiagem e de chuvas em excesso. E ainda um aumento de custos de insumos. Vários fatores levaram a um aumento do custo da produção e redução da produtividade. Então isso colocou o setor em um período complicado, mas está se recuperando e a perspectiva é de que vai voltar a crescer.
Considerando as condições hidrológicas adversas que estão impactando negativamente a oferta de energia hidráulica no País e também o crescimento da geração de energia eólica, que praticamente dobrou de tamanho, qual é a estratégia brasileira para investir em novas tecnologias de energias renováveis, como a energia solar? Há alguma previsão de crescimento para essas outras fontes de geração?
De fato, a eólica está crescendo exponencialmente. Estávamos em 2% de participação da eólica na capacidade instalada de geração e devemos chegar a 11,5% nos próximos 10 anos. É a fonte que mais vai crescer. Temos um crescimento importante da solar, mas não dessa dimensão. Este ano estamos fazendo o primeiro leilão com produto específico da solar. E o preço já foi divulgado e bem aceito pelo mercado. As perspectivas são muito boas. A nossa previsão é de nos próximos 4 anos contratar leilões de 3.500 MW. Mas se os leilões passarem a ser um sucesso, não tiverem deságios, esse número poderá ser bem maior.
A biomassa para eletricidade, de bagaço e de cavaco de madeira (sobras da indústria de madeira), está crescendo muito. Nos leilões está havendo contratação de usinas a cavaco de madeira de florestas plantadas. É interessante porque complementa bem a hidráulica. Quando é preciso, temos ali um estoque de combustível que se pode usar. Quando a hidrologia está boa o estoque de combustível fica plantado e se o produtor precisar de renda pode vender a madeira. Isso tem sido um sucesso.
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do clima.
“A Agência Internacional de Energia (órgão das Nações Unidas), que não é formada por ambientalistas, diz que devemos deixar de 2/3 a ¾ das reservas conhecidas de combustíveis fósseis no subsolo se estivermos falando sério quando propomos limitar em 2 graus o aquecimento global”
Conseguiremos ficar dentro do limite de 2 graus de aquecimento médio global? Como o senhor avalia a exploração do pré-sal neste contexto?
Está muito difícil trazer de volta a trajetória das emissões globais para dentro do limite de 2 graus. Dois graus já e um limite que traz consigo muitos impactos. Por exemplo, a possibilidade de perdas de uma quantidade imensa, por volta de 90%, das espécies de coral do mundo inteiro. Imagine o efeito cadeia que isso tem para a biodiversidade marinha, para a economia das regiões costeiras, para processos ecológicos que se nutrem de uma retirada de carbono da atmosfera.
No Brasil o que falta é uma discussão minimamente razoável sobre o papel do pré-sal, sem demonização e sem panaceia. Creio que o pré-sal tem sido vendido como uma panaceia, a solução de todos os nossos problemas. Nosso ticket para a primeira classe do mundo. E não é.
E por que não é?
Libra, que é a primeira área do pré-sal colocada para concessão, tem projeção de exploração durante 35 anos. Em 2048, o mundo já terá de ter reduzido as emissões para evitar o caos – perda de biodiversidade, processos ecológicos, bancarrota de empresas, impactos econômicos e centenas de milhões de pessoas afetadas pelo impacto do aquecimento global. Em cima de tudo isso, tem os conflitos. Há um componente climático junto aos fatores que levam a insurgências como a Primavera Árabe, que demonstram insatisfação e que tentam promover mudança no poderio de vários países de cultura árabe. Isso é pouco tratado, mas alguns artigos na imprensa conseguiram fazer essa leitura. Alguns cientistas políticos que tratam do cenário internacional geopolítico conseguiram fazer essa leitura. Isso tende a se agravar.
A situação em São Paulo, com a seca da Cantareira. A disputa pelas águas do Rio Paraíba, entre Rio de Janeiro e São Paulo é um indicador de onde isso pode nos levar. A revolta de pessoas em Itu (cidade no interior de São Paulo) é reflexo do problema de falta de eficiência na gestão dos recursos hídricos, em toda a cadeia de consumo e distribuição de água. Tudo isso pode nos levar a conflitos muito mais severos.
Então em 2048, se estivermos falando sério em limitar o aquecimento global a 2 graus, temos que levar em consideração que vai ficar muito pior. Em qualquer cenário. Se a gente não emitir mais nenhuma molécula de CO2, ou qualquer outro gás na atmosfera, se a gente eliminar todas as fontes, ainda passaríamos por um aquecimento global que elevaria a temperatura média a 1,5 grau. Isso é o dobro do que já observamos hoje. Então a gente pode imaginar em escala geométrica as consequências das mudanças climáticas e eventos extremos.
Nas discussões do pré-sal não existe nenhuma conversa razoável sobre análise de risco de investimento. A gente está construindo uma infraestrutura no entorno do pré-sal que faz o cidadão comum entender que aquela é uma fonte inesgotável e inabalável de recursos que poderá ser explorada até a sua última gota. Isso é uma inverdade.
Quer dizer que o custo da infraestrutura pode não ser compensador em função do tempo que resta à hegemonia do petróleo no mundo?
Precisamos ter muita responsabilidade na análise do risco de investimento. Mesmo em um cenário como o anunciado pelo governo, de que até 90% do petróleo do pré-sal seria para exportação, em que mercado o Brasil imagina estar vendendo petróleo em grandes quantidades a partir da década de 2040, ou até metade deste século?
Não somos só nós que temos reservas de petróleo e outros fósseis. Há muito petróleo no Oriente Médio, na Rússia e região, no Golfo do México, em vastas áreas da África. A China está sobre uma reserva gigantesca de carvão.
A Agência Internacional de Energia (órgão das Nações Unidas), que não é formada por ambientalistas, diz que devemos deixar de 2/3 a ¾ das reservas conhecidas de combustíveis fósseis no subsolo se estivermos falando sério quando propomos limitar em 2 graus o aquecimento global.
Hoje a gente coloca 70% dos nossos investimentos em energia em combustíveis fósseis, a maioria em pré-sal. Em termos de volume de investimento em um único negócio, o pré-sal é o maior investimento do mundo.
O senhor é contra a exploração do pré-sal?
Não sou daqueles que acham que não se deve retirar mais nenhuma gota de petróleo do subsolo. O petróleo tem um papel, é necessário que seja explorado, mas devemos pensar na transição. E não estamos fazendo isso. O nosso discurso é o de que a nossa matriz é limpa e então a gente pode crescer explorando o pré-sal como se fosse a solução de todos os nossos problemas. Falta visão de longo prazo, visão estratégica, inclusive sobre que caminho seguir em termos de desenvolvimento. Eu não tenho nenhum problema em sentar com qualquer ator, inclusive do governo.
Algumas análises estimam que só o que se conhece hoje de reserva do pré-sal equivaleria a 35 bilhões de toneladas de CO2 eq em termos de emissões de GEE. Isso é 27 vezes as emissões anuais do Brasil. Tudo isso somado às emissões associadas ao que será explorado no mundo inteiro de combustíveis fosseis. Essa conta tem de ser feita. O governo não está fazendo e nem abriu diálogo com a sociedade, nem com a academia, nem com os economistas para discutir qual o papel estratégico do petróleo. As moléculas de CO2 não conhecem fronteiras. Não existe geopolítica do carbono. Emitiu, são todos irmãos. Diante do cenário de alto risco, a gente tem de pensar no risco de investimento econômico associado à decisão de colocar todas as fichas no pré-sal.
Ou seja, deveríamos fazer um contraponto investindo mais em fontes renováveis, além das hidrelétricas?
Dados da Frankfurt School com o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e apoio da (agência de dados financeiros) Bloomberg, avaliam que investimentos brasileiros em outras renováveis, não incluindo usinas hidrelétricas, entre 2008 e 2013 caíram 75%. Em outros países também houve queda. Mas a China investiu US$ 56 bilhões em 2013 em fontes renováveis. A União Europeia US$ 48 bilhões, os Estados Unidos US$ 35 bilhões, A Índia US$ 6 bilhões e a África do Sul US$ 5 bilhões. O Brasil investiu apenas US$ 3 bilhões. O nosso pico de investimento foi US$ 12 bilhões de dólares em 2008.
De fato, o impacto da crise econômica dificultou o crescimento das renováveis, mas os Estados Unidos estão investindo quase 12 vezes o que a gente investiu no ano passado. Com isso, esses países estão ajudando a estruturar cadeias de valor. O setor de energia solar nos Estados Unidos no ano passado gerou mais de 20 mil empregos, mais do que na indústria automobilística do Brasil.
Voltando ao pré-sal, como o senhor vê a decisão de aplicar os royalties do pré-sal em educação?
O desenvolvimento de qualquer país tem uma relação direta com educação e qualificação dos estudantes. Há 30 anos, a Coreia do Sul, que tinha renda per capita igual à do Brasil, decidiu priorizar educação. Hoje a renda per capita lá é o triplo da brasileira. E eles têm o mais alto índice de jovens que chegam à universidade no mundo.
Hoje o Brasil é o 88º país no ranking de educação das Nações Unidas. Investe pouco e mal, em especial na educação básica. Segundo um estudo da OCDE, sobre nível de aprendizado de estudantes de 40 países entre OCDE e alguns em desenvolvimento, o Brasil só fica na frente de México e Indonésia. E por mais absurdo que possa parecer, as taxas de analfabetismo no País aumentaram recentemente, segundo dados do IBGE.
Na área de educação há desafios a serem enfrentados, sim, e esta deve ser uma prioridade de qualquer governo.
Os recursos dos royalties e da participação especial sobre os rendimentos do petróleo a ser extraído do pré-sal podem ser importantes. Mas por que recursos desta fonte serão destinados à educação? O governo federal defendia a meta de 7% do PIB em investimentos do orçamento público em educação. A oposição derrotou o governo no Congresso e aumentou a meta para 10%. O governo, para cumprir esta meta, ou seja, simplesmente respeitar a lei, na hora do “parte e reparte” dos royalties do petróleo, devido às perspectivas de exploração e rendimentos do pré-sal, destinou recursos suficientes apenas para atingir a meta. E se não houvesse o pré-sal, o que aconteceria?