Muitas empresas já entenderam que seus impactos têm relação com a mudança climática e antecipam ações para evitar surpresas ruins no futuro. Ou mesmo para aproveitar oportunidades de negócios
Sapos desenvolveram a incrível capacidade de se enterrar no solo para adquirir energias e resistir no ambiente hostil de lugares áridos, como a Caatinga. Lá o umbuzeiro conserva água nas raízes como reserva estratégica para sobrevivência na estiagem. Cientistas até suspeitam que anfíbios e árvores daquela região guardam informações genéticas úteis à clonagem de plantas cultivadas para produção de alimentos, no esforço de torná-las resistentes aos impactos da mudança climática. Ao longo da História, a complexidade da natureza tem ensinado bastante à civilização humana, inclusive na concepção de produtos industriais e na análise de modelos matemáticos e econômicos. Quem sabe a lógica embutida nos códigos da vida – guardados os devidos limites da analogia, claro – também poderia inspirar o mundo dos negócios a usar a biomimética [1] para se adequar com menor risco ao que está por vir devido à elevação da temperatura do planeta?
[1]Ciência que estuda o comportamento da natureza para imitá-la no desenvolvimento de soluções em diversas áreas do conhecimento, como a engenharia e o design
Metáforas à parte, a preparação das empresas envolve mais do que a defesa contra catástrofes ambientais, elevação do nível do mar e escassez de recursos vitais. No centro do desafio está o aspecto econômico, a necessidade de adaptação das contas e do planejamento das corporações para lidar com novas categorias de adversidades, buscar espaços financeiramente viáveis e, por fim, sobreviver em ambiente regulado pela urgência climática. Entre várias incertezas sobre o futuro do planeta com a temperatura mais quente, uma previsão parece certa: diante de obrigações legais, pressões de mercado e compromissos nacionais para aperto do controle, produzir e consumir com emissão intensiva de gases do efeito estufa tenderá a ficar excessivamente caro e até inviabilizar atividades econômicas.
QUESTÃO DE VIDA OU MORTE
Não faz tanto tempo, o apelo do aquecimento global representava algo distante e incerto para o mundo empresarial. Hoje grandes corporações reinventam negócios rumo a uma economia de baixo carbono – e fazem isso como questão de vida ou morte. De olho no futuro, empresas se mobilizam em torno de riscos e oportunidades do “custo carbono” e reorientam investimentos como preparativo para os desdobramentos de um acordo global sobre o tema que começa ser costurado para uma possível definição de compromissos na COP 21 [2], a conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) programada para dezembro de 2015, em Paris.
[2]O principal objetivo é alcançar um acordo com compromissos obrigatórios dos países para a redução de gases do efeito estufa, válido a partir de 2020, permanecendo em vigor até 2030 ou 2035
No rastro desse movimento, a necessidade de romper a inércia toma impulso após o recente alerta da Associação Meteorológica Global sobre a concentração recorde de gases- estufa na atmosfera terrestre em 2013, apesar da crise financeira que afetou a Europa e os Estados Unidos nos últimos anos. Não foi à toa que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, aproveitou a presença dos chefes de estado na 69ª Assembleia Geral da entidade, realizada em Nova York, em setembro, para reaquecer o debate diplomático sobre a urgência climática e envolver com maior ênfase o setor empresarial.
No United Nations Private Sector Forum, encontro paralelo, lideranças de corporações globais como Nestlé, DSM, Vestas e General Mills debateram caminhos para manter as emissões de carbono em níveis seguros. Além dos vídeos de sensibilização exibidos pelo ex-vice-presidente americano Al Gore e do contundente apelo do diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Achim Steiner, para que as empresas bloqueiem o lobby ceticista [3] sobre as alterações do clima, diversas companhias fizeram anúncios sobre corte de emissões. “As energias foram retomadas, porque está cada vez mais claro que os impactos já ocorrem e quem não acordar agora mais tarde vai perder”, afirma Jorge Soto, diretor de desenvolvimento sustentável da Braskem.
[3] Há consenso entre os cientistas de que a temperatura na superfície terrestre aumentou nas últimas décadas devido às atividades humanas. Mas um grupo bastante minoritário de céticos defende que o aquecimento tem causa estritamente natural
A fabricante de resinas plásticas adota a estratégia de ser parte da solução contra as alterações do clima em diversos setores da economia, ao reduzir emissões de carbono e aumentar a eficiência energética de um material existente em muitos produtos de largo consumo, tanto individual como institucional. O plástico produzido a partir da cana-de-açúcar, lançado pela Braskem com investimento de US$ 290 milhões, em 2010, sinaliza a tendência de migração de atividades emissoras de carbono para alternativas limpas.
A maior escala das inovações verdes, no entanto, depende de fatores econômicos que poderão se viabilizar no médio e longo prazos a partir da demanda criada por futuras regulações sobre clima – ou então pela fuga de investidores que deixam de acreditar nas fontes fósseis e optam pelas renováveis.
O mais emblemático aceno veio dos Rockefellers, os mesmos que fizeram fortuna no setor de petróleo e aproveitaram a reunião da ONU em Nova York para anunciar o compromisso de se juntar a outras organizações filantrópicas com objetivo de retirar US$ 50 bilhões investidos em combustíveis fósseis, transferindo-os para produtos menos nocivos ao equilíbrio do clima.
MAIS INVESTIMENTOS
“Vemos o desafio climático como uma grande oportunidade, principalmente diante do diferencial do Brasil em função da matriz energética limpa”, ressalta Soto, ao enfatizar que o País poderia se tornar em relação à química verde o mesmo que a Arábia Saudita representa para o petróleo.
Em apresentação durante o evento em Nova York, o executivo brasileiro reforçou a importância da criação de mecanismos que efetivamente beneficiem produtos menos intensivos em carbono ao longo de todo o ciclo de vida – da extração da matéria-prima ao uso e descarte após o consumo. “Isso atrairá mais investimentos na economia verde e premiará quem se prepara para a obrigação de aumentar o corte de gases do efeito estufa, a partir de obrigações legais, taxações ou exigências de mercado”, conclui Soto.
Na ocasião, o United Nations Global Compact (Pacto Global) apresentou um manifesto – já assinado por mais de mil lideranças do setor privado – de apoio a iniciativas para a precificação do carbono [4], de modo que o custo da sua emissão force um processo mais efetivo de mudanças e dê às empresas flexibilidade para encontrar as próprias soluções. Pela proposta, o mecanismo deverá ser regulado nacionalmente a partir de uma governança global que tenha aplicação ampla em todos os segmentos da economia e respeite a autonomia dos países, dentro do princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, com maior compromisso dos países ricos.
[4] Mecanismo que consiste em conferir preço ao carbono emitido pelas atividades econômicas, de modo a fomentar a incorporação do custo ambiental da mudança climática
Levantamento do Banco Mundial indica que pelo menos 73 países, representando 52% do PIB global e 54% das emissões globais de gases de efeito estufa, apoiam o modelo. Desse total, 40 nações (inclusive a China) e mais de 20 cidades, estados e províncias já utilizam sistemas de precificação de carbono ou testam modelos para breve implantação. Alguns seguem o caminho de taxar emissões atmosféricas. Entre os exemplos, o México cobra taxa de US$ 1 por tonelada de carbono emitida. A Suíça, US$ 168 por tonelada.
“Algumas empresas já incorporam o preço interno do carbono para analisar riscos e planejar o crescimento das operações”, diz Raquel Souza, coordenadora da Câmara Temática de Clima do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. Ela adverte: “Campos de petróleo descobertos hoje podem não ter taxas de retorno atrativas no futuro” (leia sobre o pré-sal brasileiro).
Quando os combustíveis fósseis tiverem um preço real, embutindo os custos de impactos ambientais, fontes renováveis poderão se viabilizar mais rapidamente. Adotado por empresas como Microsoft e American Electric Power, uma das principais geradoras de energia dos Estados Unidos, o modelo está favorecendo tecnologias para emissão zero em lugar das velhas opções mais sujas. E também ajuda a justificar internamente a prioridade de recursos para o aumento da eficiência, via controle de carbono, com corte de gastos para a corporação como um todo.
Experiências nesta linha foram mapeadas pelo Carbon Disclosure Project (CDP) para orientar investidores no mundo. Em outubro, a organização divulgou novo relatório anual sobre a realidade das empresas brasileiras quanto ao controle climático. “No Brasil, o olhar está no curto prazo, porque não se sabe o que virá pela frente após cinco anos, no ambiente de regulações”, analisa Frances Way, chefe do escritório de operações do CDP. Com investimento de R$ 3,7 bilhões em iniciativas para diminuir gases-estufa, o total das companhias consultadas obteve ganhos financeiros de R$ 118,7 milhões em 2014. Mas há uma má notícia: em relação ao ano anterior, o desempenho piorou, porque a seca prolongada forçou o uso de energia termelétrica, com maior lançamento de carbono na atmosfera.
O problema hídrico atingiu em cheio os resultados do Grupo AES Brasil, que gera e distribui energia em São Paulo e registrou expressivo aumento das emissões de gases de efeito estufa desde 2011. Em três anos, a elevação foi de 218% em apenas uma das empresas do conglomerado, a AES Eletropaulo. “Para atingir a meta corporativa de reduzir 10% do carbono até 2016, será necessário empenho na diversificação energética para diminuir a dependência de termelétricas”, afirma Lais Drezza, pesquisadora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da Universidade de São Paulo.
O trabalho compõe o diagnóstico realizado pela instituição, na disciplina “Estratégia Empresarial e Mudanças Climáticas”. “Avanços para o corte de emissões são incontestáveis, mas, se dependermos de um consenso global entre os países para agir com maior ênfase, o processo ficará difícil”, reconhece o professor Jacques Marcovitch, coordenador do projeto, na FEA. Ele aposta na pressão de consumidores e mercados e reforça que a inovação é chave para a competitividade, no contexto da mudança climática.
Quem hesitar poderá ficar fora do jogo. Para ilustrar o quanto a eficiência climática significará na disputa por mercados, o pesquisador Guilherme Sortino, um dos integrantes dessa iniciativa acadêmica, investigou a gestão de carbono da Petrobras em comparação com a da concorrente norueguesa Statoil [5], companhia petrolífera de porte e características semelhantes. A conclusão: apesar de possuir criterioso controle ambiental, a brasileira emite em média quatro vezes mais gases-estufa. Enquanto na Statoil cada tonelada de carbono lançada na atmosfera, em 2012, gerou o equivalente a US$ 8,1 milhões em faturamento, na Petrobrás o resultado foi de apenas US$ 2,1 milhões por tonelada. Além disso, a empresa do Brasil registrou em 2013 quase o triplo dos vazamentos em relação à da Noruega. “É recomendável fortalecer a governança das emissões, com metas e sistemas de monitoramento, como fazem os principais concorrentes”, aponta Sortino no relatório.
[5] Companhia Petrolífera da Noruega responsável pela exploração do campo de Peregrino, na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro
“Se não planejarmos o futuro pensando no carbono, ficaremos reféns do clima”, destaca Ricardo Sampaio, gerente de meio ambiente da construtora Camargo Corrêa. Em três anos, a redução de 4 milhões de litros de combustível gerou economia de R$ 8 milhões, o que abriu as portas da alta direção da empresa para novos avanços na gestão de impactos associados à mudança climática. Até 2020, a meta é reduzir as emissões em 37%, a partir da projeção de regulações e oportunidades no mercado de carbono.
A construtora participa da plataforma Empresas pelo Clima, mantida pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces), da FGV-Eaesp, com propósito de mobilizar lideranças corporativas para a gestão de carbono e influenciar políticas públicas. Recentemente, foram mapeadas iniciativas como a da BRF, gigante do setor alimentício que estabeleceu planos de médio e longo prazo, prevendo aprimorar cálculos, definir indicadores e estabelecer metas de redução de emissões, monitoradas pelo alto escalão.
Entre os que priorizam o corte de carbono via projetos de eficiência energética [6], o Hospital Albert Einstein, de São Paulo, reduziu o índice de carbono em mais de 45%. No caso do grupo JBS, o esforço é a substituição do transporte rodoviário pelo ferroviário. Muitas empresas já entenderam que seus impactos têm relação com a mudança climática e iniciaram a corrida com ações proativas para não ter surpresas ruins no futuro. A adaptação econômica e produtiva a um mundo regido pela imprevisibilidade do clima deve acontecer desde já. Depois ficará muito caro.
[6] Além de reduzir emissões, poupar recursos naturais e melhorar o desempenho de produtos, a eficiência energética reduz custos para indústrias e consumidores
[:en]
Muitas empresas já entenderam que seus impactos têm relação com a mudança climática e antecipam ações para evitar surpresas ruins no futuro. Ou mesmo para aproveitar oportunidades de negócios
Sapos desenvolveram a incrível capacidade de se enterrar no solo para adquirir energias e resistir no ambiente hostil de lugares áridos, como a Caatinga. Lá o umbuzeiro conserva água nas raízes como reserva estratégica para sobrevivência na estiagem. Cientistas até suspeitam que anfíbios e árvores daquela região guardam informações genéticas úteis à clonagem de plantas cultivadas para produção de alimentos, no esforço de torná-las resistentes aos impactos da mudança climática. Ao longo da História, a complexidade da natureza tem ensinado bastante à civilização humana, inclusive na concepção de produtos industriais e na análise de modelos matemáticos e econômicos. Quem sabe a lógica embutida nos códigos da vida – guardados os devidos limites da analogia, claro – também poderia inspirar o mundo dos negócios a usar a biomimética [1] para se adequar com menor risco ao que está por vir devido à elevação da temperatura do planeta?
[1]Ciência que estuda o comportamento da natureza para imitá-la no desenvolvimento de soluções em diversas áreas do conhecimento, como a engenharia e o design
Metáforas à parte, a preparação das empresas envolve mais do que a defesa contra catástrofes ambientais, elevação do nível do mar e escassez de recursos vitais. No centro do desafio está o aspecto econômico, a necessidade de adaptação das contas e do planejamento das corporações para lidar com novas categorias de adversidades, buscar espaços financeiramente viáveis e, por fim, sobreviver em ambiente regulado pela urgência climática. Entre várias incertezas sobre o futuro do planeta com a temperatura mais quente, uma previsão parece certa: diante de obrigações legais, pressões de mercado e compromissos nacionais para aperto do controle, produzir e consumir com emissão intensiva de gases do efeito estufa tenderá a ficar excessivamente caro e até inviabilizar atividades econômicas.
QUESTÃO DE VIDA OU MORTE
Não faz tanto tempo, o apelo do aquecimento global representava algo distante e incerto para o mundo empresarial. Hoje grandes corporações reinventam negócios rumo a uma economia de baixo carbono – e fazem isso como questão de vida ou morte. De olho no futuro, empresas se mobilizam em torno de riscos e oportunidades do “custo carbono” e reorientam investimentos como preparativo para os desdobramentos de um acordo global sobre o tema que começa ser costurado para uma possível definição de compromissos na COP 21 [2], a conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) programada para dezembro de 2015, em Paris.
[2]O principal objetivo é alcançar um acordo com compromissos obrigatórios dos países para a redução de gases do efeito estufa, válido a partir de 2020, permanecendo em vigor até 2030 ou 2035
No rastro desse movimento, a necessidade de romper a inércia toma impulso após o recente alerta da Associação Meteorológica Global sobre a concentração recorde de gases- estufa na atmosfera terrestre em 2013, apesar da crise financeira que afetou a Europa e os Estados Unidos nos últimos anos. Não foi à toa que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, aproveitou a presença dos chefes de estado na 69ª Assembleia Geral da entidade, realizada em Nova York, em setembro, para reaquecer o debate diplomático sobre a urgência climática e envolver com maior ênfase o setor empresarial.
No United Nations Private Sector Forum, encontro paralelo, lideranças de corporações globais como Nestlé, DSM, Vestas e General Mills debateram caminhos para manter as emissões de carbono em níveis seguros. Além dos vídeos de sensibilização exibidos pelo ex-vice-presidente americano Al Gore e do contundente apelo do diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Achim Steiner, para que as empresas bloqueiem o lobby ceticista [3] sobre as alterações do clima, diversas companhias fizeram anúncios sobre corte de emissões. “As energias foram retomadas, porque está cada vez mais claro que os impactos já ocorrem e quem não acordar agora mais tarde vai perder”, afirma Jorge Soto, diretor de desenvolvimento sustentável da Braskem.
[3] Há consenso entre os cientistas de que a temperatura na superfície terrestre aumentou nas últimas décadas devido às atividades humanas. Mas um grupo bastante minoritário de céticos defende que o aquecimento tem causa estritamente natural
A fabricante de resinas plásticas adota a estratégia de ser parte da solução contra as alterações do clima em diversos setores da economia, ao reduzir emissões de carbono e aumentar a eficiência energética de um material existente em muitos produtos de largo consumo, tanto individual como institucional. O plástico produzido a partir da cana-de-açúcar, lançado pela Braskem com investimento de US$ 290 milhões, em 2010, sinaliza a tendência de migração de atividades emissoras de carbono para alternativas limpas.
A maior escala das inovações verdes, no entanto, depende de fatores econômicos que poderão se viabilizar no médio e longo prazos a partir da demanda criada por futuras regulações sobre clima – ou então pela fuga de investidores que deixam de acreditar nas fontes fósseis e optam pelas renováveis.
O mais emblemático aceno veio dos Rockefellers, os mesmos que fizeram fortuna no setor de petróleo e aproveitaram a reunião da ONU em Nova York para anunciar o compromisso de se juntar a outras organizações filantrópicas com objetivo de retirar US$ 50 bilhões investidos em combustíveis fósseis, transferindo-os para produtos menos nocivos ao equilíbrio do clima.
MAIS INVESTIMENTOS
“Vemos o desafio climático como uma grande oportunidade, principalmente diante do diferencial do Brasil em função da matriz energética limpa”, ressalta Soto, ao enfatizar que o País poderia se tornar em relação à química verde o mesmo que a Arábia Saudita representa para o petróleo.
Em apresentação durante o evento em Nova York, o executivo brasileiro reforçou a importância da criação de mecanismos que efetivamente beneficiem produtos menos intensivos em carbono ao longo de todo o ciclo de vida – da extração da matéria-prima ao uso e descarte após o consumo. “Isso atrairá mais investimentos na economia verde e premiará quem se prepara para a obrigação de aumentar o corte de gases do efeito estufa, a partir de obrigações legais, taxações ou exigências de mercado”, conclui Soto.
Na ocasião, o United Nations Global Compact (Pacto Global) apresentou um manifesto – já assinado por mais de mil lideranças do setor privado – de apoio a iniciativas para a precificação do carbono [4], de modo que o custo da sua emissão force um processo mais efetivo de mudanças e dê às empresas flexibilidade para encontrar as próprias soluções. Pela proposta, o mecanismo deverá ser regulado nacionalmente a partir de uma governança global que tenha aplicação ampla em todos os segmentos da economia e respeite a autonomia dos países, dentro do princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, com maior compromisso dos países ricos.
[4] Mecanismo que consiste em conferir preço ao carbono emitido pelas atividades econômicas, de modo a fomentar a incorporação do custo ambiental da mudança climática
Levantamento do Banco Mundial indica que pelo menos 73 países, representando 52% do PIB global e 54% das emissões globais de gases de efeito estufa, apoiam o modelo. Desse total, 40 nações (inclusive a China) e mais de 20 cidades, estados e províncias já utilizam sistemas de precificação de carbono ou testam modelos para breve implantação. Alguns seguem o caminho de taxar emissões atmosféricas. Entre os exemplos, o México cobra taxa de US$ 1 por tonelada de carbono emitida. A Suíça, US$ 168 por tonelada.
“Algumas empresas já incorporam o preço interno do carbono para analisar riscos e planejar o crescimento das operações”, diz Raquel Souza, coordenadora da Câmara Temática de Clima do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. Ela adverte: “Campos de petróleo descobertos hoje podem não ter taxas de retorno atrativas no futuro” (leia sobre o pré-sal brasileiro).
Quando os combustíveis fósseis tiverem um preço real, embutindo os custos de impactos ambientais, fontes renováveis poderão se viabilizar mais rapidamente. Adotado por empresas como Microsoft e American Electric Power, uma das principais geradoras de energia dos Estados Unidos, o modelo está favorecendo tecnologias para emissão zero em lugar das velhas opções mais sujas. E também ajuda a justificar internamente a prioridade de recursos para o aumento da eficiência, via controle de carbono, com corte de gastos para a corporação como um todo.
Experiências nesta linha foram mapeadas pelo Carbon Disclosure Project (CDP) para orientar investidores no mundo. Em outubro, a organização divulgou novo relatório anual sobre a realidade das empresas brasileiras quanto ao controle climático. “No Brasil, o olhar está no curto prazo, porque não se sabe o que virá pela frente após cinco anos, no ambiente de regulações”, analisa Frances Way, chefe do escritório de operações do CDP. Com investimento de R$ 3,7 bilhões em iniciativas para diminuir gases-estufa, o total das companhias consultadas obteve ganhos financeiros de R$ 118,7 milhões em 2014. Mas há uma má notícia: em relação ao ano anterior, o desempenho piorou, porque a seca prolongada forçou o uso de energia termelétrica, com maior lançamento de carbono na atmosfera.
O problema hídrico atingiu em cheio os resultados do Grupo AES Brasil, que gera e distribui energia em São Paulo e registrou expressivo aumento das emissões de gases de efeito estufa desde 2011. Em três anos, a elevação foi de 218% em apenas uma das empresas do conglomerado, a AES Eletropaulo. “Para atingir a meta corporativa de reduzir 10% do carbono até 2016, será necessário empenho na diversificação energética para diminuir a dependência de termelétricas”, afirma Lais Drezza, pesquisadora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da Universidade de São Paulo.
O trabalho compõe o diagnóstico realizado pela instituição, na disciplina “Estratégia Empresarial e Mudanças Climáticas”. “Avanços para o corte de emissões são incontestáveis, mas, se dependermos de um consenso global entre os países para agir com maior ênfase, o processo ficará difícil”, reconhece o professor Jacques Marcovitch, coordenador do projeto, na FEA. Ele aposta na pressão de consumidores e mercados e reforça que a inovação é chave para a competitividade, no contexto da mudança climática.
Quem hesitar poderá ficar fora do jogo. Para ilustrar o quanto a eficiência climática significará na disputa por mercados, o pesquisador Guilherme Sortino, um dos integrantes dessa iniciativa acadêmica, investigou a gestão de carbono da Petrobras em comparação com a da concorrente norueguesa Statoil [5], companhia petrolífera de porte e características semelhantes. A conclusão: apesar de possuir criterioso controle ambiental, a brasileira emite em média quatro vezes mais gases-estufa. Enquanto na Statoil cada tonelada de carbono lançada na atmosfera, em 2012, gerou o equivalente a US$ 8,1 milhões em faturamento, na Petrobrás o resultado foi de apenas US$ 2,1 milhões por tonelada. Além disso, a empresa do Brasil registrou em 2013 quase o triplo dos vazamentos em relação à da Noruega. “É recomendável fortalecer a governança das emissões, com metas e sistemas de monitoramento, como fazem os principais concorrentes”, aponta Sortino no relatório.
[5] Companhia Petrolífera da Noruega responsável pela exploração do campo de Peregrino, na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro
“Se não planejarmos o futuro pensando no carbono, ficaremos reféns do clima”, destaca Ricardo Sampaio, gerente de meio ambiente da construtora Camargo Corrêa. Em três anos, a redução de 4 milhões de litros de combustível gerou economia de R$ 8 milhões, o que abriu as portas da alta direção da empresa para novos avanços na gestão de impactos associados à mudança climática. Até 2020, a meta é reduzir as emissões em 37%, a partir da projeção de regulações e oportunidades no mercado de carbono.
A construtora participa da plataforma Empresas pelo Clima, mantida pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces), da FGV-Eaesp, com propósito de mobilizar lideranças corporativas para a gestão de carbono e influenciar políticas públicas. Recentemente, foram mapeadas iniciativas como a da BRF, gigante do setor alimentício que estabeleceu planos de médio e longo prazo, prevendo aprimorar cálculos, definir indicadores e estabelecer metas de redução de emissões, monitoradas pelo alto escalão.
Entre os que priorizam o corte de carbono via projetos de eficiência energética [6], o Hospital Albert Einstein, de São Paulo, reduziu o índice de carbono em mais de 45%. No caso do grupo JBS, o esforço é a substituição do transporte rodoviário pelo ferroviário. Muitas empresas já entenderam que seus impactos têm relação com a mudança climática e iniciaram a corrida com ações proativas para não ter surpresas ruins no futuro. A adaptação econômica e produtiva a um mundo regido pela imprevisibilidade do clima deve acontecer desde já. Depois ficará muito caro.
[6] Além de reduzir emissões, poupar recursos naturais e melhorar o desempenho de produtos, a eficiência energética reduz custos para indústrias e consumidores