A presença de substâncias químicas além do recomendável em peças do vestuário é um problema global. O consumo consciente é a melhor forma de escapar dessa “armadilha”
A etiqueta de uma roupa que compramos traz algumas informações básicas: numeração, o tecido de que é feita, o país em que a peça foi produzida, como lavá-la. Infelizmente, há mais coisas que o consumidor deveria saber e não está sendo informado o suficiente quando o assunto é o que cobre sua pele. Um relatório lançado em 2012 pelo Greenpeace internacional analisou várias peças de roupa de 20 marcas com presença global e revelou que várias delas estavam contaminadas com produtos químicos considerados perigosos para a saúde –algumas tinham traços, além do permitido, para ftalatos [1] e nonilfenóis, em especial o etoxilato de nonilfenol (NPE). Essa substância é utilizada em detergentes na lavagem de roupas em indústrias têxteis e estudos recentes vêm apontando que se trata de um disruptor endócrino, ou seja, pode causar alterações hormonais em seres vivos.
[1] Grupo de substâncias que tem o papel de transformar plásticos rígidos em plásticos mais flexíveis. Estão presentes nas mais variadas aplicações, desde o esmalte de unhas até bolsas de sangue
A investigação do Greenpeace analisou 141 peças de roupas adquiridas em 29 diferentes países, a maior parte delas produzidas na Ásia. Entre as peças, havia roupas masculinas, femininas, infantis e lingerie, feitas tanto de tecidos sintéticos como naturais. Os NPEs foram encontrados em 89 peças (63% do total), em quantidades variáveis – algumas peças continham mais de 1.000 partes por milhão, nível já considerado perigoso. Os ftalatos foram encontrados em 31 peças de roupa. O estudo apontou também a presença de aminas, substâncias encontradas em corantes azoicos (utilizados nos processos de tingimento na indústria têxtil) e que possuem potencial cancerígeno.
As substâncias químicas são utilizadas ao longo de toda a cadeia de fabricação de tecidos e peças de vestuário, e isso, em si, não é fator para alarme. Elas são necessárias para transformar, por exemplo, o algodão em um fio que possa ser tecido e transformado em uma peça de roupa.
Alguns tecidos são fabricados com fios ou fibras obtidas a partir de polímeros sintéticos – caso da poliamida (nylon), poliacrilatos e elastômeros (elastano). Além disso, os acessórios presentes nas roupas, como fivelas, zíperes e adornos são derivados de petróleo ou tratados com produtos químicos. “No vestuário final, no entanto, essas substâncias ou passaram por reações químicas, ou devem estar presentes em concentrações inferiores às determinadas por lei”, explica Nicia Maria Mourão, gerente de assuntos regulatórios e sustentabilidade da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). “Algumas substâncias apresentam perigos à saúde ou ao meio ambiente se não forem utilizadas de maneira correta e de acordo com as regulações existentes”, completa. É o caso dos disruptores endócrinos como os NPEs, já incluídos como tema emergente no marco do Enfoque Estratégico para Gestão Internacional de Produtos Químicos (SAICM, na sigla em inglês), um fórum internacional que discute a segurança química das substâncias.
A globalização das cadeias produtivas da indústria da moda e o fenômeno do fast-fashion [2] contribuíram para que a gestão das substâncias químicas – ou a falta dela – se tornasse um problema ambiental global. Nada menos do que 80 bilhões de peças de vestuário são produzidas todos os anos no mundo inteiro, o equivalente a 11 peças por habitante do planeta.
[2] Termo utilizado por grandes magazines de roupa para produção rápida e contínua de lançamentos
A velocidade com que essas peças são produzidas, consumidas e descartadas é cada vez mais galopante, e um volume expressivo dessas roupas é produzido em países com leis ambientais menos rígidas – caso da China, Índia e Bangladesh. Além do risco no contato com a pele do usuário, as substâncias químicas vão parar nos rios e mares, podem se acumular no organismo de peixes e crustáceos e voltar para o ser humano, via cadeia alimentar.
Para romper esse ciclo nefasto, repensar o consumo deve ser a primeira atitude. “Tudo começa na necessidade de consumo e na responsabilidade de cada um. Investigar as práticas de cada empresa coloca o consumidor em uma posição ativa e consciente”, afirma Chiara Gadaleta, especialista em sustentabilidade na moda e idealizadora do Ecoera, movimento de sensibilização para as questões socioambientais no mercado da moda. Segundo ela, no Brasil a discussão sobre materiais orgânicos na moda ainda é embrionária e atende a um nicho de mercado, mas optar por tingimentos naturais e fibras orgânicas pode ser um bom jeito de salvar a própria pele dos químicos indesejáveis.