No aconchego do lar, esquecemos que lidar com produtos químicos exige cuidados específicos
O lar pode ser doce, mas nem tanto. De uso tão comum, alguns produtos domésticos acabam parecendo inofensivos aos olhos do morador, que acaba sendo descuidado no uso. É o caso dos artigos de limpeza [1], uma das principais fontes de intoxicação no mun- do. Em outras vezes, o perigo oculto pode estar no ar ou em objetos aparentemente banais, como um patinho de borracha.
[1] A incidência anual de intoxicação varia de 2% a 5% por população, segundo a Organização Mundial da Saúde
Boa parte dos brinquedos contém ftalatos, substância usada para amolecer plásticos de PVC. Vasilhames de alimentos, papel-filme, cortina de chuveiro, alguns artigos de perfumaria, limpeza e maquiagem levam o componente, que integra o grupo dos desreguladores endócrinos [2] e, como tal, podem causar distúrbios hormonais.
[2] Acesse para obter a lista dos desreguladores hormonais, saber como evitá-los e quais são os seus efeitos.
Roedores expostos a altos níveis da substância tiveram alterações nos testículos e no desenvolvimento sexual, além de câncer de fígado. Como não foram registradas alterações em seres humanos, esse aditivo é permitido no Brasil, desde que não ultrapasse certa medida. Inúmeros estudos independentes veem relação entre ftalatos e doenças como diabetes, obesidade e parto prematuro, porém não são considerados conclusivos.
Comprar produtos com o selo do InMetro é a recomendação oficial para garantir que a aplicação não excedeu os parâmetros legais [3]. A avaliação considera os riscos conforme idade, uso e tipo de ftalato. Lá fora, as abordagens variam entre o uso controlado e a proibição. Esta última, guiada pelo Princípio da Precaução [4].
[3] Para brinquedos, a portaria 369 estabelece 0,1% de limite para ftalatos identificados sob as siglas DEHP, DBP, BBP, DINP, DINP e DNOP
[4] Sua aplicação tem como objetivo precaver-se contra possíveis efeitos nefastos e irrecuperáveis, mesmo que estes não estejam científica e empiricamente provados
A descoberta do efeito cumulativo das substâncias desreguladoras e de que algumas delas podem ser prejudiciais mesmo em baixa quantidade motivou estudos recentes, que sugeriram novos danos, aumentando a polêmica mundial acerca do assunto. Há suspeitas de que Bisfenol A (ou BPA), usado há 120 anos, por exemplo, pode estar associado a doenças cardíacas e ao câncer.
[5] Se o rótulo de itens plásticos sinalizar o número 7 ou a sigla PC é porque tem BPA
Para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é prematuro afirmar que o BPA traz riscos à saúde , mas diante das incertezas, seu uso é vetado em mamadeiras e artigos de bebê, uma vez que as crianças seriam as mais vulneráveis.
[6] Leia: A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) garante que é inofensivo e criou um hotsite para prestar esclarecimentos: bisfenol-a.org.br.
A substância é encontrada em plásticos de policarbonato, no revestimento interno de latas de alumínio e até nos comprovantes das compras de crédito e débito. “O problema não é a contaminação pela pele, é a ingestão”, esclarece o médico Anthony Wong, diretor do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Ceatox). Mesmo assim, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo recomenda evitar recipientes alimentícios que contenham o componente. Aquecido, ele é liberado mais facilmente.
REPENSAR HÁBITOS
As tintas à base d’água ilustram a tendência da indústria para desenvolver sintéticos menos agressivos. Hoje, elas representam 87% do total no Brasil, substituindo solventes orgânicos, grandes emissores de Compostos Orgânicos Voláteis (COVs) [8], que são poluentes cancerígenos.
[8] Na Austrália, casas novas Pesquisadas ultrapassaram em 20 vezes o limite de segurança para COVs por conta dos materiais novos. Os sintomas causados por esses poluentes têm um nome: Síndrome do Edifício Doente
Saiba mais no artigo “Poluição de Ambientes Internos”, de José Boechat e José Rios em goo.gl/zc8urW.
O formaldeído – que é exalado de tapetes, papéis de parede e móveis de madeira prensada – é outro COV que vem sendo substituído gradativamente, de acordo com o pesquisador Reinaldo Bazito, do grupo de pesquisa em Química Verde e Ambiental do Instituto de Química da USP. “Arejar a casa é a melhor saída para lidar com os COVs”, recomenda.
O hábito de consumo também é determinante no grau de exposição do morador. “Querer ‘limpar bem limpo’ leva a exageros”, diz Bazito, referindo-se à quantidade, frequência e escolha do produto.
Ele dá o exemplo do removedor, composto basicamente de solvente orgânico derivado do petróleo, e do limpa-forno, que se for vendido em spray leva solvente orgânico oxigenado, e, se não for, tem por base a corrosiva soda cáustica. Todos eles muito irritantes para as mucosas e vias respiratórias. Na hora do uso, é fundamental seguir à risca as instruções do rótulo. Tal displicência é a causa da maioria dos atendimentos prestados por Wong no Ceatox.
Segundo o médico, as técnicas tradicionais continuam sendo eficientes na limpeza cotidiana: água e sabão, vassoura ou aspirador já diminuiriam o contato do morador com produtos de limpeza sintéticos. Vinagre e bicarbonato também são úteis em alguns casos. Já fabricar os próprios produtos é mais arriscado. “O sabão leva soda cáustica. Se errar no manuseio, a pessoa pode se ferir gravemente e, se errar na dose, produzirá um produto de qualidade inferior”, avalia Bazito.