Em sua natureza mais fundamental, o amor – talvez o mais humano dos sentimentos – não passa de um fenômeno químico
Amor é fogo que arde sem se ver;/ é ferida que dói, e não se sente;/ é um contentamento descontente;/ é dor que desatina sem doer,/ cravou há mais de quatro séculos o poeta português Luís de Camões, captando com brilhantismo – e uma pitadinha de ironia – a natureza intensa e inconstante do amor. E, cá entre nós, ele não poderia ter acertado mais: o amor é mesmo fogo! É uma coisa brutal e autocontraditória. Pois o leitor considere o seguinte: a tórrida paixão adolescente de Romeu e Julieta durou só três dias e deixou cinco corpos pelo caminho. Com uma mudança de estilo e um título espalhafatoso, o conto do bardo inglês [1] se sentiria perfeitamente em casa nas páginas do Notícias Populares [2].
[1] Apelido de William Shakespeare
[2] Também conhecido como NP, o jornal circulou em São Paulo entre 1963 e 2001. Era famoso por suas manchetes sensacionalistas
A verdade é que, a despeito da imagem diáfana que criamos em torno do amor como um fenômeno muito refinado, ele tem um lado mais hard e está quimicamente enraizado na mente humana, como constatou a antropóloga americana Helen Fisher. Em 2006, ela juntou um grupo de voluntários que se encontravam perdidamente apaixonados e os colocou numa máquina de ressonância magnética. O que ela descobriu com isso foi que a paixão gerava atividade na área tegmental ventral (ATV), parte do cérebro responsável pela produção da dopamina.[3]
[3] A dopamina é um neurotransmissor que está na base dos mecanismos de desejo e de recompensa/prazer
Além disso, é uma das regiões mais primitivas do cérebro. “A ATV está bem abaixo de nosso processo cognitivo, abaixo de nossas emoções. Ela é parte do centro reptiliano que está associada com o querer e a motivação”, explicou a pesquisadora em uma das duas palestras ministradas no TED (Assista às palestras aqui e aqui.)
O amor romântico não é propriamente um sentimento, mas um verdadeiro impulso básico. Não muito diferente do desejo sexual. Uma ligação amorosa duradoura foi a forma que a natureza bolou para convencer os pais a permanecerem juntos e colaborarem com tempo o bastante para criarem seus filhos e, dessa forma, aumentarem as chances de sobrevivência de seus descendentes.
Isso exigiu a criação de um mecanismo formidável de engrenagens químicas que formam as bases daquilo que a nossa cultura veio a entronizar como o sentido maior da vida. “Todo comportamento, seja ele sexual, seja afetivo, está alicerçado sobre reações químicas”, resume a psiquiatra Carmita Abdo, que coordena o Programa de Estudos em Sexualidade (Prosex), da USP.
Conforme nos envolvemos amorosamente, a química cerebral muda. Uma pesquisa com casais com até seis meses de relacionamento mostra que as mulheres ficam com mais testosterona, o que aumenta sua predisposição ao sexo, enquanto a dos homens diminui, contribuindo para que tenham mais interesse em uma única parceira.
TRÊS DEGRAUS
A ideia de Helen Fisher é de que os relacionamentos amorosos seguem um ciclo de três etapas básicas, cada qual com o próprio coquetel neuroquímico: o desejo sexual, que nos leva a sair por aí procurando parceiros amorosos; o amor romântico, que nos faz fixar a atenção em um único parceiro; e, por fim, o apego profundo, que se estabelece entre parceiros de longa data.
Segundo Carmita, a primeira etapa desenvolve-se com um empurrãozinho da testosterona. “Embora a testosterona seja mais conhecida como um hormônio masculino, as mulheres também a têm. É a testosterona que nos dá a motivação sexual”, explica a professora.
Em outras palavras, a testosterona nos coloca “na pista”. Mas isso não basta. Se deixada por conta própria, vai nos levar a fazer sexo sempre que – e com quem – tivermos oportunidade. “Mas não é esse o ponto [de todo esse mecanismo]”, pondera o neurocientista canadense Jim Pfaus, que vem pesquisando o comportamento sexual desde 1988. “Não somos tão seletivos assim com quem fazemos sexo. Já quando estamos escolhendo com quem teremos filhos, aí nos tornamos extremamente seletivos”, completa o professor do Departamento de Psicologia da Universidade Concórdia.
Assim que encontramos alguém que nos interessa particularmente, o cérebro é inundado por um coquetel neuroquímico formado principalmente por noradrenalina [4]e dopamina. A atividade sexual mais intensa – estimulada pela testosterona – também aumenta a concentração de opioides [5]naturais. Por outro lado, há uma queda pronunciada nos níveis de serotonina [6] similar ao constatado em pessoas que apresentam sintomas de Transtorno Obsessivo-Compulsivo – não é à toa que, quando estamos apaixonados, fica difícil pensar em outra coisa.
[4] Estimulante natural do cérebro que regula a concentração. Também está associado à sensação de euforia
[5] Opioides são substâncias quimicamente aparentadas com a morfina e a heroína que provocam sensações de relaxamento e bem-estar
[6] Neurotransmissor importante na regulação do humor, do apetite e do sono. Oscilações em seus níveis podem estar por trás de problemas com ansiedade e depressão
“Eu acho que, no fundo, o amor é um tipo de vício químico em seu parceiro”, brinca – um tanto a sério – o neurocientista Larry Young, chefe da Divisão de Neurociência Comportamental do Centro Nacional Yerkes de Pesquisa em Primatas. “Sei que não é uma forma lá muito romântica de colocar, mas, quando você olha para pessoas que estão em estágios iniciais da paixão, é realmente muito parecido com um vício”, continua.
Só que esse vício tem prazo de validade. Carmita aponta para um estudo realizado em 2003 pela Universidade de Pisa que mediu as diferenças hormonais em indivíduos apaixonados. Os testes mostraram que, em todos os voluntários, as concentrações hormonais haviam voltado ao normal entre 12 e 24 meses depois do primeiro exame. Para que nossas histórias de amor terminem com o final feliz pelo qual todos nós – intimamente – torcemos, algo mais precisa acontecer. Esse algo mais é o processo de apego disparado pela oxitocina [7] e pela vasopressina [8].
[7] Hormônio ligado à maternidade (inicia as contrações do parto e a produção de leite)
[8] A vasopressina está relacionada ao sentimento de exclusividade e fidelidade desenvolvida por casais estáveis
Larry Young foi um dos pesquisadores que colaboraram para uma melhor compreensão do papel dessas duas substâncias nos relacionamentos. Sua pesquisa comparou duas espécies distintas de rato-do-campo: em uma, o comportamento é antissocial; em outra, os machos e fêmeas formam casais monogâmicos que permanecem unidos para cuidar das crias. A descoberta do estudo foi que a causa de comportamentos tão distintos estava na forma como cada uma delas processa esses hormônios.
Bastou que Young manipulasse os genes dos machos da espécie antissocial de forma a aumentar o número de receptores de vasopressina nos centros de prazer de seus cérebros para que eles começassem a demonstrar apego em relação às fêmeas. “Não quero dizer que esses ratos sentem amor da mesma forma que sentimos, mas eles têm parte da química subjacente e apresentam os mesmos sintomas básicos”, afirma.
FATOR DE ESCOLHA
A química também tem algo a dizer sobre quem escolhemos. Em 2006, Helen Fisher e o site de encontros Match.com lançaram o Chemistry.com, um projeto paralelo que parte do perfil neuroquímico dos usuários para ajudar a selecionar parceiros. Por meio de um questionário engenhoso, o site tenta determinar qual de quatro substâncias – dopamina, serotonina, testosterona e estrogênio [9]– é a predominante no candidato para, então, procurar indivíduos compatíveis.
[9] Classe de hormônios mais conhecida pelo controle da ovulação. No cérebro, está ligada à imaginação, à capacidade verbal e ao entendimento de situações sociais
Com base em um levantamento das preferências de mais de 28 mil usuários do site, foi possível determinar três comportamentos típicos. Quem possui dopamina como característica predominante tende a se relacionar com outros do mesmo grupo; a mesma coisa acontece com quem tem mais serotonina; já no caso da testosterona e do estrogênio a atração é mútua. Ou seja, aquela história dos opostos que se atraem só é verdade parcialmente.
Há quem suspeite de que uma segunda categoria de substâncias químicas – os feromônios [10] – desempenhe um papel importante na escolha de nossos parceiros amorosos. Essas substâncias são espalhadas pelo ar e percebidas pelo olfato. Embora sejam importantes para muitas espécies animais, no que diz respeito aos humanos sua importância ainda está por ser comprovada.
[10] Feromônios são substâncias voláteis com um papel importante na comunicação entre membros da mesma espécie, especialmente em comportamentos sexuais e territoriais
Para a bióloga e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Mirna Duarte Barros, apesar de trabalhos mostrarem que a composição do suor das mulheres muda de acordo com a fase do ciclo menstrual, os elementos olfatórios parecem ter se tornado coadjuvantes pouco relevantes na química amorosa humana. “O quanto os feromônios são importantes é uma questão em debate. Temos uma série de componentes socioculturais que mascaram o nosso cheiro natural, como a roupa e perfumes”, diz.
Contudo, há um estudo clássico em que mulheres solicitadas a classificar o cheiro de camisas usadas por um grupo de homens tendiam a preferir o odor de indivíduos que tivessem um sistema imunológico diferente do seu [11]. “Em termos evolutivos, isso garante a atração entre indivíduos geneticamente diferentes, diminuindo a probabilidade de doenças hereditárias ”, avalia.
[11] Acesse o resumo e leia mais a respeito na reportagem “Senhores das causas impossíveis” da edição 85 de PÁGINA22.
PAIXÃO INEXPLICÁVEL
Não quer dizer que tudo esteja predeterminado e que sejamos espectadores inconscientes de um experimento de química de larga escala. Todos os entrevistados foram enfáticos em dizer que a ciência ainda tem grande dificuldade em explicar o porquê de nos apaixonarmos por uma pessoa em particular, mas não por outra. “Você vai amar ou não alguém com base nas suas experiências de vida, sua memória e seu perfil. Tudo isso importa na hora de estar mais ou menos interessado em determinada pessoa e disponível para que todo esse processo possa se desenrolar”, completa Carmita.
“Não somos robôs. Todos esses químicos criam impulsos e nos deixam motivados, mas não somos escravos desses impulsos”, reforça Young, que diz manter sempre em mente o lado romântico do amor porque este “é muito mais rico do que essas poucas substâncias químicas”.
Essa, aliás, é uma constante entre os pesquisadores do tema: eles parecem estar na defensiva, como se desculpando por reduzir à “fria” química uma das poucas coisas mágicas que restam da experiência humana. Jim Pfaus, contudo, coloca a questão sob outra luz: “Sozinha, cada uma das substâncias responsáveis pelo amor faz pouco mais do que ativar uma porção do cérebro. Mas, quando agem juntas e em sincronia, criam algo lindo. É como uma sinfonia”.
[:en]Em sua natureza mais fundamental, o amor – talvez o mais humano dos sentimentos – não passa de um fenômeno químico
Amor é fogo que arde sem se ver;/ é ferida que dói, e não se sente;/ é um contentamento descontente;/ é dor que desatina sem doer,/ cravou há mais de quatro séculos o poeta português Luís de Camões, captando com brilhantismo – e uma pitadinha de ironia – a natureza intensa e inconstante do amor. E, cá entre nós, ele não poderia ter acertado mais: o amor é mesmo fogo! É uma coisa brutal e autocontraditória. Pois o leitor considere o seguinte: a tórrida paixão adolescente de Romeu e Julieta durou só três dias e deixou cinco corpos pelo caminho. Com uma mudança de estilo e um título espalhafatoso, o conto do bardo inglês [1] se sentiria perfeitamente em casa nas páginas do Notícias Populares [2].
[1] Apelido de William Shakespeare
[2] Também conhecido como NP, o jornal circulou em São Paulo entre 1963 e 2001. Era famoso por suas manchetes sensacionalistas
A verdade é que, a despeito da imagem diáfana que criamos em torno do amor como um fenômeno muito refinado, ele tem um lado mais hard e está quimicamente enraizado na mente humana, como constatou a antropóloga americana Helen Fisher. Em 2006, ela juntou um grupo de voluntários que se encontravam perdidamente apaixonados e os colocou numa máquina de ressonância magnética. O que ela descobriu com isso foi que a paixão gerava atividade na área tegmental ventral (ATV), parte do cérebro responsável pela produção da dopamina.[3]
[3] A dopamina é um neurotransmissor que está na base dos mecanismos de desejo e de recompensa/prazer
Além disso, é uma das regiões mais primitivas do cérebro. “A ATV está bem abaixo de nosso processo cognitivo, abaixo de nossas emoções. Ela é parte do centro reptiliano que está associada com o querer e a motivação”, explicou a pesquisadora em uma das duas palestras ministradas no TED (Assista às palestras aqui e aqui.)
O amor romântico não é propriamente um sentimento, mas um verdadeiro impulso básico. Não muito diferente do desejo sexual. Uma ligação amorosa duradoura foi a forma que a natureza bolou para convencer os pais a permanecerem juntos e colaborarem com tempo o bastante para criarem seus filhos e, dessa forma, aumentarem as chances de sobrevivência de seus descendentes.
Isso exigiu a criação de um mecanismo formidável de engrenagens químicas que formam as bases daquilo que a nossa cultura veio a entronizar como o sentido maior da vida. “Todo comportamento, seja ele sexual, seja afetivo, está alicerçado sobre reações químicas”, resume a psiquiatra Carmita Abdo, que coordena o Programa de Estudos em Sexualidade (Prosex), da USP.
Conforme nos envolvemos amorosamente, a química cerebral muda. Uma pesquisa com casais com até seis meses de relacionamento mostra que as mulheres ficam com mais testosterona, o que aumenta sua predisposição ao sexo, enquanto a dos homens diminui, contribuindo para que tenham mais interesse em uma única parceira.
TRÊS DEGRAUS
A ideia de Helen Fisher é de que os relacionamentos amorosos seguem um ciclo de três etapas básicas, cada qual com o próprio coquetel neuroquímico: o desejo sexual, que nos leva a sair por aí procurando parceiros amorosos; o amor romântico, que nos faz fixar a atenção em um único parceiro; e, por fim, o apego profundo, que se estabelece entre parceiros de longa data.
Segundo Carmita, a primeira etapa desenvolve-se com um empurrãozinho da testosterona. “Embora a testosterona seja mais conhecida como um hormônio masculino, as mulheres também a têm. É a testosterona que nos dá a motivação sexual”, explica a professora.
Em outras palavras, a testosterona nos coloca “na pista”. Mas isso não basta. Se deixada por conta própria, vai nos levar a fazer sexo sempre que – e com quem – tivermos oportunidade. “Mas não é esse o ponto [de todo esse mecanismo]”, pondera o neurocientista canadense Jim Pfaus, que vem pesquisando o comportamento sexual desde 1988. “Não somos tão seletivos assim com quem fazemos sexo. Já quando estamos escolhendo com quem teremos filhos, aí nos tornamos extremamente seletivos”, completa o professor do Departamento de Psicologia da Universidade Concórdia.
Assim que encontramos alguém que nos interessa particularmente, o cérebro é inundado por um coquetel neuroquímico formado principalmente por noradrenalina [4]e dopamina. A atividade sexual mais intensa – estimulada pela testosterona – também aumenta a concentração de opioides [5]naturais. Por outro lado, há uma queda pronunciada nos níveis de serotonina [6] similar ao constatado em pessoas que apresentam sintomas de Transtorno Obsessivo-Compulsivo – não é à toa que, quando estamos apaixonados, fica difícil pensar em outra coisa.
[4] Estimulante natural do cérebro que regula a concentração. Também está associado à sensação de euforia
[5] Opioides são substâncias quimicamente aparentadas com a morfina e a heroína que provocam sensações de relaxamento e bem-estar
[6] Neurotransmissor importante na regulação do humor, do apetite e do sono. Oscilações em seus níveis podem estar por trás de problemas com ansiedade e depressão
“Eu acho que, no fundo, o amor é um tipo de vício químico em seu parceiro”, brinca – um tanto a sério – o neurocientista Larry Young, chefe da Divisão de Neurociência Comportamental do Centro Nacional Yerkes de Pesquisa em Primatas. “Sei que não é uma forma lá muito romântica de colocar, mas, quando você olha para pessoas que estão em estágios iniciais da paixão, é realmente muito parecido com um vício”, continua.
Só que esse vício tem prazo de validade. Carmita aponta para um estudo realizado em 2003 pela Universidade de Pisa que mediu as diferenças hormonais em indivíduos apaixonados. Os testes mostraram que, em todos os voluntários, as concentrações hormonais haviam voltado ao normal entre 12 e 24 meses depois do primeiro exame. Para que nossas histórias de amor terminem com o final feliz pelo qual todos nós – intimamente – torcemos, algo mais precisa acontecer. Esse algo mais é o processo de apego disparado pela oxitocina [7] e pela vasopressina [8].
[7] Hormônio ligado à maternidade (inicia as contrações do parto e a produção de leite)
[8] A vasopressina está relacionada ao sentimento de exclusividade e fidelidade desenvolvida por casais estáveis
Larry Young foi um dos pesquisadores que colaboraram para uma melhor compreensão do papel dessas duas substâncias nos relacionamentos. Sua pesquisa comparou duas espécies distintas de rato-do-campo: em uma, o comportamento é antissocial; em outra, os machos e fêmeas formam casais monogâmicos que permanecem unidos para cuidar das crias. A descoberta do estudo foi que a causa de comportamentos tão distintos estava na forma como cada uma delas processa esses hormônios.
Bastou que Young manipulasse os genes dos machos da espécie antissocial de forma a aumentar o número de receptores de vasopressina nos centros de prazer de seus cérebros para que eles começassem a demonstrar apego em relação às fêmeas. “Não quero dizer que esses ratos sentem amor da mesma forma que sentimos, mas eles têm parte da química subjacente e apresentam os mesmos sintomas básicos”, afirma.
FATOR DE ESCOLHA
A química também tem algo a dizer sobre quem escolhemos. Em 2006, Helen Fisher e o site de encontros Match.com lançaram o Chemistry.com, um projeto paralelo que parte do perfil neuroquímico dos usuários para ajudar a selecionar parceiros. Por meio de um questionário engenhoso, o site tenta determinar qual de quatro substâncias – dopamina, serotonina, testosterona e estrogênio [9]– é a predominante no candidato para, então, procurar indivíduos compatíveis.
[9] Classe de hormônios mais conhecida pelo controle da ovulação. No cérebro, está ligada à imaginação, à capacidade verbal e ao entendimento de situações sociais
Com base em um levantamento das preferências de mais de 28 mil usuários do site, foi possível determinar três comportamentos típicos. Quem possui dopamina como característica predominante tende a se relacionar com outros do mesmo grupo; a mesma coisa acontece com quem tem mais serotonina; já no caso da testosterona e do estrogênio a atração é mútua. Ou seja, aquela história dos opostos que se atraem só é verdade parcialmente.
Há quem suspeite de que uma segunda categoria de substâncias químicas – os feromônios [10] – desempenhe um papel importante na escolha de nossos parceiros amorosos. Essas substâncias são espalhadas pelo ar e percebidas pelo olfato. Embora sejam importantes para muitas espécies animais, no que diz respeito aos humanos sua importância ainda está por ser comprovada.
[10] Feromônios são substâncias voláteis com um papel importante na comunicação entre membros da mesma espécie, especialmente em comportamentos sexuais e territoriais
Para a bióloga e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Mirna Duarte Barros, apesar de trabalhos mostrarem que a composição do suor das mulheres muda de acordo com a fase do ciclo menstrual, os elementos olfatórios parecem ter se tornado coadjuvantes pouco relevantes na química amorosa humana. “O quanto os feromônios são importantes é uma questão em debate. Temos uma série de componentes socioculturais que mascaram o nosso cheiro natural, como a roupa e perfumes”, diz.
Contudo, há um estudo clássico em que mulheres solicitadas a classificar o cheiro de camisas usadas por um grupo de homens tendiam a preferir o odor de indivíduos que tivessem um sistema imunológico diferente do seu [11]. “Em termos evolutivos, isso garante a atração entre indivíduos geneticamente diferentes, diminuindo a probabilidade de doenças hereditárias ”, avalia.
[11] Acesse o resumo e leia mais a respeito na reportagem “Senhores das causas impossíveis” da edição 85 de PÁGINA22.
PAIXÃO INEXPLICÁVEL
Não quer dizer que tudo esteja predeterminado e que sejamos espectadores inconscientes de um experimento de química de larga escala. Todos os entrevistados foram enfáticos em dizer que a ciência ainda tem grande dificuldade em explicar o porquê de nos apaixonarmos por uma pessoa em particular, mas não por outra. “Você vai amar ou não alguém com base nas suas experiências de vida, sua memória e seu perfil. Tudo isso importa na hora de estar mais ou menos interessado em determinada pessoa e disponível para que todo esse processo possa se desenrolar”, completa Carmita.
“Não somos robôs. Todos esses químicos criam impulsos e nos deixam motivados, mas não somos escravos desses impulsos”, reforça Young, que diz manter sempre em mente o lado romântico do amor porque este “é muito mais rico do que essas poucas substâncias químicas”.
Essa, aliás, é uma constante entre os pesquisadores do tema: eles parecem estar na defensiva, como se desculpando por reduzir à “fria” química uma das poucas coisas mágicas que restam da experiência humana. Jim Pfaus, contudo, coloca a questão sob outra luz: “Sozinha, cada uma das substâncias responsáveis pelo amor faz pouco mais do que ativar uma porção do cérebro. Mas, quando agem juntas e em sincronia, criam algo lindo. É como uma sinfonia”.