Plantações de cana-de-açúcar causam menos danos do que se pensava e minimizam impactos da perda de hábitat natural, comparativamente a outras culturas agrícolas
A chegada massiva da cana-de-açúcar que substituiu pastagens causou rebuliço entre fazendeiros, cientistas e ambientalistas, há três anos, na região de Mineiros (GO). Suspeitava-se que a expansão da nova fronteira do etanol seria fatal para a fauna daquele raro pedaço de Cerrado, espremido entre extensas lavouras. Ledo engano. Contradizendo o que muitos imaginavam, os canaviais não se tornaram barreira para a movimentação dos animais. Ao contrário: antas, raposas, tatus, lobos e, principalmente, onças, passaram a frequentá-los como local de abrigo, alimento e até reprodução.
“Nossa maior surpresa foi verificar que a onça-pintada, a espécie mais exigente quanto à qualidade ambiental, está de volta à região, e isso ocorre no melhor dos cenários, pois ela se acasala e cria filhotes em meio a áreas de produção”, conta o biólogo Leandro Silveira. O pesquisador e a esposa, Anah Jácomo, não teriam melhor notícia, após duas décadas de pesquisas na área. A partir de 2011, o casal instalou 250 armadilhas fotográficas nos canaviais e fragmentos de Cerrado para flagrar a presença da fauna de médio-grande porte e investigar impactos ao equilíbrio ecológico.
Animais receberam radiocolares e foram acompanhados por GPS. O resultado dos estudos, conduzidos pelo Instituto Onça-Pintada, foi intrigante: diferentemente das lavouras de baixo porte, como de soja e milho, a cana-de-açúcar atinge 4 metros e meio de altura e funciona como refúgio seguro para o felino. Mais que isso: lá o predador encontra com facilidade algumas das presas prediletas: a anta, a capivara e o queixada, um voraz porco silvestre que se aproxima da plantação para comer a cana.
“Não podemos dizer que os canaviais são bons para a fauna e devem ser expandidos, mas que causam menos danos do que se pensava e minimizam impactos da perda de hábitat natural, comparativamente a outras culturas agrícolas”, explica Silveira. Isso só ocorre porque na região há porções de mata nativa protegidas nas fazendas como Reserva Legal ou Área de Preservação Permanente (APP), na beira de rios. De acordo com os biólogos, o atual desenho da paisagem é favorável ao trânsito dos animais, apesar da ameaça da fragmentação do Cerrado. Em meio a esse mosaico, localiza-se um
riquíssimo berçário e refúgio de vida silvestre: o Parque Nacional das Emas, com 132 mil hectares, bordejados pelo apetite do agronegócio.
No total, 86% das espécies de mamíferos de médio-grande porte existentes no parque também habitam os canaviais do entorno. Quase metade está ameaçada de extinção, como o tatu-canastra e o cachorro-do-mato-vinagre, sensíveis a mudanças ambientais.
O sinal de alerta está ligado, porque a relação harmônica com canaviais não se repete nas lavouras de milho, atacadas por porcos-do-mato cada vez mais numerosos, ou nos cultivos de soja, alvos de pombas, periquitos e papagaios. “Queremos achar um modelo sustentável para produção agrícola de grande escala, principalmente para bioenergia, de grande potencial no País”, revela Silveira.
“Precisamos de soluções, porque convivemos cada vez mais próximos da biodiversidade”, completa a fazendeira Maria Fries, matriarca de uma família dedicada a proteger as nascentes do Rio Araguaia, na borda do parque nacional. Ela lidera um movimento para transformar 28 quilômetros da Rodovia GO-341 em “estrada-parque”, com sinalização, radares e passagens subterrâneas de modo a reduzir o atropelamento de animais por caminhões que escoam a produção agrícola. A cana substituiu 100 mil hectares de pastagens improdutivas na região e valorizou a terra. “Mas trouxe algumas demandas ambientais”, afirma Maria, feliz ao apontar para araras que pousam sobre o silo de grãos da propriedade em busca de alimento.
A produtora rural fornece cana à usina da Odebrecht Agroindustrial, patrocinadora dos estudos com os animais. O plano da empresa é criar o selo Jaguar Friendly para o etanol, em parceria com ONGs internacionais, para diferenciar o produto no mercado. Sinal de novos tempos. Abrir o notebook para mostrar fotos de grandes felinos virou rotina em reuniões para discutir negócios. O que antes era uma dor de cabeça torna-se hoje uma vantagem competitiva, ainda mais quando as onças viram galinhas – galinhas dos ovos de ouro.
*Jornalista
[:en]Plantações de cana-de-açúcar causam menos danos do que se pensava e minimizam impactos da perda de hábitat natural, comparativamente a outras culturas agrícolas
A chegada massiva da cana-de-açúcar que substituiu pastagens causou rebuliço entre fazendeiros, cientistas e ambientalistas, há três anos, na região de Mineiros (GO). Suspeitava-se que a expansão da nova fronteira do etanol seria fatal para a fauna daquele raro pedaço de Cerrado, espremido entre extensas lavouras. Ledo engano. Contradizendo o que muitos imaginavam, os canaviais não se tornaram barreira para a movimentação dos animais. Ao contrário: antas, raposas, tatus, lobos e, principalmente, onças, passaram a frequentá-los como local de abrigo, alimento e até reprodução.
“Nossa maior surpresa foi verificar que a onça-pintada, a espécie mais exigente quanto à qualidade ambiental, está de volta à região, e isso ocorre no melhor dos cenários, pois ela se acasala e cria filhotes em meio a áreas de produção”, conta o biólogo Leandro Silveira. O pesquisador e a esposa, Anah Jácomo, não teriam melhor notícia, após duas décadas de pesquisas na área. A partir de 2011, o casal instalou 250 armadilhas fotográficas nos canaviais e fragmentos de Cerrado para flagrar a presença da fauna de médio-grande porte e investigar impactos ao equilíbrio ecológico.
Animais receberam radiocolares e foram acompanhados por GPS. O resultado dos estudos, conduzidos pelo Instituto Onça-Pintada, foi intrigante: diferentemente das lavouras de baixo porte, como de soja e milho, a cana-de-açúcar atinge 4 metros e meio de altura e funciona como refúgio seguro para o felino. Mais que isso: lá o predador encontra com facilidade algumas das presas prediletas: a anta, a capivara e o queixada, um voraz porco silvestre que se aproxima da plantação para comer a cana.
“Não podemos dizer que os canaviais são bons para a fauna e devem ser expandidos, mas que causam menos danos do que se pensava e minimizam impactos da perda de hábitat natural, comparativamente a outras culturas agrícolas”, explica Silveira. Isso só ocorre porque na região há porções de mata nativa protegidas nas fazendas como Reserva Legal ou Área de Preservação Permanente (APP), na beira de rios. De acordo com os biólogos, o atual desenho da paisagem é favorável ao trânsito dos animais, apesar da ameaça da fragmentação do Cerrado. Em meio a esse mosaico, localiza-se um
riquíssimo berçário e refúgio de vida silvestre: o Parque Nacional das Emas, com 132 mil hectares, bordejados pelo apetite do agronegócio.
No total, 86% das espécies de mamíferos de médio-grande porte existentes no parque também habitam os canaviais do entorno. Quase metade está ameaçada de extinção, como o tatu-canastra e o cachorro-do-mato-vinagre, sensíveis a mudanças ambientais.
O sinal de alerta está ligado, porque a relação harmônica com canaviais não se repete nas lavouras de milho, atacadas por porcos-do-mato cada vez mais numerosos, ou nos cultivos de soja, alvos de pombas, periquitos e papagaios. “Queremos achar um modelo sustentável para produção agrícola de grande escala, principalmente para bioenergia, de grande potencial no País”, revela Silveira.
“Precisamos de soluções, porque convivemos cada vez mais próximos da biodiversidade”, completa a fazendeira Maria Fries, matriarca de uma família dedicada a proteger as nascentes do Rio Araguaia, na borda do parque nacional. Ela lidera um movimento para transformar 28 quilômetros da Rodovia GO-341 em “estrada-parque”, com sinalização, radares e passagens subterrâneas de modo a reduzir o atropelamento de animais por caminhões que escoam a produção agrícola. A cana substituiu 100 mil hectares de pastagens improdutivas na região e valorizou a terra. “Mas trouxe algumas demandas ambientais”, afirma Maria, feliz ao apontar para araras que pousam sobre o silo de grãos da propriedade em busca de alimento.
A produtora rural fornece cana à usina da Odebrecht Agroindustrial, patrocinadora dos estudos com os animais. O plano da empresa é criar o selo Jaguar Friendly para o etanol, em parceria com ONGs internacionais, para diferenciar o produto no mercado. Sinal de novos tempos. Abrir o notebook para mostrar fotos de grandes felinos virou rotina em reuniões para discutir negócios. O que antes era uma dor de cabeça torna-se hoje uma vantagem competitiva, ainda mais quando as onças viram galinhas – galinhas dos ovos de ouro.
*Jornalista