O conhecimento para o uso racional no campo já existe. Falta colocá-lo em prática
Passado o período eleitoreiro de negação do risco de as torneiras ficarem secas no Estado, uma das medidas anunciadas pelo governo paulista em janeiro de 2015 foi a restrição ao funcionamento de sistemas de irrigação em plantações de frutas e hortaliças, já que a agricultura irrigada é a maior usuária de água limpa no mundo todo. A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo estaria orientando os produtores rurais para “o uso consciente da água na irrigação”, segundo o que foi publicado na imprensa. O leitor que acompanha o noticiário, desde o início do ano inundado com relatos e imagens dos impactos da crise hídrica no Sudeste, poderá se perguntar, talvez estupefato: Então o maior gastador de água do país não tem o costume de usar esse recurso de forma consciente – e nós temos de passar por racionamento?!.
“É verdade que o uso da água na agricultura é elevado e pode ser mais eficiente”, afirma Luís Henrique Bassoi, pesquisador da Embrapa Semiárido. “Infelizmente, não foram tomadas medidas preventivas.” Não que tais medidas sejam um grande mistério para a agricultura. O conhecimento e a tecnologia necessária já existem. Uma publicação recente da Embrapa sobre o uso racional da água na produção rural traz uma série de exemplos de tecnologias consideradas simples e de baixo custo para um melhor aproveitamento do recurso, com garantias de ganhos em produtividade. Por exemplo, instrumentos para medir a quantidade de água no solo e estimar qual a quantidade perdida por evaporação e por transpiração, para então determinar a quantidade de água a ser aplicada pelo sistema de irrigação.
Segundo estimativas da Agência Nacional de Águas (ANA) citadas na publicação, a agricultura irrigada produz três vezes mais em volume de alimentos e sete vezes mais em ganhos econômicos. Ou seja, é um ótimo negócio para o agricultor e para a oferta de alimentos. Se os produtores já aplicassem as dicas apresentadas na revista, talvez não precisassem sofrer as consequências da crise hídrica como sofrerão agora, e que impactarão os preços e a oferta de alimentos nas cidades. Bassoi reconhece que é preciso ampliar o acesso à capacitação. “Os órgãos envolvidos com a agricultura devem ser mais proativos, criando mais oportunidades, como cursos e treinamentos.”
Segundo o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), que faz pesquisas científicas para aplicação agrícola, estudos que mostram ter havido atraso na intensificação da estação chuvosa há cerca de 20 anos e uma diminuição de precipitação desde 2012 foram divulgados nos últimos anos por meio de palestras, reuniões e veiculações na imprensa. Os dados não permitiam assegurar que a situação se tornaria severa em 2014, mas as medidas de prevenção já eram conhecidas. O IAC desenvolve, por exemplo, sementes de plantas resistentes ao estresse hídrico e novos sistemas de aplicação de agrotóxicos que poupam 600 milhões de litros de água por dia na cana-de-açúcar. “Estas tecnologias que estão prontas, testadas e com resultados comprovados são divulgadas aos setores de produção, mas a decisão de adotá-las ou não fica a cargo dos produtores”, afirmou por escrito um grupo de pesquisadores do Instituto. “A adoção de novos sistemas agrícolas não ocorre rapidamente. É conhecida a resistência dos agricultores diante da possibilidade da troca de tecnologias.”
Em artigo publicado na Folha de S.Paulo em janeiro, o engenheiro agrônomo Luís Fernando Guedes Pinto, do Imaflora, disse que a agricultura é ao mesmo tempo vítima, vilã e salvadora da crise. Vítima porque está perdendo e ainda vai perder muito com a falta d’água; vilã porque não soube funcionar como agente de gestão ambiental; e salvadora porque agora está evidente que ela deve ser protagonista de uma nova fase da gestão dos recursos hídricos. “Hoje quem mais vai atrás do agricultor para dar treinamento são as fabricantes e revendedoras de agrotóxicos”, disse Guedes Pinto à Página22. “A crise vai mostrar que sem preservação ambiental a comida vai ficar mais cara e escassa.”