Atribuir um valor monetário à água pode ser um caminho para garantir a normalidade do abastecimento a longo prazo
Se em plena crise hídrica lhe for dado escolher entre ter água encanada ou um punhado de diamantes é bem provável que você se renda à segunda opção. Afinal, como as pedras preciosas têm um valor de troca no mercado incalculavelmente maior do que o líquido vital, não deverá faltar água a quem possuir diamantes.
No século XVIII, o economista e filósofo escocês Adam Smith usou o paradoxo da água e do diamante para caracterizar a diferença entre o valor de uso e o valor de troca de um bem econômico. Segundo Smith, por ser imprescindível à vida, a água é dotada de alto valor de uso, mas seu valor de troca é irrisório. Já o diamante, embora tenha menor utilidade relativa, possui um expressivo valor de troca.
“Para a economia pouco importam as características físicas da água que a tornam tão fundamental para nós. O que vigora é o valor de troca”, explica o economista Sérgio Sayeg, cuja tese de mestrado na Universidade de São Paulo (USP) tratou do valor econômico da água. O que torna um pedacinho de carvão cristalizado [1] tão valioso é o trabalho que está por trás de sua disponibilização. “Dá trabalho achar diamante”, diz Sayeg. “Ao passo que a água, sendo abundante na natureza, é facilmente obtida.” Em outras palavras, grande parte do valor de um diamante decorre da sua escassez.
[1] O diamante tem a mesma composição química do carvão (carbono puro), mas foi cristalizado sob altas pressões e temperaturas nas profundezas da Terra há bilhões de anos
Passados mais de 200 anos desde as teorias do pai da Ciência Econômica, a água deixou de ser abundante em várias regiões do planeta. E, agora, será que o seu valor de troca crescerá proporcionalmente à sua escassez? Como se trata de um bem essencial à vida, o direito ao acesso precisa estar salvaguardado pelo poder público. Mas, por outro lado, também não faz sentido permitir que qualquer grupo econômico (fazendas agropecuárias, indústrias, empresas de saneamento) possa retirar água bruta das bacias hidrográficas à vontade e não pagar por isso.
Pois essa tem sido a prática até aqui. É verdade que na década passada alguns comitês de bacia [2] instituíram a cobrança para os que têm outorga de captação. Só que o pagamento por algumas dessas cobranças é voluntário. Outros mal pagam 1 centavo de real por metro cúbico [3].
[2] Colegiados que regulam a oferta de água nas bacias e que, via de regra, estão sob o controle dos grandes usuários de água
[3] Para saber mais, leia entrevista na edição 84 com o economista José Machado, que presidiu a Agência Nacional de Águas, entre 2005 e 2009
A conta que as famílias pagam mensalmente às empresas de saneamento é outra coisa. É uma tarifa associada aos chamados “serviços da água”, isto é, ao abastecimento de água potável e ao esgotamento mais o tratamento sanitário. Pela água propriamente ninguém paga nada. Há, ainda, uma distorção nessas tarifas que estaria ajudando a agravar a crise. Como observa o professor do Departamento de Recursos Hídricos do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Wilson Cabral de Sousa Júnior, embora o usuário esteja pagando o custo do provimento da água e não da água em si, ainda assim a unidade da tarifa é o consumo. “Uma vez que a receita das operadoras de saneamento está atrelada ao consumo, torna-se incongruente para elas adotarem quaisquer medidas que estimulem o uso racional e, consequentemente, reduzam o consumo relativo.”
Assim, como medida de indução ao uso racional do recurso, especialistas ouvidos por Página22 defendem que se passe a cobrar de pessoas jurídicas e físicas pelo uso da água pública, o que, aliás, está previsto na Lei das Águas (9.433/97). Há nessa proposta de cobrança um aparente conflito em razão de a água ser um bem público essencial à vida e à saúde. Mas, em meio a um colapso, como o do reservatório da Cantareira em São Paulo, não há como fugir de um processo de adaptação. E no topo da lista dos instrumentos de gestão hídrica estão os mecanismos de cobrança.
O comitê de bacia do Rio Paraíba do Sul, que corta SP, RJ e MG, em 2003 passou a cobrar 1 centavo de real por metro cúbico captado, com previsão de revisão a cada 4 anos. Já se passaram dois desses momentos sem que nenhuma alteração consistente fosse realizada. O metro cúbico das águas do Rio Paraíba vale hoje 1,09 centavo
Proposta
Wilson Cabral, autor do livro Gestão das Águas no Brasil: Reflexões, diagnósticos e desafios, propõe, por exemplo, uma cobrança escalonada a partir de um patamar social. Nesse primeiro patamar, a água não seria cobrada. Todos receberiam cerca de 50 litros por pessoa por dia, apenas o suficiente para beber, cozinhar e fazer higiene pessoal básica para não incorrer em problemas de saúde. De 50 até 110 litros, seria cobrado um valor negociado pelos comitês de bacia. Acima de 110 litros, a cobrança passaria a ser progressiva e com crescimento exponencial. “A curva subiria progressivamente de acordo com a demanda”, explica. A essa cobrança pela água, a empresa de saneamento acrescentaria a tarifa pelos serviços de saneamento.
Cabral também questiona o escalonamento dos valores como é feito hoje pela Sabesp, em São Paulo – de 0 a 10 metros cúbicos de água por mês cobra-se uma taxa fixa de cerca de R$ 17, mais 80% referente ao esgoto. Desse modo, quem consome apenas 1 metro cúbico de água no mês paga o mesmo valor de quem consome 10. “Temos aí uma pequena distorção para uma faixa de usuários de baixa renda considerável, que pode representar entre 20% e 30% da população”, contesta. “Esse modelo de escalonamento também não incentiva a racionalização do consumo dentro desse patamar.”
A partir dessa faixa, as tarifas passam a ser proporcionais, isto é, o valor é calculado por metro cúbico consumido. Quem consumir 12 metros cúbicos pagará R$ 17 mais o equivalente a 2 metros de tarifa intermediária. Depois vem uma faixa de 20 a 50, em que o valor por metro cúbico sobe, e outra, acima de 50 metros, ainda mais cara. Para o professor do ITA, com a escassez, o escalonamento precisa ter uma descontinuidade maior, com valores variando, pelo menos, a cada 10 metros cúbicos.
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Carlos Eduardo Young também defende a cobrança pelo uso da água e considera um falso argumento o de que atribuir valor monetário a um bem natural leva à exclusão social. A rua, por exemplo, é um bem comum e ninguém quer pagar para usá-la. “E quem sofre mais com os engarrafamentos? São os que moram mais longe e viajam de ônibus.” Segundo Young, o mesmo acontece com a água. Não necessariamente aquele que causa o problema é quem mais sofrerá com isso. A racionalização por meio da cobrança é um instrumento capaz de evitar um sofrimento ainda maior, o da escassez absoluta.
IDEOLOGIA
A discussão sobre valoração no Brasil é sempre muito contaminada ideologicamente. É a opinião do físico e consultor para a Global Scientific Communication Council [4], Délcio Rodrigues. “Muita gente não quer nem discutir porque acha que se está monetizando serviços essenciais”, avalia. Para ele, se os comitês de bacia tivessem uma estrutura mais adequada, com uma representatividade menos hegemônica entre Estado, empresas e sociedade civil, a questão da valoração serviria como um ótimo instrumento de mediação. Afinal, os grandes usuários da água são muito diferentes entre si.
[4] Organização voluntária e informal de representantes de conselhos de pesquisa de todo o mundo que se comprometeu a encontrar caminhos para uma maior colaboração em pesquisas
Por exemplo, o agricultor reduz a disponibilidade das bacias, uma vez que a água destinada à irrigação ou é absorvida pelas culturas e pelos animais ou evapora. Já as indústrias devolvem boa parte da água usada em seus processos para os rios – algumas a devolvem até mais limpa do que quando a captaram, já outros a devolvem sem qualquer tratamento.
A chamada Economia Ambiental é uma tentativa da Economia Neoclássica de internalizar ao sistema os bens ambientais, buscando dentro do seu próprio campo doutrinário instrumentos para tratar convenientemente a natureza. Já a Economia Ecológica propõe-se a rever muitos dos fundamentos sobre os quais estão assentados os pilares da Economia
CHAME O BOMBEIRO
O professor titular do Departamento de Economia da Universidade de Brasília Jorge Madeira Nogueira também é favorável a uma revisão dos critérios de cobrança pelo uso da água. Segundo ele, para captar água de um rio, a Sabesp paga 2 centavos de real por metro cúbico, quando deveria pagar pelo menos 18 centavos. “Sim, a empresa vai repassar essa alta para os consumidores, mas e daí? O consumidor vai reagir parando de lavar carro e calçada com mangueira”, argumenta. “É muito mais eficaz do que multar o desperdício.”
Do ponto de vista da empresa de saneamento, Nogueira lembra que essa eventual redução no consumo significará queda de faturamento. “Nesse ponto, entramos em uma questão maquiavélica, que é uma empresa com a função de gerir a coisa pública raciocinar como uma empresa que visa lucro.”
O professor da UnB reconhece que choveu pouco, mas, para ele, cabe ao administrador público, juntamente com o pessoal da área científica, relacionar e antever o problema. “Eles são gestores e não bombeiros.”
“Como a Sabesp é um dos maiores compradores de água bruta das bacias paulistas, a empresa passa a ser um dos mais poderosos membros dos comitês de bacia. E é esse colegiado, juntamente com a agência reguladora, que determina o valor da água.” Procurada pela reportagem para se posicionar, a Sabesp não se pronunciou até o fechamento desta edição.
Nogueira também acredita que haja espaço para uma atuação mais proativa da Agência Nacional de Águas (ANA) na crise hídrica, em particular na gestão das relações entre os usuários de água bruta (captada nas bacias). A ANA, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que realiza a gestão de recursos hídricos com foco nos usos múltiplos das águas, de acordo com a Política Nacional de Recursos Hídricos.
De fato, a “tragédia” é anunciada há décadas. Como previram economistas ambientais e ecológicos, a fatura pela farra capitalista que usou e abusou dos recursos naturais nos últimos séculos já está vencida e, de algum modo, precisará ser paga. Não ter água disponível é a pior forma de se pagar pela lambança toda. Muito mais civilizado seria universalizar a base da cobrança a todos que se beneficiam do recurso, ou, no mínimo, discutir as propostas que estão à mesa. Afinal, ninguém quer que a busca por água se torne tão difícil e sofrida quanto a busca por diamantes.[:en]Atribuir um valor monetário à água pode ser um caminho para garantir a normalidade do abastecimento a longo prazo
Se em plena crise hídrica lhe for dado escolher entre ter água encanada ou um punhado de diamantes é bem provável que você se renda à segunda opção. Afinal, como as pedras preciosas têm um valor de troca no mercado incalculavelmente maior do que o líquido vital, não deverá faltar água a quem possuir diamantes.
No século XVIII, o economista e filósofo escocês Adam Smith usou o paradoxo da água e do diamante para caracterizar a diferença entre o valor de uso e o valor de troca de um bem econômico. Segundo Smith, por ser imprescindível à vida, a água é dotada de alto valor de uso, mas seu valor de troca é irrisório. Já o diamante, embora tenha menor utilidade relativa, possui um expressivo valor de troca.
“Para a economia pouco importam as características físicas da água que a tornam tão fundamental para nós. O que vigora é o valor de troca”, explica o economista Sérgio Sayeg, cuja tese de mestrado na Universidade de São Paulo (USP) tratou do valor econômico da água. O que torna um pedacinho de carvão cristalizado [1] tão valioso é o trabalho que está por trás de sua disponibilização. “Dá trabalho achar diamante”, diz Sayeg. “Ao passo que a água, sendo abundante na natureza, é facilmente obtida.” Em outras palavras, grande parte do valor de um diamante decorre da sua escassez.
[1] O diamante tem a mesma composição química do carvão (carbono puro), mas foi cristalizado sob altas pressões e temperaturas nas profundezas da Terra há bilhões de anos
Passados mais de 200 anos desde as teorias do pai da Ciência Econômica, a água deixou de ser abundante em várias regiões do planeta. E, agora, será que o seu valor de troca crescerá proporcionalmente à sua escassez? Como se trata de um bem essencial à vida, o direito ao acesso precisa estar salvaguardado pelo poder público. Mas, por outro lado, também não faz sentido permitir que qualquer grupo econômico (fazendas agropecuárias, indústrias, empresas de saneamento) possa retirar água bruta das bacias hidrográficas à vontade e não pagar por isso.
Pois essa tem sido a prática até aqui. É verdade que na década passada alguns comitês de bacia [2] instituíram a cobrança para os que têm outorga de captação. Só que o pagamento por algumas dessas cobranças é voluntário. Outros mal pagam 1 centavo de real por metro cúbico [3].
[2] Colegiados que regulam a oferta de água nas bacias e que, via de regra, estão sob o controle dos grandes usuários de água
[3] Para saber mais, leia entrevista na edição 84 com o economista José Machado, que presidiu a Agência Nacional de Águas, entre 2005 e 2009
A conta que as famílias pagam mensalmente às empresas de saneamento é outra coisa. É uma tarifa associada aos chamados “serviços da água”, isto é, ao abastecimento de água potável e ao esgotamento mais o tratamento sanitário. Pela água propriamente ninguém paga nada. Há, ainda, uma distorção nessas tarifas que estaria ajudando a agravar a crise. Como observa o professor do Departamento de Recursos Hídricos do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Wilson Cabral de Sousa Júnior, embora o usuário esteja pagando o custo do provimento da água e não da água em si, ainda assim a unidade da tarifa é o consumo. “Uma vez que a receita das operadoras de saneamento está atrelada ao consumo, torna-se incongruente para elas adotarem quaisquer medidas que estimulem o uso racional e, consequentemente, reduzam o consumo relativo.”
Assim, como medida de indução ao uso racional do recurso, especialistas ouvidos por Página22 defendem que se passe a cobrar de pessoas jurídicas e físicas pelo uso da água pública, o que, aliás, está previsto na Lei das Águas (9.433/97). Há nessa proposta de cobrança um aparente conflito em razão de a água ser um bem público essencial à vida e à saúde. Mas, em meio a um colapso, como o do reservatório da Cantareira em São Paulo, não há como fugir de um processo de adaptação. E no topo da lista dos instrumentos de gestão hídrica estão os mecanismos de cobrança.
O comitê de bacia do Rio Paraíba do Sul, que corta SP, RJ e MG, em 2003 passou a cobrar 1 centavo de real por metro cúbico captado, com previsão de revisão a cada 4 anos. Já se passaram dois desses momentos sem que nenhuma alteração consistente fosse realizada. O metro cúbico das águas do Rio Paraíba vale hoje 1,09 centavo
Proposta
Wilson Cabral, autor do livro Gestão das Águas no Brasil: Reflexões, diagnósticos e desafios, propõe, por exemplo, uma cobrança escalonada a partir de um patamar social. Nesse primeiro patamar, a água não seria cobrada. Todos receberiam cerca de 50 litros por pessoa por dia, apenas o suficiente para beber, cozinhar e fazer higiene pessoal básica para não incorrer em problemas de saúde. De 50 até 110 litros, seria cobrado um valor negociado pelos comitês de bacia. Acima de 110 litros, a cobrança passaria a ser progressiva e com crescimento exponencial. “A curva subiria progressivamente de acordo com a demanda”, explica. A essa cobrança pela água, a empresa de saneamento acrescentaria a tarifa pelos serviços de saneamento.
Cabral também questiona o escalonamento dos valores como é feito hoje pela Sabesp, em São Paulo – de 0 a 10 metros cúbicos de água por mês cobra-se uma taxa fixa de cerca de R$ 17, mais 80% referente ao esgoto. Desse modo, quem consome apenas 1 metro cúbico de água no mês paga o mesmo valor de quem consome 10. “Temos aí uma pequena distorção para uma faixa de usuários de baixa renda considerável, que pode representar entre 20% e 30% da população”, contesta. “Esse modelo de escalonamento também não incentiva a racionalização do consumo dentro desse patamar.”
A partir dessa faixa, as tarifas passam a ser proporcionais, isto é, o valor é calculado por metro cúbico consumido. Quem consumir 12 metros cúbicos pagará R$ 17 mais o equivalente a 2 metros de tarifa intermediária. Depois vem uma faixa de 20 a 50, em que o valor por metro cúbico sobe, e outra, acima de 50 metros, ainda mais cara. Para o professor do ITA, com a escassez, o escalonamento precisa ter uma descontinuidade maior, com valores variando, pelo menos, a cada 10 metros cúbicos.
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Carlos Eduardo Young também defende a cobrança pelo uso da água e considera um falso argumento o de que atribuir valor monetário a um bem natural leva à exclusão social. A rua, por exemplo, é um bem comum e ninguém quer pagar para usá-la. “E quem sofre mais com os engarrafamentos? São os que moram mais longe e viajam de ônibus.” Segundo Young, o mesmo acontece com a água. Não necessariamente aquele que causa o problema é quem mais sofrerá com isso. A racionalização por meio da cobrança é um instrumento capaz de evitar um sofrimento ainda maior, o da escassez absoluta.
IDEOLOGIA
A discussão sobre valoração no Brasil é sempre muito contaminada ideologicamente. É a opinião do físico e consultor para a Global Scientific Communication Council [4], Délcio Rodrigues. “Muita gente não quer nem discutir porque acha que se está monetizando serviços essenciais”, avalia. Para ele, se os comitês de bacia tivessem uma estrutura mais adequada, com uma representatividade menos hegemônica entre Estado, empresas e sociedade civil, a questão da valoração serviria como um ótimo instrumento de mediação. Afinal, os grandes usuários da água são muito diferentes entre si.
[4] Organização voluntária e informal de representantes de conselhos de pesquisa de todo o mundo que se comprometeu a encontrar caminhos para uma maior colaboração em pesquisas
Por exemplo, o agricultor reduz a disponibilidade das bacias, uma vez que a água destinada à irrigação ou é absorvida pelas culturas e pelos animais ou evapora. Já as indústrias devolvem boa parte da água usada em seus processos para os rios – algumas a devolvem até mais limpa do que quando a captaram, já outros a devolvem sem qualquer tratamento.
A chamada Economia Ambiental é uma tentativa da Economia Neoclássica de internalizar ao sistema os bens ambientais, buscando dentro do seu próprio campo doutrinário instrumentos para tratar convenientemente a natureza. Já a Economia Ecológica propõe-se a rever muitos dos fundamentos sobre os quais estão assentados os pilares da Economia
CHAME O BOMBEIRO
O professor titular do Departamento de Economia da Universidade de Brasília Jorge Madeira Nogueira também é favorável a uma revisão dos critérios de cobrança pelo uso da água. Segundo ele, para captar água de um rio, a Sabesp paga 2 centavos de real por metro cúbico, quando deveria pagar pelo menos 18 centavos. “Sim, a empresa vai repassar essa alta para os consumidores, mas e daí? O consumidor vai reagir parando de lavar carro e calçada com mangueira”, argumenta. “É muito mais eficaz do que multar o desperdício.”
Do ponto de vista da empresa de saneamento, Nogueira lembra que essa eventual redução no consumo significará queda de faturamento. “Nesse ponto, entramos em uma questão maquiavélica, que é uma empresa com a função de gerir a coisa pública raciocinar como uma empresa que visa lucro.”
O professor da UnB reconhece que choveu pouco, mas, para ele, cabe ao administrador público, juntamente com o pessoal da área científica, relacionar e antever o problema. “Eles são gestores e não bombeiros.”
“Como a Sabesp é um dos maiores compradores de água bruta das bacias paulistas, a empresa passa a ser um dos mais poderosos membros dos comitês de bacia. E é esse colegiado, juntamente com a agência reguladora, que determina o valor da água.” Procurada pela reportagem para se posicionar, a Sabesp não se pronunciou até o fechamento desta edição.
Nogueira também acredita que haja espaço para uma atuação mais proativa da Agência Nacional de Águas (ANA) na crise hídrica, em particular na gestão das relações entre os usuários de água bruta (captada nas bacias). A ANA, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que realiza a gestão de recursos hídricos com foco nos usos múltiplos das águas, de acordo com a Política Nacional de Recursos Hídricos.
De fato, a “tragédia” é anunciada há décadas. Como previram economistas ambientais e ecológicos, a fatura pela farra capitalista que usou e abusou dos recursos naturais nos últimos séculos já está vencida e, de algum modo, precisará ser paga. Não ter água disponível é a pior forma de se pagar pela lambança toda. Muito mais civilizado seria universalizar a base da cobrança a todos que se beneficiam do recurso, ou, no mínimo, discutir as propostas que estão à mesa. Afinal, ninguém quer que a busca por água se torne tão difícil e sofrida quanto a busca por diamantes.