Poluição e assoreamento ameaçam os corpos d’água na zona costeira de Alagoas. Governo estadual aposta em medidas caras e paliativas, mas há projetos alternativos em curso
O velho dito popular sobre o sombrio futuro do jacaré no ambiente sem água para nadar e peixes para comer é profético. Tradicionalmente, a expressão soa como aviso a um malfeitor: “Sua hora chegará!” Um mau presságio para quem reina como predador e subjuga os inferiores pela força do “tudo posso”. Um dia a realidade muda, os fortes tornam-se fracos e a lógica dos poderes se inverte. Nada mais adequado como alerta à atual voracidade do “jacaré-homem” que devora recursos naturais, agrava a crise hídrica e assiste à destruição de um dos mais relevantes ecossistemas aquáticos do País: o complexo lagunar Mundaú-Manguaba, nos arredores de Maceió (AL).
Não é à toa que Alagoas carrega no próprio nome aquilo que tem de mais valioso na paisagem natural. O belíssimo encontro da água doce com a salgada, na zona costeira, deveria ser motivo de orgulho para moradores e governantes, mas o descuido está levando cientistas a uma preocupante constatação: as lagoas, que mantêm o sensível equilíbrio da biodiversidade naquele mosaico de ilhas, praias e manguezais atraem turistas e garantem o ganha-pão dos pescadores, estão com os dias contados. “Se nada for feito agora, a região vai virar um grande pântano em 100 anos”, alerta Carlos Ruberto Fragoso, pesquisador da Universidade Federal de Alagoas.
Hoje a profundidade média da Lagoa de Mundaú, a mais frequentada e impactada, é de apenas 1,5 metro. Em média, é perdido 1 centímetro por ano devido à erosão das margens dos rios que lá deságuam. Moradores colocaram traves para jogar futebol nos bancos de areia que tomaram o lugar da água, também afetada pelo lançamento de esgoto de condomínios de luxo que desmatam e aterram manguezais. O ambiente mais raso e poluído atinge em cheio o extrativismo do sururu – espécie de molusco que depende da salinidade proporcionada pelo contado da lagoa com o mar. Em 20 anos, a produção caiu mais da metade, de 5 mil para 2 mil toneladas por ano.
Grande parte da poluição e do barro provém dos rios Mundaú e Paraíba, que banham cerca de 30 municípios sem saneamento básico cujas lavouras de cana-de-açúcar são responsáveis por desmatar e lançar agrotóxicos. Para piorar, a urbanização acelerada diminui a infiltração de chuvas no solo, aumentando o escoamento de sedimentos.
Há dez anos, a pedido do governo de Alagoas, a Agência Nacional de Águas (ANA) diagnosticou os problemas e elaborou um plano de gestão que até hoje não saiu do papel, apesar de a situação ter sido qualificada como “crítica, quase de colapso ambiental”. Para Elizabeth Juliatto, especialista em recursos hídricos da ANA, “a recomendação é tratar o esgoto e desviá-lo da lagoa por emissários submarinos já existentes”.
No entanto, o plano do governo alagoano é investir em medidas caras e paliativas, como obras de dragagem – assunto que agora voltou à tona, em razão das pressões da atual crise hídrica.
A saída pode estar em iniciativas como o programa Lagoa Viva, voltado para a geração de renda e capacitação de professores nos vários municípios para que as novas gerações cobrem políticas públicas. Com apoio da Braskem, empresa que mantém uma indústria cloro-química vizinha ao sistema lagunar, a ação beneficia quem busca alternativas.
O extrativista Edvaldo Cabral trocou a pesca e a captura de caranguejo pelo mel, no município de Coqueiro Seco, às margens da lagoa. E teve sucesso: naquele manguezal prolifera uma planta conhecida como rabo-de-bugio, a partir da qual as abelhas produzem o “ouro vermelho” – um tipo de própolis bastante valorizado pelo mercado japonês devido às ações terapêuticas. Como 1 quilo custa cerca de R$ 500, produtores apostam nas colmeias e não apelam para atividades destrutivas, como criação de gado.
O desafio é global. “Em todo o mundo, as lagoas estão ficando naturalmente mais secas, transformando-se em banhados, e a ação do homem acelera esse processo”, afirma Alois Schäfer, professor da Universidade de Caxias do Sul e coordenador de um projeto de conscientização no entorno da Lagoa dos Patos, a maior do Brasil, no Rio Grande do Sul. Ele adverte: “É preciso um plano nacional para harmonizar a conservação desses ambientes costeiros com as atividades econômicas”.
*Jornalista[:en]Poluição e assoreamento ameaçam os corpos d’água na zona costeira de Alagoas. Governo estadual aposta em medidas caras e paliativas, mas há projetos alternativos em curso
O velho dito popular sobre o sombrio futuro do jacaré no ambiente sem água para nadar e peixes para comer é profético. Tradicionalmente, a expressão soa como aviso a um malfeitor: “Sua hora chegará!” Um mau presságio para quem reina como predador e subjuga os inferiores pela força do “tudo posso”. Um dia a realidade muda, os fortes tornam-se fracos e a lógica dos poderes se inverte. Nada mais adequado como alerta à atual voracidade do “jacaré-homem” que devora recursos naturais, agrava a crise hídrica e assiste à destruição de um dos mais relevantes ecossistemas aquáticos do País: o complexo lagunar Mundaú-Manguaba, nos arredores de Maceió (AL).
Não é à toa que Alagoas carrega no próprio nome aquilo que tem de mais valioso na paisagem natural. O belíssimo encontro da água doce com a salgada, na zona costeira, deveria ser motivo de orgulho para moradores e governantes, mas o descuido está levando cientistas a uma preocupante constatação: as lagoas, que mantêm o sensível equilíbrio da biodiversidade naquele mosaico de ilhas, praias e manguezais atraem turistas e garantem o ganha-pão dos pescadores, estão com os dias contados. “Se nada for feito agora, a região vai virar um grande pântano em 100 anos”, alerta Carlos Ruberto Fragoso, pesquisador da Universidade Federal de Alagoas.
Hoje a profundidade média da Lagoa de Mundaú, a mais frequentada e impactada, é de apenas 1,5 metro. Em média, é perdido 1 centímetro por ano devido à erosão das margens dos rios que lá deságuam. Moradores colocaram traves para jogar futebol nos bancos de areia que tomaram o lugar da água, também afetada pelo lançamento de esgoto de condomínios de luxo que desmatam e aterram manguezais. O ambiente mais raso e poluído atinge em cheio o extrativismo do sururu – espécie de molusco que depende da salinidade proporcionada pelo contado da lagoa com o mar. Em 20 anos, a produção caiu mais da metade, de 5 mil para 2 mil toneladas por ano.
Grande parte da poluição e do barro provém dos rios Mundaú e Paraíba, que banham cerca de 30 municípios sem saneamento básico cujas lavouras de cana-de-açúcar são responsáveis por desmatar e lançar agrotóxicos. Para piorar, a urbanização acelerada diminui a infiltração de chuvas no solo, aumentando o escoamento de sedimentos.
Há dez anos, a pedido do governo de Alagoas, a Agência Nacional de Águas (ANA) diagnosticou os problemas e elaborou um plano de gestão que até hoje não saiu do papel, apesar de a situação ter sido qualificada como “crítica, quase de colapso ambiental”. Para Elizabeth Juliatto, especialista em recursos hídricos da ANA, “a recomendação é tratar o esgoto e desviá-lo da lagoa por emissários submarinos já existentes”.
No entanto, o plano do governo alagoano é investir em medidas caras e paliativas, como obras de dragagem – assunto que agora voltou à tona, em razão das pressões da atual crise hídrica.
A saída pode estar em iniciativas como o programa Lagoa Viva, voltado para a geração de renda e capacitação de professores nos vários municípios para que as novas gerações cobrem políticas públicas. Com apoio da Braskem, empresa que mantém uma indústria cloro-química vizinha ao sistema lagunar, a ação beneficia quem busca alternativas.
O extrativista Edvaldo Cabral trocou a pesca e a captura de caranguejo pelo mel, no município de Coqueiro Seco, às margens da lagoa. E teve sucesso: naquele manguezal prolifera uma planta conhecida como rabo-de-bugio, a partir da qual as abelhas produzem o “ouro vermelho” – um tipo de própolis bastante valorizado pelo mercado japonês devido às ações terapêuticas. Como 1 quilo custa cerca de R$ 500, produtores apostam nas colmeias e não apelam para atividades destrutivas, como criação de gado.
O desafio é global. “Em todo o mundo, as lagoas estão ficando naturalmente mais secas, transformando-se em banhados, e a ação do homem acelera esse processo”, afirma Alois Schäfer, professor da Universidade de Caxias do Sul e coordenador de um projeto de conscientização no entorno da Lagoa dos Patos, a maior do Brasil, no Rio Grande do Sul. Ele adverte: “É preciso um plano nacional para harmonizar a conservação desses ambientes costeiros com as atividades econômicas”.
*Jornalista