Levaram o Roberval preso quando avistaram 30 pacotes de café na despensa, coadores, açúcar, adoçante e um jogo de xícaras de cerâmica
Roberval quis negar até o fim as acusações de que tentou subornar o guarda de trânsito com um cafezinho. Disse que não era político, depois que não era dono de empreiteira. Alegou até que sofria de gastrite, de modo que estava proibido pelos médicos de sentir cheiro de café.
Mas, quando a Polícia Federal começou a operação Biscoito Molhado, a cara de xícara do suspeito ganhou os jornais. Quem o conhecia disse que foi triste ver na TV os agentes invadindo a despensa de azulejos da casa do Roberval. Logo ele, que era presença fiel nas reuniões de segunda-feira dos Vigilantes do Peso. E os agentes encontraram diversos potes de Nutella, embalagens de pão de queijo, pipoca de micro-ondas e barras de chocolate escondidas atrás de uma caixa.
Quase acabou o casamento do Roberval, pois sua mulher jantava todo dia alface com molho de sabão só pra não despertar o desejo do marido por macarronada. O filho menor ficou uma semana sem falar com o pai, confiscando da despensa um vidro de maionese e um pacote com 100 gramas de batatas chips.
Até aí nada que abalasse a lisura do homem. O problema começou quando, por educação – e apenas por educação mesmo, como autor deste texto dou ao leitor minha palavra –, o Roberval perguntou aos agentes se eles estavam servidos. Fruta, torradas, um suco, uma água, um café. Os agentes pensaram que o suspeito estava se amanteigando pra deslizar e escapar da situação, repetindo a tentativa de suborno ao guarda de trânsito. Levaram-no preso quando avistaram 30 pacotes de café na despensa, coadores, açúcar, adoçante e um jogo de xícaras de cerâmica.
Na delegacia o Roberval confessou que subornava guardas de trânsito com café há muitos meses. No começo era “café” no sentido figurado. Ele dava uma nota de 50 porque estacionou em local proibido, outra porque estava sem cinto de segurança, ou porque foi pego no celular. Com o tempo era tanta multa que, pra não ir à falência, o homem passou a carregar uma térmica cheia, além dos copos descartáveis.
Quando as pessoas descobriram que distribuía café desse jeito, todo mundo arrumou uma desculpa pra ser subornado pelo Roberval. O fiscal da Receita encontrou um erro na declaração do imposto, o porteiro pediu uma dose pra deixar estacionar na melhor vaga do condomínio, o gerente do banco pra guardar lugar na fila, o garçom do restaurante pra reservar a mesa na frente do ar-condicionado.
Houve um dia em que o Roberval deu tamanha quantidade de café pra população inteira que o bairro ficou três dias sem dormir. Ele saiu do emprego, vendeu dois terrenos em Taboão e o carro pra continuar a subornar meio mundo, pois já não existia mais forma de vida na Terra senão oferecendo cafezinho em troca de favores.
O esquema cresceu. O pessoal no trabalho do Roberval ficou sabendo e achou interessante a ideia de obter vantagens a partir de um cafezinho. Afinal de contas, era apenas um cafezinho, que deixava as partes do escambo felizes e não fazia mal a ninguém.
O Herbert da controladoria cedeu o espaço no quintal de uma sobrinha que morava no interior pra construir uma fabriqueta de xícaras. O Luiz Fernando do RH conhecia o prefeito, que liberou o negócio sem alvará, pois ganharia até o fim do mandato dois litros logo cedo no gabinete. O Robson de TI tinha um primo que plantava café no Sul da Bahia e ficou de trazer o pó no caminhão. A ideia era vender café pra quem desejasse trocá-lo por outros favores.
Quem conhecia o Roberval disse que foi triste ver a sua expressão de desapontamento quando percebeu a chance de ganhar dinheiro com o que era pra ser somente uma troca, talvez um hobby, um novo modelo de sociedade baseado na ausência da moeda, uma ideologia revolucionária – e eu, como autor do texto, dou ao leitor minha palavra de que isso não foi uma ironia.
ALÉM DA CONTA
O problema é que em certos casos o café foi insuficiente pra fazer uma troca. Houve pessoas que pediam um ou dois cafés, mas outras que exigiam 100 xícaras, 500, 1.800, não dava pra atender. O Roberval precisou converter xícaras de café em carros, iates, apartamentos, a coisa ficou inviável, de maneira que, além de intercambiar café, passou a ser necessário vendê-lo pra fazer caixa.
O Roberval não se conforma com o que ocorreu, pois jamais acreditou que o simples café pudesse causar toda essa comoção. Por isso fez questão de encontrar antes da primeira audiência o presidente da CPI do Cafezinho, que anunciou um julgamento justo. Aliás, não precisa conhecer muito de café pra entender por que o presidente da CPI não dorme há nove dias.
*Jornalista e autor do livro Amor do Mundo[:en]Levaram o Roberval preso quando avistaram 30 pacotes de café na despensa, coadores, açúcar, adoçante e um jogo de xícaras de cerâmica
Roberval quis negar até o fim as acusações de que tentou subornar o guarda de trânsito com um cafezinho. Disse que não era político, depois que não era dono de empreiteira. Alegou até que sofria de gastrite, de modo que estava proibido pelos médicos de sentir cheiro de café.
Mas, quando a Polícia Federal começou a operação Biscoito Molhado, a cara de xícara do suspeito ganhou os jornais. Quem o conhecia disse que foi triste ver na TV os agentes invadindo a despensa de azulejos da casa do Roberval. Logo ele, que era presença fiel nas reuniões de segunda-feira dos Vigilantes do Peso. E os agentes encontraram diversos potes de Nutella, embalagens de pão de queijo, pipoca de micro-ondas e barras de chocolate escondidas atrás de uma caixa.
Quase acabou o casamento do Roberval, pois sua mulher jantava todo dia alface com molho de sabão só pra não despertar o desejo do marido por macarronada. O filho menor ficou uma semana sem falar com o pai, confiscando da despensa um vidro de maionese e um pacote com 100 gramas de batatas chips.
Até aí nada que abalasse a lisura do homem. O problema começou quando, por educação – e apenas por educação mesmo, como autor deste texto dou ao leitor minha palavra –, o Roberval perguntou aos agentes se eles estavam servidos. Fruta, torradas, um suco, uma água, um café. Os agentes pensaram que o suspeito estava se amanteigando pra deslizar e escapar da situação, repetindo a tentativa de suborno ao guarda de trânsito. Levaram-no preso quando avistaram 30 pacotes de café na despensa, coadores, açúcar, adoçante e um jogo de xícaras de cerâmica.
Na delegacia o Roberval confessou que subornava guardas de trânsito com café há muitos meses. No começo era “café” no sentido figurado. Ele dava uma nota de 50 porque estacionou em local proibido, outra porque estava sem cinto de segurança, ou porque foi pego no celular. Com o tempo era tanta multa que, pra não ir à falência, o homem passou a carregar uma térmica cheia, além dos copos descartáveis.
Quando as pessoas descobriram que distribuía café desse jeito, todo mundo arrumou uma desculpa pra ser subornado pelo Roberval. O fiscal da Receita encontrou um erro na declaração do imposto, o porteiro pediu uma dose pra deixar estacionar na melhor vaga do condomínio, o gerente do banco pra guardar lugar na fila, o garçom do restaurante pra reservar a mesa na frente do ar-condicionado.
Houve um dia em que o Roberval deu tamanha quantidade de café pra população inteira que o bairro ficou três dias sem dormir. Ele saiu do emprego, vendeu dois terrenos em Taboão e o carro pra continuar a subornar meio mundo, pois já não existia mais forma de vida na Terra senão oferecendo cafezinho em troca de favores.
O esquema cresceu. O pessoal no trabalho do Roberval ficou sabendo e achou interessante a ideia de obter vantagens a partir de um cafezinho. Afinal de contas, era apenas um cafezinho, que deixava as partes do escambo felizes e não fazia mal a ninguém.
O Herbert da controladoria cedeu o espaço no quintal de uma sobrinha que morava no interior pra construir uma fabriqueta de xícaras. O Luiz Fernando do RH conhecia o prefeito, que liberou o negócio sem alvará, pois ganharia até o fim do mandato dois litros logo cedo no gabinete. O Robson de TI tinha um primo que plantava café no Sul da Bahia e ficou de trazer o pó no caminhão. A ideia era vender café pra quem desejasse trocá-lo por outros favores.
Quem conhecia o Roberval disse que foi triste ver a sua expressão de desapontamento quando percebeu a chance de ganhar dinheiro com o que era pra ser somente uma troca, talvez um hobby, um novo modelo de sociedade baseado na ausência da moeda, uma ideologia revolucionária – e eu, como autor do texto, dou ao leitor minha palavra de que isso não foi uma ironia.
ALÉM DA CONTA
O problema é que em certos casos o café foi insuficiente pra fazer uma troca. Houve pessoas que pediam um ou dois cafés, mas outras que exigiam 100 xícaras, 500, 1.800, não dava pra atender. O Roberval precisou converter xícaras de café em carros, iates, apartamentos, a coisa ficou inviável, de maneira que, além de intercambiar café, passou a ser necessário vendê-lo pra fazer caixa.
O Roberval não se conforma com o que ocorreu, pois jamais acreditou que o simples café pudesse causar toda essa comoção. Por isso fez questão de encontrar antes da primeira audiência o presidente da CPI do Cafezinho, que anunciou um julgamento justo. Aliás, não precisa conhecer muito de café pra entender por que o presidente da CPI não dorme há nove dias.
*Jornalista e autor do livro Amor do Mundo