Ao pé das montanhas do Boqueirão da Onça, na Bahia, a aposta está na força dos ventos e na riqueza a ser gerada pelas belezas do parque nacional
A viagem pela BA-210, rodovia que margeia o Rio São Francisco no município de Sento Sé, norte da Bahia, descortina uma terra de contrastes. De um lado, o gigantesco lago verde-esmeralda de Sobradinho simboliza a tradicional geração hidrelétrica da “velha economia”. De outro, avista-se um complexo de serras sobre o qual se expande a fonte renovável de energia que mais cresce no País: a eólica. As enormes torres com suas pás giratórias e o potencial para novas instalações voltadas para o aproveitamento dos ventos seriam absolutamente bem-vindos não fosse um detalhe que tem gerado controvérsias: a região, um dos últimos refúgios de Caatinga selvagem do sertão nordestino, deverá abrigar o próximo parque nacional a ser criado no Brasil – o Boqueirão da Onça.
Inserida na categoria de proteção integral, a nova unidade de conservação proíbe determinados usos econômicos, inclusive a geração eólica. Devido principalmente a esse conflito, o processo de debate e estudos para a instituição do parque arrasta-se por mais de uma década. A área proposta foi reduzida de 1,2 milhão de hectares para 860 mil, no intuito de excluir povoados e áreas de mineração. Depois, diante do grande interesse pela energia dos ventos, o território a ser protegido encolheu para apenas 340 mil hectares.
No desenho ficou de fora o topo das montanhas, justamente o local mais procurado pelas onças-pintadas para abrigo e reprodução. “Como resultado da abertura de estradas e da movimentação de veículos, elas são obrigadas a se deslocar e chegam próximo dos povoados, gerando conflitos com moradores devido ao ataque a animais de criação”, lamenta a bióloga Claudia Campos, pesquisadora do Instituto Pró-Carnívoros.
Para ela, a questão não é inviabilizar os projetos de energia renovável, porque o País precisa deles, “mas fazê-los da melhor forma”. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os estudos e a consulta pública para criação da área já foram concluídos e a proposta encontra-se em fase de negociação com outras esferas do governo federal.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente definiu em 2015 as regras ambientais para o setor eólico, isentando-o da obrigação de estudos prévios de impacto. No entanto, em regiões ainda selvagens, diferentemente das já afetadas por cidades, alterações na paisagem – por pequenas que sejam – podem causar grande estrago, dizem pesquisadores. Além dos riscos ao voo das aves, a chegada das torres muda a dinâmica da ocupação humana, especialmente em lugares até então esquecidos, como o Boqueirão da Onça.
A expectativa de empregos e oportunidades atrai gente de outras regiões. O aumento do desmatamento pode ser uma consequência, mas há também impactos sociais. A prostituição é um deles. Prova disso é o movimento à frente da pousada e restaurante “Zé das Moças”, no distrito de Piçarrão, na estrada de acesso a uma das principais usinas de energia eólica da região.
Por outro lado, a nova atividade econômica inibe o tráfico de maconha, que tinha ali uma de suas principais rotas. A mudança de rumos tornou-se mais efetiva com o vaivém das expedições de biólogos e o debate em torno do novo parque nacional. “Hoje ninguém mata onças porque há sempre pesquisadores que vêm procurá-las”, ressalta o morador Domingos Barros.
O segredo para o ganha-ganha está em conciliar energia limpa e conservação da biodiversidade, e não torná-las conflitantes. “A geração eólica ficou competitiva e deverá ser a segunda principal fonte energética até 2019”, afirma Élbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica. Segundo ela, a expansão ocorrerá principalmente no Nordeste, em especial no sertão da Bahia.
Os ventos alísios, os melhores do mundo para o setor, dão esperanças ao povoado Minas da Cabeluda, ao pé das montanhas do Boqueirão da Onça. Lá as casas são de pedra como no antigo desenho animado Os Flintstones e os moradores penam para sustentar-se com a venda de ametistas. A mineração de pedras semipreciosas enriqueceu pais e avós, mas entrou em decadência. A aposta está na força dos ventos e na riqueza a ser gerada pelas belezas do parque nacional.[:en]Ao pé das montanhas do Boqueirão da Onça, na Bahia, a aposta está na força dos ventos e na riqueza a ser gerada pelas belezas do parque nacional
A viagem pela BA-210, rodovia que margeia o Rio São Francisco no município de Sento Sé, norte da Bahia, descortina uma terra de contrastes. De um lado, o gigantesco lago verde-esmeralda de Sobradinho simboliza a tradicional geração hidrelétrica da “velha economia”. De outro, avista-se um complexo de serras sobre o qual se expande a fonte renovável de energia que mais cresce no País: a eólica. As enormes torres com suas pás giratórias e o potencial para novas instalações voltadas para o aproveitamento dos ventos seriam absolutamente bem-vindos não fosse um detalhe que tem gerado controvérsias: a região, um dos últimos refúgios de Caatinga selvagem do sertão nordestino, deverá abrigar o próximo parque nacional a ser criado no Brasil – o Boqueirão da Onça.
Inserida na categoria de proteção integral, a nova unidade de conservação proíbe determinados usos econômicos, inclusive a geração eólica. Devido principalmente a esse conflito, o processo de debate e estudos para a instituição do parque arrasta-se por mais de uma década. A área proposta foi reduzida de 1,2 milhão de hectares para 860 mil, no intuito de excluir povoados e áreas de mineração. Depois, diante do grande interesse pela energia dos ventos, o território a ser protegido encolheu para apenas 340 mil hectares.
No desenho ficou de fora o topo das montanhas, justamente o local mais procurado pelas onças-pintadas para abrigo e reprodução. “Como resultado da abertura de estradas e da movimentação de veículos, elas são obrigadas a se deslocar e chegam próximo dos povoados, gerando conflitos com moradores devido ao ataque a animais de criação”, lamenta a bióloga Claudia Campos, pesquisadora do Instituto Pró-Carnívoros.
Para ela, a questão não é inviabilizar os projetos de energia renovável, porque o País precisa deles, “mas fazê-los da melhor forma”. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os estudos e a consulta pública para criação da área já foram concluídos e a proposta encontra-se em fase de negociação com outras esferas do governo federal.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente definiu em 2015 as regras ambientais para o setor eólico, isentando-o da obrigação de estudos prévios de impacto. No entanto, em regiões ainda selvagens, diferentemente das já afetadas por cidades, alterações na paisagem – por pequenas que sejam – podem causar grande estrago, dizem pesquisadores. Além dos riscos ao voo das aves, a chegada das torres muda a dinâmica da ocupação humana, especialmente em lugares até então esquecidos, como o Boqueirão da Onça.
A expectativa de empregos e oportunidades atrai gente de outras regiões. O aumento do desmatamento pode ser uma consequência, mas há também impactos sociais. A prostituição é um deles. Prova disso é o movimento à frente da pousada e restaurante “Zé das Moças”, no distrito de Piçarrão, na estrada de acesso a uma das principais usinas de energia eólica da região.
Por outro lado, a nova atividade econômica inibe o tráfico de maconha, que tinha ali uma de suas principais rotas. A mudança de rumos tornou-se mais efetiva com o vaivém das expedições de biólogos e o debate em torno do novo parque nacional. “Hoje ninguém mata onças porque há sempre pesquisadores que vêm procurá-las”, ressalta o morador Domingos Barros.
O segredo para o ganha-ganha está em conciliar energia limpa e conservação da biodiversidade, e não torná-las conflitantes. “A geração eólica ficou competitiva e deverá ser a segunda principal fonte energética até 2019”, afirma Élbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica. Segundo ela, a expansão ocorrerá principalmente no Nordeste, em especial no sertão da Bahia.
Os ventos alísios, os melhores do mundo para o setor, dão esperanças ao povoado Minas da Cabeluda, ao pé das montanhas do Boqueirão da Onça. Lá as casas são de pedra como no antigo desenho animado Os Flintstones e os moradores penam para sustentar-se com a venda de ametistas. A mineração de pedras semipreciosas enriqueceu pais e avós, mas entrou em decadência. A aposta está na força dos ventos e na riqueza a ser gerada pelas belezas do parque nacional.