A frase “você deve confiar e acreditar nas pessoas ou a vida fica impossível”, atribuída ao médico e dramaturgo russo Anton Tchekhov, resume bem a importância da confiança para os relacionamentos humanos atuais. E o que são os negócios e as empresas, se não formas de relacionamento entre pessoas?
Não é mais o que fazemos ou o que sabemos que importa para o sucesso pessoal ou coletivo, mas sim como fazemos. Esse é o ponto central defendido pelo escritor Dov Seidman em seu livro “Como”. Para Seidman, entramos na era do comportamento, e quem compreender essa realidade poderá mais cedo criar valor de longo prazo. Ainda que a forma como as pessoas e as empresas fazem as coisas importe para os resultados, o comportamento, cada vez mais, gera impactos no grau de confiança que depositamos em nossos relacionamentos.
Inspirado por Seidman, compartilho uma história interessante, publicada em 2003 pelo blogger nova-iorquino Jason Kottke em sua página, que exemplifica bem o que quero dizer. Kottke comprou um donut de um vendedor ambulante pelo valor de 75 centavos de dólar. Ao pagar com uma nota de US$ 1, o homem rapidamente apontou para uma pilha de moedas. Kottke entendeu que deveria, ele próprio, depositar a nota e retirar o troco. O vendedor, ocupado com o próximo cliente, pareceu não dar importância para a bandeja de dinheiro. Intrigado, Kottke afastou-se com o seu donut, e se admirou com a cena: a fila de clientes ia sendo rapidamente atendida. Ou seja, o ambulante focou apenas no serviço, deixando o pagamento por conta do cliente.
Naturalmente, por trás desse comportamento está uma atitude de confiança. O vendedor confiava em seus clientes para depositar o pagamento e retirar seu troco, preocupando-se apenas em melhorar o atendimento. Os clientes, por sentirem-se confiáveis, tornam-se regulares. Kottke escreve ainda que, motivado por esse comportamento, contou o número de atendimentos desse vendedor e comparou com outros nas redondezas. Na média, nosso vendedor inspirado pela confiança fazia o dobro dos atendimentos. Quando um ambiente de confiança é criado, boas coisas começam a acontecer. O vendedor consegue atender o dobro dos clientes. As pessoas podem pegar um café em metade do tempo. Temos, então, um negócio mais estável, com boa reputação e clientes honestos que recolhem o troco corretamente, garantindo a continuidade do serviço. Isso é o que chamamos de círculo virtuoso, uma sucessão de ações que se complementam para o bem comum.
Outro estudioso da “confiança generalizada”, Paul Zak, economista, matemático e doutor em neuroimagem pela Universidade de Harvard, coordenou uma pesquisa com a seguinte pergunta: “Em termos gerais, você diria que a maioria das pessoas é confiável ou que são necessários grandes cuidados no relacionamento com pessoas?”. Os resultados, publicados em seu artigo “A neuroeconomia da confiança”, são extraordinários: 3% dos brasileiros e 5% dos peruanos responderam afirmativamente à segunda parte da pergunta, enquanto 60% dos suecos e 66% dos noruegueses afirmaram que os outros são confiáveis. A conexão com a economia surge quando Zak nos diz que, empiricamente, a confiança está entre os principais fatores que promovem o crescimento.
Em outro trabalho coordenado por sua equipe, Zak encontrou evidências de que a renda per capita anual pode aumentar 1% nos países em que apenas 15% da população acredite que as outras pessoas são confiáveis. Segundo o estudioso, a falta de confiança resulta em custos muito elevados para a economia e, consequentemente, para os cidadãos. E como melhorar a confiança? Existem duas grandes linhas de influência: sociedades menos heterogêneas (em rendimento, língua, etnias etc.) demonstram maiores índices de confiança, assim como sociedades mais justas (que tenham menos desigualdades socioeconômicas) terão também maior confiança.
Dessa forma, a educação, a garantia de liberdade e a transferência de renda são condições fundamentais para melhorar a confiança e, consequentemente, a economia dos países. É também surpreendente a forte correlação que Paul Zak encontrou entre a confiança generalizada nos países e a felicidade autodeclarada por seus cidadãos. Aqui encontramos razões biológicas evidenciadas em experimentos: quando alguém confia em nós, nosso organismo libera um hormônio (ocitocina) que, por sua vez, facilita a liberação do neurotransmissor dopamina que está associado a comportamentos e sentimentos gratificantes.
Numa visita ao Brasil em 2013, Paul Zak explicou: “Quando o cérebro libera ocitocina, ficamos mais sensíveis às pessoas, mais empáticos, compartilhamos emoções com os outros. Raramente machucamos ou tratamos mal pessoas com quem compartilhamos emoções, porque isso nos causa dor também”. Portanto, tudo indica que a confiança é um bom investimento!
*Pedro Sirgado é diretor do Instituto EDP