Para a Pergunta, as pessoas acham que já têm respostas suficientes, são cheias de certezas, não admitem a dúvida, a opinião variada
Em diversas línguas, em todos os países, épocas. Marcou presença nas casas, ruas, jornais, mas nunca se importaram lá com a sua opinião. As pessoas preferiram o caminho que ela abre, o mistério revelado, a descoberta. Hoje vamos conversar com essa figura tão importante na História, que sempre perdeu espaço depois de o sujeito encontrar resposta: a Pergunta.
Página22: Existe o risco de extinção das perguntas no mundo?
Pergunta: Esse risco nunca foi tão alto. Estamos vivendo um tempo em que cada vez mais pessoas acreditam estar certas sobre o que falam ou pensam, sem tolerar quem discorda, abrir debate. Elas acham que já têm respostas suficientes, são cheias de certezas, não admitem a dúvida, a opinião variada. Isso sacrifica milhares de perguntas todos os minutos.
Página22: Onde esse sacrifício ocorre?
Pergunta: Você nem percebe. A pergunta fica presa na cabeça do sujeito durante 70, 80 anos e em muitos casos morre com ele. É um sacrifício invisível, uma morte silenciosa. Já vi médico dizer que uma pessoa morreu do coração, de depressão, estômago e até suicídio. Errado. Era a impossibilidade de libertar a pergunta da cabeça. A pergunta morre antes de nascer.
Página22: Mas nem todos os casos são assim.
Pergunta: Verdade, embora sejam tão graves quanto. Conheço pessoas que têm vergonha de perguntar. Outras que deixam de perguntar por achar que não vale a pena, ou por pensar que nada vai mudar. Elas vivem bem durante décadas, porque se conformam, o que não significa viver feliz. Uma pessoa conformada não experimenta nem um novo sabor de picolé.
Página22: Muitas deixam de perguntar por medo.
Pergunta: Essa é uma situação difícil. E vou dar dois exemplos: pessoas que vivem sob governos totalitários ou sob o teto de famílias repressoras. Existem diversas ONGs de pontos de interrogação que ajudam as vítimas com mantimentos, abrigo e respostas para as suas questões. Em seu Livro das Perguntas, o poeta chileno Pablo Neruda provocou: “Por que nas épocas escuras se escreve com tintas invisíveis?”
Página22: Você gosta de literatura?
Pergunta: Gosto de tudo que me leva ao questionamento. Acho curioso quando o sujeito corta “amigos” de sua rede social porque é gente que pensa diferente dele. Costumo brincar que o preconceito deveria ser contra o igual, que deixa a nossa vida monótona e sem graça. Não contra o diferente, que faz a gente olhar a vida sob outro ponto de vista. Mas o ser humano, que em muitas áreas evoluiu, às vezes parece ter paixão por emburrecer.
Página22: A pergunta é mais importante que a resposta?
Pergunta: Essa é uma frase que gostam de repetir, nem sempre é verdade. Veja esta pergunta: “Quer casar comigo?” Sem uma resposta para ela não adianta nem passar na porta da igreja. Respostas são mais importantes se servirem de base para decisões. Existem, claro, as perguntas que incomodam ou as que geram debate, novas perguntas, viagens, buscas intermináveis. Essas perguntas podem valer mais que as respostas.
Página22: Existem milhares, milhões, talvez bilhões de perguntas em todo o planeta. Que pergunta você é?
Pergunta: “Qual a cor da sua cueca”?
Página22: Sugestiva, erótica, fetichista.
Pergunta: Nada. Sou uma pergunta de lavanderia, feita antes de mergulhar a roupa na máquina de lavar. Cuecas claras e coloridas têm que ser enxaguadas em separado para não manchar.
Página22: Você se sente uma pergunta menor, perto de questões como “Qual a previsão de crescimento da economia brasileira para este ano?”
Pergunta: Não. Acho que cada pergunta é grande e válida dentro de um contexto. Não adianta você conhecer a previsão de crescimento da economia ou variação do dólar se o que deseja é sair da lavanderia com uma cueca sem manchas. Veja o caso das panelas.
Página22: O que tem?
Pergunta: Perguntas sobre panelas antigamente eram restritas à área de gastronomia, listas de casamento. Hoje são capazes de definir a posição política de uma pessoa. O dia a dia das perguntas é muito dinâmico.
Página22: Você quer deixar uma mensagem para o leitor?
Pergunta: Aqui ou via WhatsApp?
Página22: Aqui.
Pergunta: Encontrar respostas é uma ilusão. Boas respostas são perigosas. Não deixe que elas interrompam o seu caminho. Há momentos em que parece desgastante, mas vale a pena perguntar sempre, nem que seja para si mesmo.
*Jornalista e autor do livro Amor do Mundo