De Paris – Antes do início da Conferência do Clima de Paris (COP 21), um dos poucos números que pareciam certos no texto do novo acordo climáticos era o limite de temperatura a ser considerado pelos países para orientar suas estratégias de redução de emissões nas próximas décadas: 2 graus Celsius acima dos níveis pré-Revolução Industrial até 2100.
Esse número foi acordado pelos países durante a Conferência do Clima de Copenhague (COP 15), há seis anos, com base nas informações disponibilizadas pelo Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudança do Clima (IPCC, sigla em inglês) à época. Para o Painel, um aquecimento médio de 2 graus Celsius neste século geraria consequências negativas, mas num volume muito menor que em outras situações de aquecimento mais elevado. Ou seja, os 2 graus Celsius seriam um limite de aumento de temperatura mais seguro e mais factível para se obter.
Desde então, esse número foi incorporado à retórica de cientistas, empresários, negociadores e líderes políticos, e repetido constantemente nas diversas Conferências após Copenhague. Não chegava a ser exatamente um consenso, mas estava bem próximo disso. Um grupo reduzido de países, notadamente as nações insulares do Oceano Pacífico, rejeitava esse número e defendia um limite ainda mais baixo. O motivo: por estarem entre as mais vulneráveis às mudanças do clima, os impactos negativos reduzidos que os 2 graus Celsius causariam seriam suficientes para gerar danos pesados a estes países – em alguns casos mais radicais, o desaparecimento completo dessas ilhas.
O próprio IPCC fundamenta esta preocupação. De acordo com o mais recente relatório do Painel, divulgado no ano passado, um aquecimento de 2 graus Celsius manteria um padrão de degelo relativamente acelerado no Ártico, o que elevaria o nível do mar o suficiente para deixar porções de terra debaixo d’água nas próximas décadas. Para as ilha atol, nascidas pela formação de corais e, por isso, com altitude média que não ultrapassa os 2 metros acima do nível do mar atual, esse avanço da água significa sua condenação.
Por isso, uma das questões prioritárias para essas nações – e para muitas outras que compartilham a vulnerabilidade às mudanças do clima – na COP 21 é exatamente a definição desse limite de aumento de temperatura dentro do texto do novo acordo climático. Para eles, limitar o aquecimento em 1,5 grau Celsius sinaliza uma mudança profunda na luta contra as mudanças climáticas, acelerando esforços de mitigação e a descarbonização da economia global nas próximas décadas.
Sob a liderança do ministro do Exterior das Ilhas Marshall, Tony de Brum, esses países articularam a criação de uma coalizão, a High Ambition Coalition (Coalizão da Ambição), para influenciar as negociações em Paris e reforçar a necessidade de um acordo climático mais ambicioso. Além da definição do objetivo de longo prazo em torno do 1,5 grau Celsius, a coalizão defende também ciclos de revisão das metas de redução a cada cinco anos e a definição de regras claras para transparência no acompanhamento das metas pelos países.
As organizações da sociedade civil abraçaram esta bandeira da ambição e do limite de aquecimento em 1,5 grau Celsius, repetida como mantra de manifestações nos corredores e nos discursos nas salas do complexo da ONU no Le Bourget, onde acontece a COP 21 em Paris.
Além das ONGs, a coalizão também conseguiu angariar apoios oficiais de delegações na COP 21, entre países geralmente alinhados a estas propostas, como os da União Europeia, até outros bastante improváveis, como os Estados Unidos. Nesta sexta-feira (11/12), a coalizão recebeu mais um apoio: o do Brasil.
“Se você quer enfrentar as mudanças do clima, você precisa de ambição e vontade política. O Brasil orgulhosamente apoia a High Ambition Coalition e compromete seu apoio político a este esforço”, disse a ministra Izabella Teixeira, em declaração lida por de Brum durante coletiva da coalizão nesta sexta-feira (11/12).
Para a coalizão, o texto apresentado ontem (09/12) pela presidência da COP 21 não reflete as questões centrais que precisam ser endereçadas pelo novo acordo climático. “Não aceitaremos um acordo de Paris em condições mínimas”, reafirmou de Brum. “Nenhum dos países que estão conosco nesta coalizão voltarão para suas casas sem um acordo com a ambição que precisamos e que defendemos neste texto”.
A pressão tem dado algum resultado para a coalizão. Na proposta de acordo mais recente, o texto enfatiza a necessidade urgente dos países de conter o aquecimento global “bem abaixo” dos 2 graus Celsius e promover esforços para limitar o aumento da temperatura em 1,5 grau Celsius.
No entanto, uma questão prática fica evidente nesta mobilização em torno do limite de 1,5 grau: até que ponto ela é factível, considerando o cenário econômico global atual? Para cientistas e mesmo alguns negociadores, a presença do número responde mais a um discurso político do que a uma realidade prática.
Um desafio está nos próprios compromissos de redução de emissões, assumidos pelos países através das Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas (INDC, sigla em inglês) e apresentados por quase todos eles antes da COP 21. De acordo com relatório recente do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA), mesmo com as reduções prometidas pelos governos, o mundo caminha para um aquecimento médio entre 2,7 e 3 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais neste século, mais de 1 grau acima do limite defendido pela coalizão (veja mais aqui).
Para que esse limite ambicioso possa ser cumprido, os países precisarão rever profundamente seus compromissos para o novo acordo rumo, de forma a garantir reduções ainda maiores de emissão. Nem mesmo os países da coalizão estão em consenso sobre essa questão na COP 21 – os Estados Unidos são um exemplo da falta de entendimento nesse ponto.
Mais difícil do que colocar 1,5 grau Celsius no texto, será colocar essa meta em prática.