Olha isso! Na noite de 4 de abril de 1968, em sua pequena cidade natal no interior de Iowa, a professora Jane Elliott assistia estarrecida à notícia do assassinato de Martin Luther King. Na manhã seguinte, a primeira criança a entrar na sala de aula disparou: “Senhora Elliott, por que mataram aquele tal de King?” Quando os demais alunos chegaram — todos brancos, como os demais moradores da cidade —, começaria um experimento impressionante e polêmico que a professora preparara na véspera.
Tendo já discutido preconceito racial em sala de aula, Elliott sentia que precisava de outra estratégia para internalizar o que era sofrer discriminação. De certa forma, o experimento “olhos azuis, olhos castanhos” oferecia um exercício de empatia.
“As pessoas de olhos azuis são melhores do que as de olhos castanhos”, começou, e listou algumas das características (supostamente) inerentemente superiores. Concedeu algumas pequenas regalias às crianças de olhos azuis, como tempo extra de recreio e o uso exclusivo do bebedouro. Fez com que as crianças de olhos castanhos tivessem que usar um colar de pano em volta do pescoço, para que pudessem ser identificadas de longe. E qualquer pequena falha cometida por crianças de olhos castanhos — demora para localizar a página de um livro, uma resposta errada etc. — era atribuída a essa sua característica fenotípica.
Em pouco tempo, as próprias crianças passaram a discriminar seus pares com base na cor dos olhos. O desempenho em sala de aula das crianças de olhos castanhos caiu perceptivelmente. Houve briga durante o recreio quando um garoto foi chamado de “olhos castanhos”, agora visto como quase um xingamento. Enfim, a classe se dividiu (assista ao documentário “Uma classe dividida”).
Já escrevi nesta coluna sobre nosso viés de grupo (“Torcedores de camisetas”, edição 75), citando um experimento no qual um torcedor ferido recebia mais ajuda de torcedores do mesmo time do que de torcedores do time rival. A psicologia social trabalha com pelo menos duas grandes explicações para essa tendência: a competição por recursos escassos (crises econômicas exacerbam sentimentos xenofóbicos) e a busca pelo aumento da autoestima (valorização de características/conquistas de um grupo melhora nossa autoestima enquanto membros dele).
O escritor Alex Castro cunhou o termo “outrofobia” para abarcar diversos tipos de preconceito, rejeição, medo ou aversão ao outro, como machismo, racismo, homofobia, elitismo, transfobia, classismo, gordofobia, capacitismo, intolerância religiosa etc.
Mas, além das diferenças com base na cultura, orientação sexual, religião ou preferência político-partidária, nosso viés de grupo pode se manifestar até mesmo para grupos formados de maneira completamente arbitrária, como a classificação de pessoas a partir de um “cara ou coroa” ou da cor dos olhos, como mostrou o experimento de Elliott.
Quiçá uma defesa para o viés de grupo seja reforçarmos aquilo que nos une, como nossa humanidade e nossa morada em comum, mais do que o que supostamente nos separa.