(Este artigo foi originalmente publicado em p22on.com.br.)
Por Eduardo Rombauer*
É comum que, em momentos de crise política, cidadãos sintam-se mobilizados a participar novamente dos rumos da sociedade e da política.
Porém, nessas crises, somos facilmente levados de roldão pelos discursos fáceis, aqueles carregados de estigmas, preconceitos e soluções milagrosas. Ou, ainda, diante das metáforas de guerra e polarizações estéreis, muitos optam por se recolher ao silêncio, ou no máximo ao lugar do ativista de sofá para interagir na zona de conforto dos guetos criados pelo algoritmo do Facebook.
Esses caminhos, em vez de resolver nossa angústia, reforçam o problema: a sociedade se torna cada vez mais fragmentada, com baixa adesão aos valores democráticos e incapaz de convergir esforços para projetos de futuro.
A dificuldade é que, quando tentamos dar um passo em direção ao espaço público, nós nos deparamos com limitações muito básicas na formação de nosso tecido social. Não conseguimos preparar-se para compreender os sistemas e as dinâmicas de governo, estamos mal informados, em parte em razão de estar expostos a meios de comunicação tendenciosos, e desconhecemos os caminhos para nos tornar cidadãos mais plenos.
O que precisamos, então, aprender para participar mais efetivamente dos espaços que temos para influenciar nosso destino?
Antes de tudo precisamos reconhecer que a Democracia é um fenômeno cultural, e não instrumental. Ou seja: mais do que um sistema de governo, a Democracia tem sua raiz em nossas relações cotidianas.
A vida social é diversa e cheia de contradições e paradoxos, e para compreendê-la é preciso sair dos guetos e construir espaços efetivos de convergência. Precisamos aprender a ver o diferente, olho no olho, inclusive aqueles com quem não nos identificamos a priori.
E, na base desta cultura, está uma competência muito elementar: a de dialogar. É muito comum que as pessoas se enganem ao acreditar que estão dialogando com outra pessoa.
Dialogar não é uma formalidade, nem escutar parcialmente o outro enquanto se prepara para dizer outra coisa. Tampouco é uma performance para simular uma postura de liderança. Estamos aqui nos referindo ao diálogo com base na atitude genuína de interesse pelo outro, com uma escuta ativa, na qual exercemos a suspensão (mesmo que temporária) de nossas próprias certezas e julgamentos.
Um verdadeiro diálogo requer um exercício contínuo de autoconhecimento: é preciso perceber a conversa que acontece dentro de cada um de nós e determina nosso entendimento de tudo que ocorre “do lado de fora”. É como ilustra esta imagem:
Como lidar com nossos próprios julgamentos, crenças, preconceitos e opiniões para expandir nossa habilidade de escutar o outro, principalmente quando a mensagem que dele recebemos nos provoca alguma inquietação? A resposta para esta aprendizagem não vem pronta: “é preciso que vivenciemos outras maneiras de dialogar, pois essa capacidade requer prática”.
A boa notícia é que cada vez mais se consolidam – no Brasil e no Mundo – oportunidades para que esse conhecimento possa florescer e prosperar. Desde as abordagens pioneiras como Pedagogia do Oprimido, psicodrama, Teatro do Oprimido e a pedagogia social até as mais recentes, como o Café Mundial (World Café), Open Space, comunicação não violenta, Teoria U, terapia comunitária e os jogos cooperativos, sabe-se que tais abordagens formam um campo de práticas dialógicas em franca expansão (leia mais em “Processos“). São iniciativas que respondem à necessidade cada vez mais premente das organizações de promover diálogos de qualidade em qualquer tipo de decisão.
Entre os que oferecem esse tipo de conhecimento para um público mais amplo, o Art of Hosting tem tido um papel interessante. Trata-se de uma rede internacional de facilitadores e anfitriões de conversas que oferece jornadas vivenciais de aprendizagem, nas quais várias dessas ferramentas e abordagens de diálogo são ensinadas na prática. Há também vasto material on-line gratuito e cursos profissionalizantes para quem deseja se aprofundar nesse campo de conhecimento.
Uma vez que a pessoa redescobre a arte de dialogar, um novo campo de possibilidades se revela para que ela possa atuar em qualquer circunstância de sua vida. Consegue mudar ambientes familiares e de trabalho, aprende a fazer pontes para resolução de conflitos, descobre como ajudar para que as equipes sejam mais resolutivas em suas ações, encontrem maneiras de gerar mais cooperação entre movimentos e organizações. As reuniões das quais participa tornam-se mais céleres, e nelas a inteligência coletiva pode emergir para que escolhas mais sábias sejam feitas. Não é à toa que as pessoas que sabem escutar são cada vez mais valorizadas no mercado de trabalho.
O grande desafio está em como tornar essa capacidade de dialogar mais amplamente difundida em nós, entre nós e em nossas instituições sociais e políticas. É preciso reconhecer no verdadeiro diálogo não apenas uma alternativa para algumas situações, mas como um modo de ser-com-o-outro no mundo, como uma qualidade da cultura democrática que estamos formando. A arte de dialogar precisa ser vista não apenas como um serviço a ser oferecido por especialistas, mas como parte de nossas competências básicas de cidadania, de profissionalismo e de liderança.
À medida que fortalecermos os ambientes dialógicos, o tecido social poderá se tornar mais permeado de valores democráticos, e ofereceremos oportunidades para uma participação cidadã mais plena e efetiva. Tal transformação está a nosso alcance e compõe o mosaico de soluções que a sociedade já consolidou para responder aos desafios deste século.
Que tal dialogarmos sobre os caminhos pelos quais podemos viabilizar esta transformação?
* Membro do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e mestre em Prática Social Reflexiva pela London Metropolitan University