Montanhas de gelo flutuam e deslocam-se pela superfície de Plutão. Micróbios na água, na terra e nos corpos humanos tornam-se o objeto de uma ousada exploração científica. Marte marca um ponto preto atrevido em frente ao sol. Aranhas-pavão são apresentadas ao mundo em cor e movimento.
Nem ficção científica, nem LSD. Esses foram acontecimentos curiosos do mês de maio de 2016. Revelam uma mistura de desejo de conhecimento, mistério e encantamento nos rumos da relação humana com o meio ambiente. Também indicam o Impulso de dominar por um lado e compartilhar por outro. Muitas interpretações caberiam aqui. Seja como for, são desdobramentos da longa e íntima conexão do Homo sapiens com a tecnologia.
Por exemplo, a possibilidade de alcançar além da visão do corpo físico, seja no micro ou no macro, conecta nossos olhos a dispositivos os mais variados, desde – pelo menos – Galileu Galilei. Combinar os olhos com lentes, com o eletrônico, com o digital abriu horizontes fantásticos, ampliando o conhecimento sobre o universo que habitamos. E, ao mesmo tempo, deixou o ser humano miúdo, miúdo. Menos que poeira cósmica entre estrelas. Tão relevante quanto os micróbios que compõem seu corpo e sem os quais não vive. Poesia de sobra em uma centelha de vida.
Superamos a decisão da inquisição, de maio de 1611, de questionar as observações de Galileu Galilei com seu telescópio. Chegamos a maio de 2016 com fotos da Nasa revelando em Plutão possíveis fragmentos de água congelada de montanhas que flutuam sobre um mar de nitrogênio. A Casa Branca lançando a National Microbiome Initiative – NMI (Iniciativa Nacional de Microbiomas), unindo o governo norte-americano, diversas instituições de pesquisa e uma infinidade de microscópios, câmeras e telas num esforço gigantesco para estudar microrganismos em seres vivos, nos solos, em oceanos. Imagens do trânsito de Marte mais próximo à Terra, diante do sol, na última década. E um vídeo da exótica aranha-pavão na BBC Brasil.
Uma sensação de onipresença, talvez. Uma ampliação do alcance dos sentidos da percepção humana. Um devaneio de que com tecnologia suficiente podemos ser mais do que nossa natureza. Somos livres para cultivar as razões e as crenças que nos deem na telha. Mas qual dessas imagens não se faz a partir do bom e velho corpo vivenciando o mundo com seus cacarecos? Como faziam nossos ancestrais.
Contemplar ajuda a reconhecer a força da jornada humana no planeta. E pode ajudar também a relativizá-la e repensá-la. O ano de 1610, um antes de Galileu Galilei chacoalhar o mundo, é proposto por alguns pesquisadores como o início do Antropoceno – a era geológica que seria marcada pelo alto impacto humano sobre a paisagem e as formas de vida.
Foi datado de 1610 o registro da menor concentração de CO2 em núcleos de gelo de regiões remotas do globo. Nessa época teria havido um pico de regeneração de vegetação nativa no continente, pois dezenas de milhões de ameríndios haviam sido dizimados desde a chegada dos europeus ao continente americano, um século antes. Como a maioria trabalhava a terra para cultivo de alimento, o decréscimo de gente fazendo o manejo fez com que as matas voltassem a crescer, sequestrando carbono da atmosfera que, em parte, ficaria depositado nos núcleos de gelo.
Seguimos nós agora – os vestígios daquelas pessoas, daquelas paisagens, daquelas tecnologias e das interações ocorridas – escolhendo que caminhos contemplar e trilhar numa história que não é só humana, mas tecnoecológica. E eu me pergunto se nossa vã filosofia e nossas ações dão conta de realizar mais dança e menos embate com os mistérios e as razões que existem entre o céu e a terra.