Enquanto diversos países do mundo avançam rumo a legislações mais restritivas a automóveis alimentados por combustíveis fósseis, o Brasil está prestes a dar um salto gigante para trás: liberar a produção e venda de carros de passeio a óleo diesel, o mais poluente dos combustíveis fósseis automobilísticos.
Nesta semana, uma comissão especial da Câmara dos Deputados deverá votar o Projeto de Lei nº 1.013/2011, proposto pelo deputado federal Aureo Lídio Moreira (Solidariedade/RJ), que autoriza veículos leves abastecidos com diesel no Brasil. Mesmo com dois pareceres negativos em comissões técnicas nos últimos cinco anos, o PL tem chances de ser aprovado pela Câmara, já que o relator da comissão especial, deputado Evandro Roman (PSD/RR) encaminhou voto favorável à aprovação do PL.
Segundo a proposta, a proibição do uso de óleo diesel em veículos leves (definida pelo extinto Departamento Nacional de Combustíveis em 1994) não se sustenta mais do ponto de vista econômico, já que não existem mais subsídios ao consumo de diesel e a produção interna, se ainda não chega a ser suficiente, aumentou expressivamente nos últimos anos, permitindo o atendimento de uma frota automotiva maior do que no passado, quando a importação respondia por mais da metade do óleo diesel consumido no Brasil. Segundo o PL, a expansão do uso de diesel propiciaria uma expressiva economia de frete de produtos agrícolas, que beneficiaria principalmente proprietários rurais de pequeno e médio portes.
Atualmente, o óleo diesel é utilizado apenas em caminhões, ônibus e carros comerciais de transporte de passageiros e carga, como vans. Veículos a diesel são fortes emissores de material particulado fino (a famosa “fumaça preta”), causador de doenças respiratórias e cardiovasculares, e de óxidos de nitrogênio (NOx), precursores do tóxico ozônio troposférico. Desde 2012, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a combustão de óleo diesel como carcinogênica para seres humanos. Ainda assim, no Brasil, os limites de emissão dessas substâncias são quatro vezes maiores do que na Europa, bem acima do nível considerado seguro pela OMS.
De acordo com pesquisadores do Conselho Internacional de Transporte Limpo, a liberação de carros de passeio a diesel no Brasil aumentaria as mortes precoces por poluição do ar entre 50% e 230% até 2050 – um salto líquido de até 150 mil óbitos adicionais. Esta organização foi a responsável pelos primeiros estudos sobre emissões de veículos a diesel da Volkswagen, que ajudaram a desvendar o chamado “dieselgate” no ano passado – a montadora reconheceu que pelo menos 11 milhões de automóveis a diesel nos EUA e na Europa foram equipados com um motor que poderia distorcer dados de emissões de poluentes.
O escândalo da Volkswagen reanimou o debate em torno de mais restrições a veículos alimentados por diesel na Europa, que já vinha ocorrendo nos últimos anos devido aos recorrentes episódios de acúmulo de poluentes na atmosfera de cidades como Paris, Roma e Viena.
Nesta segunda-feira (13/6), organizações da sociedade civil e especialistas publicaram um manifesto contra o PL, acusando-o de ser um “atentado contra a democracia, o meio ambiente, a saúde e a economia”. O documento, subscrito também pelos ex-ministros do Meio Ambiente Rubens Ricupero (1993-1994), Marina Silva (2003-2008), Carlos Minc (2008-2010) e Izabella Teixeira (2010-2016), ressalta que o PL já foi examinado pela Câmara em duas comissões permanentes da Casa em 2014 e rejeitado em ambas. Desta vez, a proposta tem caráter terminativo – ou seja, caso ele seja aprovado na comissão especial nesta semana, o PL será encaminhado diretamente para o Senado Federal, sem a necessidade de apreciação pelo plenário da Câmara.
Além disso, a possível aprovação do PL significará um grande obstáculo para o Brasil reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e cumprir seus compromissos no âmbito do Acordo de Paris, ao ampliar as emissões derivadas do setor de transporte e atrapalhar esforços para viabilizar um maior uso de automóveis elétricos e a base de etanol.
Por fim, de acordo com o manifesto, a liberação dos carros a diesel não faz sentido do ponto de vista econômico: mesmo com o aumento da capacidade de refino nos últimos anos, o Brasil segue importando óleo diesel. Como este combustível tem incentivos tributários associados ao transporte de cargas e coletivo de passageiros, aumentar a importação de óleo diesel forçaria uma revisão nessa tributação especial, o que pode causar ainda mais danos a já combalida Petrobras e aumentar consideravelmente o custo do transporte de carga no país.